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PONTOS
DE REFLEXÃO
PRIMEIRA LEITURA
Is
49,3-5-6
Este
texto pertence ao segundo cântico do servo de
jhwh e anuncia a vinda
de uma personagem que terá a missão, não só de levantar de novo a
sorte de Israel, mas também de ser «luz»
e «salvação» para todas as nações
(cf. v. 6). A tradição cristã viu sempre nesta página o anúncio
profético do Messias, que veio ao mundo como luz e salvação
para a Humanidade.
O epíteto «servo» não
tem nenhum sentido depreciativo; pelo
contrário, sublinha a profunda união com Deus da personagem
profetizada pelo Segundo Isaías. A honra singular do servo consiste
no facto de, nele e através dele,
jhwh querer manifestar
a Sua glória, ou seja: mediante o servo, a vontade salvífica
do Senhor alcança o seu Povo. A
grande novidade do anúncio profético é o
envio do servo de
jhwh como «luz das
nações», (v. 6) A imagem da luz é eficaz para ilustrar o efeito de
uma palavra que se destina
a levar à verdade e a
comportamentos consequentes. O verbo «reconduzir», típico da
conversão e do regresso a Deus (aparece duas
vezes: w. 5 e 6) e o termo
«salvação» (v. 6) qualificam a missão
do servo enquanto
restabelecimento da comu-nhão entre Deus e o
homem, enquanto reconciliação
entre Ele e os povos.
Neste segundo cântico
renova-se a dificuldade de leitura e de
interpretação comum aos outros cânticos do servo de
jhwh, ou
seja, a alternância com que o
título de «servo» é atribuído, ora ao
povo de Israel (v. 3), ora à
personagem anunciada, a qual, falando
na primeira pessoa, se
identifica com o profeta (w. 5 e 6).
SEGUNDA LEITURA
ICor
1,1-3
A
Primeira Carta aos Coríntios (que nos vai acompanhar até ao oitavo
domingo do Tempo Comum) foi escrita pelo Apóstolo Paulo entre os
anos 53 e 55 d. C, apenas poucos anos depois da fundação da
comunidade. Paulo chama «santos» aos cristãos
(v. 2b) porque, mediante Jesus
Cristo, Deus os chamou para Si e por isso os san-tificou.
Agora estão incluídos no número dos que
«invocam o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo», (v. 2c) O Apóstolo,
não obstante as duras polémicas que houve com os Coríntios, está
intimamente ligado a esta comunidade.
Paulo
envia a Carta à «Igreja de Deus que está em Corinto»
(v. 2a) - expressão que
poderíamos parafrasear assim: à Igreja de Deus; universal -
enquanto encarnada na comunidade de Corinto.
O Apóstolo, por conseguinte, coloca a comunidade de Corinto
no contexto da Igreja universal. A perspectiva local é alargada a um
horizonte universal, algo muito importante para uma realidade
que - como a dos destinatários da epístola - tendia a separar-se e a
dividir-se. A comunidade local não pode permitir alhear-se da vida
da Igreja Universal (cf. ICor
1,10 ss.). É por isso que Paulo, na parte final da
Carta, convida os Coríntios a participarem na colecta a favor dos
cristãos de Jerusalém (cf. ICor
16,1-4) e a terem
presentes a fé e as práticas das outras Igrejas.
O ponto central,
todavia, é o testemunho de Jesus: os cristãos
são definidos aqueles que «invocam em qualquer lugar
o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo», (v. 2c) Não se trata só de
rezar, mas de reconhecer na vida o senhorio de Jesus. Os cristãos
são aqueles que reconhecem - nos
factos, nos juízos, nas opções, nas relações, nos pontos de vista -
que Jesus é o seu único Senhor.
EVANGELHO
Jo 1,29-34
São três as afirmações
que estão na base do testemunho de João
Baptista acerca de
Jesus: Jesus é o Cordeiro que tira os pecados do
mundo; o Espírito
desceu sobre Ele e permaneceu n Ele; Jesus é o
eleito de Deus (o Filho de Deus). Estas três
afirmações remetem para a figura
do servo de jhwh de Isaías. Isto significa que João
Baptista reconhece em Jesus o
cumprimento do que fora preanunciado pelos profetas. A decla-ração
de João Baptista é um monólogo precedido por uma breve introdução
(v. 29a): na primeira parte
são referidas as palavras de
João diante de Jesus (w. 29b-31); na segunda, o testemunho de João
Baptista (w. 32-34).
