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PONTOS
DE REFLEXÃO
PRIMEIRA LEITURA Is. 8, 23b-9, 1
O
texto contém a primeira parte do «Livro do Emanuel» (Is
7,1-12,6) e é uma profecia messiânica. Aos israelitas
mergulhados nas trevas da escravidão e da infidelidade a Deus, o
profeta anuncia a luz da salvação que há-de surgir. O Evangelho
de Mateus verá cumprir-se esta profecia quando Jesus começar a
anunciar o Reino de Deus, precisamente a partir da Galileia. O
oráculo, com muita probabilidade, fazia parte da liturgia da
coroação dos reis; por isso não diz respeito a algum rei
histórico, mas ao rei ideal que inaugurará uma era definitiva de
paz e de justiça.
O
povo está oprimido pelos inimigos, mas Isaías descortina sinais
de liberdade no horizonte; não se trata ainda de uma realidade,
mas de uma promessa.
A
«luz» (v. 1) é símbolo da presença salvífica de
jhwh, uma presença
que traz «alegria e contentamento», (v. 2) O profeta, para
exprimir a alegria utiliza a imagem da «ceifa»: o povo está
liberto de preocupações e vive na abundância depois de um
período de sofrimento e de restrições. Quando e como Deus dará a
liberdade não aqui explicitado.
A
referência ao «dia de Madiã» (v. 3) evoca a ideologia da guerra
santa: não é a força própria mas a de
jhwh que realiza a
libertação (cf. Jz 7,9-25). O oráculo apresenta uma situação
difícil: o povo está oprimido pelos inimigos, mas
jhwh é o Deus da
libertação e o Senhor da História, e não abandonará o seu Povo.
O motivo da guerra santa anuncia a libertação como dom de Deus,
embora a colaboração do homem não seja excluída (cf. Jz 7,9).
Seja como for, para Israel «existir» significa «viver» graças a
jhwh e continuar a
esperar n Ele.
SEGUNDA LEITURA
ICor 1,10-13.17
Na
comunidade de Corinto havia divisões, grupos e facções que
apelavam para o ensino de determinados evangelizadores e mestres
(o culto da personalidade!). Deste modo, porém, Cristo era
«dividido» (cf. v. 13) e o núcleo do Evangelho destruído. Paulo
dirige um veemente apelo à comunidade, para que conserve a
unidade de pensamento e de acção. A comunidade não vive pelo
carisma pessoal deste ou daquele pregador, pelo seu encanto ou
pelos seus talentos, mas pelo poder da Cruz de Cristo.
A
comunidade cristã deve reconhecer somente a Cristo como Senhor,
e por isso divisões e partidos são um absurdo. Aos ouvidos do
Apóstolo soa quase como uma nova confissão de fé ao
ouvir dizer: «Eu sou de Paulo»; «eu de Apolo»; «eu de Pedro»; «eu
de Cristo.» (v. 12) Perante estas novas caracterizações da
mensagem cristã, Paulo indigna-se. Deste modo Cristo é reduzido
ao papel de um pregador, e a própria essência do «Evangelho»
fica comprometida.
O
Apóstolo afirma que só um é o Crucificado, «Cristo», e
condenando decididamente o partido que se revia nele («Eu sou
de Paulo»: v. 12), toma daí partido para condenar todos os
outros (cf. v. 13). De facto, o Baptismo foi administrado aos
fiéis no nome de Cristo e não no nome de Paulo.
A
lembrança do seu Baptismo deve levar os Coríntios a compreender
que eles são de Cristo e somente de Cristo. A unidade da Igreja
apoia-se na pessoa de Cristo e na Sua acção salvífica na Cruz.
Este reconhecimento requer de todos os crentes unanimidade de
pensamento e de acção (cf. v. 10). A unidade apoia-se na
confissão de fé em Cristo: sem esta base, a unidade da
comunidade dos crentes fica comprometida nos seus fundamentos.
Unidade, no entanto, não significa nivelamento do pensamento e
uniformidade de opinião.
