capítulo 12
A COMISSÃO
EXAMINADORA
O veredicto
O arcebispo primaz
de Braga nomeia uma Comissão para examinar o Caso da Alexandrina: o cónego Molho
de Faria, presidente, e outros dois membros.
Molho de Faria já
tinha feito uma visita à Alexandrina, que o deixara bem impressionado. Em 2 de
Março de 43 tinha escrito ao Pe. Pinho uma carta em que se pode ler:
Agradaram-me e
admirei muito as cartas da sua filha espiritual.
Admirei
sobretudo o espírito de simplicidade e a total confiança em Deus. Há tanta
beleza e rigor em alguns particulares de real dificuldade teológica que,
sabendo nós donde vêm, não podemos não ver claramente o dedo de Deus.
Há ainda modos
de exprimir-se e imagens de uma tal fineza e profundidade no expor certos
desejos e afectos que devemos admitir nela existência de sentimentos
altíssimos (...)
Creio que
um dia se fará plena justiça (vd. C
G, Apêndice I, 3: “O segundo relatório do Pe. Humberto”, pp. 788, ss).
Tal Comissão faz um
estudo superficial: não interroga sequer o director espiritual! Não lê os
escritos da indagada. Deixa-se influenciar pelas más-línguas locais: algumas
mulheres invejosas, duas das quais penitentes do presidente. Quando este
interroga a Alexandrina para saber as causas da sua hostilidade, a falsamente
acusada responde:
— Fiz
o propósito de não dizer nada ... de não me desculpar.
O cónego insiste:
— Mas
aqui não é o mundo que a interroga, sou eu. Saiba que tudo está nas minhas
mãos!
— Sr.
Padre, a minha vida é nas mãos de Deus. Prometi ao Senhor não me desculpar.
Por isso peço-lhe que não insista.
Foi o único
contacto dos teólogos com a acusada! (C
G p. 154, em nota)
Como é possível não
reconhecer aqui a atitude de Jesus frente a Pilatos?
Tal resposta
certamente irrita o inquisidor e faz pender a balança para a parte da
condenação.
Em 16 de Janeiro de
1944 a Comissão emite o seu juízo negativo!
Jesus permitiu isto
para espremer mais na prensa aquele generoso cacho de uvas que era a sua “maior
vítima”, como muitas vezes afirma.
Quanto ao cónego
Molho de Faria, é de obrigação aqui assinalar que depois estudou o Caso e no
Processo diocesano, no dia 22 de Maio de 68, testemunhou:
Desejo a sua
beatificação, se forem provadas como heróicas as suas virtudes. (...) Neste
momento penso que a fama de que goza a Serva de Deus é a melhor possível e
merecida. Insisto que é digna das honras dos altares. Tudo sei por
conhecimento e estudos pessoais. (Summ, pp. 157, 159)
Consequências
Em 25 de Junho de
1944 o Arcebispo Primaz de Braga emana uma circular, da qual transcrevemos
alguns pontos:
a) Faça-se
silêncio sobre os pretensos factos extraordinários atribuídos à doente, ou
de que ela se afirma protagonista (...)
b) Seja feita
recomendação aos sacerdotes para não alimentarem, mas antes contrariar de
modo caridoso a curiosidade (...)
c) A mesma
recomendação seja feita a todos os nossos diocesanos (...)
d) Ao pároco de
Balasar comunique-se que o encarregamos, para além do que está acima, de
vigiar para que a doente e a sua casa não sejam molestadas por visitas
importunas feitas a título de observação dos pretensos fenómenos
extraordinários, aos quais se atribua carácter religioso ou intenção
religiosa.
Tal providência
aumenta a difamação, alimentada também pelas más-línguas, invejosas da posição
excepcional assumida pela Alexandrina, e muito contra a sua vontade!
A Alexandrina no furacão
Jesus, estou
num sobressalto. (...) Ai, que horror! Tudo é tempestade. Ouço o zunir dos
ventos, os ecos dos trovões terríveis, ameaças de destruição. Tudo fugiu
aterrorizado. E eu sozinha (está sem o Pe. Pinho desde 42 e não tem
ainda a ajuda do Pe. Humberto Pasquale, que começará a dirigi-la em Setembro
de 44), no meio do mar, sem barca, sem leme e sem luz, prestes a
afundar-me para sempre no abismo do mar.
Horror, horror!
A tempestade rasga as nuvens, o Céu abre-se e revolta-se contra a Terra. Meu
Deus, meu Jesus, que me espera ainda?
Em vossos braços
santíssimos me entrego. (...) S (27-7-44)
Escutai, Jesus,
a minha dor quase moribunda! (...) Dor que só por Jesus pode ser conhecida!
Com os olhos em
Vós, Jesus, as calúnias, as humilhações, os desprezos, os ódios, o
esquecimento têm a doçura do vosso amor.