Nesta
página, João apresenta-se no seu papel de precursor, enviado por
Deus a dar testemunho d'Aquele que deve vir: Jesus. O evangelista
opta por não narrar o Baptismo de Jesus, mas como e onde o Messias
foi reconhecido.
O Verbo
de que nos falava o prólogo revelou-Se na carne, em Cristo; e quem
tem o dom, porque foi «enviado por Deus» (cf. Jo 1,6), de perceber
essa revelação e de a testemunhar é João. No mundo que rejeitou a
«luz» para permanecer nas «trevas» da ignorância, João é o dedo
apontado em direcção à «luz». É ele que vê o Espírito descer sobre
Jesus, O reconhece como o «Filho de Deus» (v. 34) e O anuncia a quem
não viu nem compreendeu. O testemunho torna-se um acto de fé que
suscita o acolhimento e o seguimento dos discípulos.
No
Quarto Evangelho, mais do que precursor, profeta, baptista, João é
«a testemu-nha». Ele é quem tem a alegria de pressentir que o
«esposo» está ali e, obediente à voz de Deus, dá testemunho d'Ele
(cf. Jo 3,29).
Hoje a
Palavra de Deus qualifica João como o «apresentador» do Messias
(Evan-gelho). Estamos habituados a assistir às entrevistas na
televisão, em que o apresen-tador se serve de personagens famosas
para ganhar audiência: os outros são para ele um pretexto para
aumentar a sua popularidade. João, não! Não se serve de Jesus para
aumentar a sua fama, ao invés convida os seus discípulos a seguirem
Jesus. É singular o modo como acontece essa apresentação de Jesus às
multidões que acorriam às margens do rio Jordão: João Baptista, logo
que vê Jesus exclama: «Eis...» Uma exclamação que esconde a alegria
por aquilo que está a suceder e que provoca a suspensão momentânea
do que se está a fazer. João, que os evangelhos nos descrevem como
um profeta austero e sério, parece aqui invadido pela alegria de
apresentar a todos a pessoa que avista de longe. E apresenta-O duas
vezes com a expressão: «Eis o Cordeiro de Deus» (Jo 1,29.36), ou
seja, como Aquele que vem renovar a vida de todas as coisas. João
não tem medo de apresentar Jesus como «o Filho de Deus» (Jo 1,34),
embora para os hebreus isso fosse uma blasfémia (cf. Mt
26,65). É demasiado grande a alegria de ter finalmente
encontrado Aquele que esperava havia anos, desde quando tinha
exultado no seio de Isabel (cf. Lc 1,44). O «eis» de João exige-nos
também a nós a passarmos de «apresentadores» a «apresen-tar-nos»,
isto é, a prestar-nos a ser testemunhas. «Eis o Cordeiro de Deus que
tira o pecado do mundo.» (Jo 1,29) Há quem veja, no pano de fundo
desta imagem, o cordeiro pascal (cf. Ex 12,1-28); outros vêem uma
referência à oblação quotidiana de um cordeiro no Templo (cf. Ex
29,38-46); outros ainda vêm nele o servo de
jhwh (cf. Is 53,7).
Esta última hipótese é provavelmente a mais significativa. O
cordeiro é imagem de uma obediência e de um amor que levam até à
Cruz; o cordeiro é imagem do servo de
jhwh, que toma sobre si
os pecados do povo. O verbo grego que João utiliza, airo,
significa «colocar sobre os próprios ombros» e também «retirar»:
ambos os significados estão de acordo com a acção de Jesus. Os dois
motivos sublinhados por Is 53 (a inocência do servo e a sua
solidariedade para com os pecadores) estão de facto presentes no
gesto de Jesus, que vem para ser baptizado: Ele não se afasta do
povo pecador, mas confunde-Se com ele, ainda que conheça a Sua
inocência e a Sua origem divina. Desta forma a Encarnação ganha toda
a sua importância, torna-se solidariedade plena com os homens e com
a sua história.
Padre
José Granja,
Reitor da Basílica dos Congregados, Braga. |