EVANGELHO
Mt
4,12-23
Jesus começa a Sua actividade pública na Galileia, anuncia o
Reino de Deus e cura os doentes. Palavra e milagres proclamam a
salvação que Deus preparou para o seu Povo e para todos os
homens. Mateus, porém, antes dos milagres, descreve o chamamento
dos primeiros discípulos: Pedro e André, Tiago e João, dois
pares de irmãos. Estes acolhem o chamamento, e fazem-no com
prontidão, antes ainda de compreenderem o que significava, o que
a sequela comportava em termos de humilhação e de grandeza.
O
anúncio da salvação parte de uma região periférica, geralmente
desprezada pelo paganismo. Para Mateus, este é um sinal
revelador do messianismo de Jesus, um mes-sianismo universal que
rompe decididamente com todas as formas de particularismo.
A
mensagem do Mestre é resumida numa fórmula extremamente
concisa: a chegada do Reino («Está próximo o reino dos Céus»: v.
17b) e o imperativo que dela deriva («Convertei-vos»: v. 17a).
Não é dada nenhuma explicação sobre o conceito de Reino, sobre o
sentido e as modalidades da sua proximidade. O evangelista
reserva para si explicá-lo em seguida.
Através do chamamento dos primeiros discípulos, é-nos dada logo
uma exempli-ficação concreta do que significa converter-se. A
moldura é o cenário do lago e o pano de fundo é a dura vida
quotidiana. Os elementos essenciais do chamamento são: a) a
centralidade de Jesus: a iniciativa é Sua, é Ele que chama os
discípulos; b) um profundo desapego: Pedro e André deixam as
redes e o barco, que representam a segurança do trabalho; Tiago
e João deixam também o pai, que representa as pró-prias raízes,
os afectos familiares; c) a comunhão com Jesus destinada a
preparar o discípulo para a missão («Farei de vós pescadores de
homens»: v. 19).
A Palavra de Deus insiste na centralidade da pessoa de Cristo.
É Ele que convida a segui-1'O. Se a partir desse momento
em diante Pedro,
André, Tiago e João começam a viver juntos,
em grupo, não é porque cada um deles escolheu estar na companhia
da mesma pessoa: Jesus. Primeiro houve a escolha
de Jesus e depois é que se estabeleceu a vida comunitária.
É o
relacionamento com Jesus que dá origem à comunidade, e não o
contrário. É a sequela que gera a comunhão. Certamente o
seguimento exige um desapego (deixar a esposa e a família), mas
é um desapego que nada tem em comum com todas aquelas formas de
separação que têm por base uma matriz dualista: o espírito de um
lado e a matéria do outro. O
discípulo não deixa o trabalho e o pai porque são realidades
secundárias e
efémeras, mas porque encontrou Alguém que é mais
importante.
O
chamamento tem por finalidade a missão. Jesus não chama pelo
gosto de ter discípulos, mas para um fim preciso: «Farei de vós
pescadores de homens.» (Mt 4,19) A missão, porém,
deve ser precedida pela
frequência, pela familiaridade com
Ele (o verbo está no futuro: «Farei de vós»). Por último, existe
uma explicação para o facto de serem chamados pares de irmãos: este pormenor ajuda a compreender que a vida cristã é um
«caminhar juntos».
As
duas narrações de chamamentos, colocadas no início da
vida pública do Senhor, são
paradigmáticas. As quatro personagens têm um significado que vai
além do papel que têm na
narração: os dois pares de
irmãos são propostos como modelos a imitar e seguir. O
discipulado não é limitado a poucos escolhidos, mas cada
baptizado encontra espelhada na narração
evangélica a sua vocação: seguir Jesus com prontidão e
sem hesitações.
A
centralidade de Jesus é colocada em relevo também na segunda
leitura. Em Corinto tinham-se criado quatro facções: a
de Paulo, a de Apolo, a de Pedro e a de Cristo. Não se tratava
de escolas
teológicas no sentido moderno do termo, mas antes
de comunidades pessoais, ou seja, de comunidades demasiado
ligadas ao seu fundador e à sua orientação espiritual. Os
cristãos de Corinto davam demasiada importância aos homens,
esquecendo-se do único Senhor que actua através
de todos. É a afirmação da centralidade de Jesus que cria a comunhão.
O apego aos próprios mestres, que de algum modo até pode ser
justificado, não deve de modo nenhum ensombrar a centralidade de
Jesus Cristo.
Padre José Granja
Reitor da Basílica dos Congregados, Braga. |