Venha tudo, ó
Jesus, venha tudo o que Vos aprouver.
Morra o meu
nome, como sinto que morreram o meu corpo e a minha alma, para que viva o
vosso divino amor nos corações e a vossa graça nas almas! Eis, meu Amado,
para que me deixo imolar. (...)
Oh, quem pudesse
ao menos viver escondida! Ai, quem me dera amar-Vos como tanto desejo, ser
vossa, meu Jesus, a mais não poder ser.
Mas perdoai, ó
Jesus, perdoai-me: mas sem esta vida assim.
Ai, quantos
que nada desta vida (mística) conhecem, e são santos! E eu, meu Jesus, cheia
de misérias! Oh, que saudades dos anos que já lá vão! Tantos colóquios tive
convosco, e sem que nada se soubesse! Daria vidas, meu Jesus, daria mundos
para viver escondida!
Perdão, Jesus,
não tenho querer, não tenho vontade. (...)
Meu Deus, que
luta tremenda! Ai de mim sem Vós! Jesus, Mãezinha, valei-me! Sou a vossa
vítima. Ó Santa Teresinha, Santa Gema, ó São José e santos meus queridos,
valei-me! Ó Céu, ó Céu, conta contigo!
Nunca, meu
Jesus, me deixeis repousar! Nunca deixeis parar meus lábios repetindo
sempre: amo-Vos, Jesus, sou a vossa vítima!
Dêem-me os
homens a sentença que quiserem, não importa. Dai-me Vós, ó Jesus, a sentença
de vencerdes em mim e de eu Vos amar e Vos dar almas! S (1-8-44)
Aqui aflora um
ténue aceno às exigências da natureza, logo rejeitadas:
Ao ouvir lá fora
risos como de quem goza uma grande alegria, sem eu querer, quase sentia
saudades de gozar dessa alegria também.
Meu Deus, que
vida tão mal compreendida! (...)
Estes
pensamentos passavam rápidos como o relâmpago. E sentia-me como que obrigada
a trocar todas as alegrias pelo amor de Jesus. Jesus! Jesus é digno de tudo.
As almas, as almas!
Este pensamento
vibrou dentro de mim. Acendeu uns desejos mais firmes de caminhar por entre
espinhos, banhada em sangue, só em sangue.
Deu-me um
conhecimento claro do que é Jesus e do que é o mundo.
(...)
Passaram-se algumas horas. Ia alta, bem alta a noite.
Tudo em casa
estava em descanso: só a minha dor, a minha tremenda luta continuava.
Jesus não a deixa
sem a sua ajuda, quando é necessário.
Veio de repente
Jesus; estreitou-me em chamas de amor. (...)
Jesus, ao meu
lado, dizia-me:
— A
tua dor, minha filha, o teu martírio arranca das garras de Satanás as almas
que ele com tanto furor Me roubou. (...) Coragem, a tempestade passa. Recebe
graça, recebe amor e a luz do divino Espírito Santo. (...)
Pouco depois,
numa doce paz, adormeci. S (10-8-44)
Também uma certa
imprensa intervém na campanha denegridora!
O Pe. Humberto
Pasquale no Processo Diocesano depôs:
Sofreu também
bastante por artigos que se escreveram sobre ela nos jornais. (Summ, p. 291)
Os espinhos vêm-lhe
de várias partes:
Oh, quantos
espinhos ferem este coração que já não existe senão para sofrer!
É do profundo da
alma que Vos peço perdão para os que tão cruelmente me ferem. Sou ferida por
aqueles de quem menos deveria ser; mas também eu procedo assim para Vós: meu
bom Jesus, perdoai-me! S (22-1-45)
No fim de Abril de
45, invocando o Sagrado Coração diz:
Sede sempre a
minha força e deixai-me entrar no vosso divino Coração com todos os que me
são queridos, para que os recompenseis por mim, dando-lhes todas as vossas
graças e todo o vosso amor.
Deixai-me entrar
com todos os sacerdotes, para que aprendam do vosso divino Coração e se
assemelhem a Vós.
Deixai-me entrar
com todos os pecadores, para que se convertam e não Vos ofendam mais.
Deixai-me entrar
com todos os que me têm ofendido, para lhes perdoardes e dardes por mim
também o perdão.
Deixai-me entrar
com o mundo inteiro, para que todo ele seja salvo, pois entrando em vosso
divino Coração não corre mais perigo. S (27-4-45)
Em Outubro do mesmo
ano, num colóquio com Jesus a Alexandrina pede:
Tornai o meu
coração semelhante ao vosso. Por amor a Vós quero perdoar a todos. Por amor
a Vós e por amor às almas aceito estes espinhos que tão profundamente ferem
a minha cabeça em todas as horas do dia. S (24-10-45)
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