Carta
do Superior Geral dos Jesuítas, datada de Roma, a
19-1-1987, anunciando
a beatificação:
«O P.
Rupert Mayer foi um varão extraordinário. O
que a outros parecia impossível,
conseguiu-o ele com amor
verdadeiramente engenhoso. O P.
Rupert Mayer foi como
um profeta: o que para
muitos, no seu
tempo, era impenetrável e ambíguo, ele depressa
o
viu com toda a claridade.
Era o P. Mayer homem dotado de grande amor;
amor tenaz e
rico de recursos. O seu
era um valor agressivo; e não pôs de lado o político. A sua
sensibilidade
para com a injustiça era incorruptível e impediu que ele
estivesse calado. Foi
vigoroso defensor dos
pobres, amigo deles e inimigo declarado de toda a injustiça.
Foi
sobretudo no tempo
intermédio entre as duas guerras mundiais que
esta testemunha crítica
e valorosa da fé apresentou uma figura profética, que sempre
constituiu um repto. Foi este o
juízo que dele formaram os
seus irmãos jesuítas.
A 3
de
Maio do presente
ano [1987],
beatificará
o Papa João Paulo II,
em Munique,
este irmão nosso, pertencente à Província da Alemanha
Superior. Deste modo, satisfaz
o Santo Padre o desejo de muitos fiéis que, tanto em Munique e na
Alemanha, como noutras regiões,
se empenharam por que este grande sacerdote e
jesuíta alcançasse na
Igreja o reconhecimento próprio dos "santos", nos quais, de maneira
particular, nos manifestou Deus a sua obra salvífica
neste mundo.
Mas,
quem era o P. Rupert Mayer? A
sua vida e a sua figura
conservam, na actualidade, para nós, jesuítas, uma mensagem
singularmente viva. É cópia do que as últimas
Congregações Gerais para
nós formularam como traços típicos da nossa vocação
inaciana.
Nascido
a 23
de Janeiro de
1876,
em Estugarda,
no sudoeste da
Alemanha, recebeu em
1899
a ordenação
sacerdotal. Tendo sido coadjutor duma paróquia, entrou em
1900
no Noviciado
da Companhia em Feldkirch
(Áustria). Como então a nossa
Ordem estava proibida na Alemanha, teve de fazer os estudos
no estrangeiro. Terminados estes, principiou sendo Sócio do Mestre
de Noviços e, depois, durante vários anos, foi missionário
popular na Alemanha, Áustria e
Suíça. Em
1912
chamaram-no
a Munique para
tomar o cuidado
espiritual dos "imigrados". Foi ajudante da
fundação duma Congregação
de Religiosas dedicadas ao cuidado das famílias. Ao
desencadear-se a guerra mundial
de
1914, ficou
sendo capelão militar. Por causa duma grave
ferida, perdeu, em fins
de
1916,
a perna esquerda. E em
1917,
estava de novo em Munique, dedicado à pastoral.
Exerceu o ministério
sacerdotal como pregador e confessor na nossa igreja de S.
Miguel, ocupando-se
incansavelmente dos mais necessitados. Em
1921
foi
nomeado Director da
Congregação
Mariana de
homens. Em
1925
introduziu
os serviços
religiosos na estação do
caminho de ferro, para os excursionistas dos
domingos. Seguiu sempre com muita
atenção as
correntes da política na Alemanha, sendo valoroso opositor do
Nacional Socialismo,
contra o qual defendeu a liberdade da Igreja católica e da
fé cristã, assim como
os direitos dos
perseguidos.
Em
1937
foi encarcerado e condenado pela primeira vez, e
foi-o duas vezes mais em
1938
e em
1939,
sendo em seguida
confinado no campo de concentração
de
Oranienburgo,
perto de Berlim.
Por último, desde
1940,
foi-lhe dado como
local de
prisão domiciliária a Abadia beneditina de Ettal,
na Baviera Superior, até ao fim da guerra,
em Maio de 1945. Voltou
então para Munique, onde morreu, enquanto celebrava a
Sagrada Eucaristia, no
dia de Todos os Santos de 1945.
Este
extremo da sua vida sacerdotal e jesuítica estava cimentado na
unidade interior. Da
profundidade da sua pessoa brotavam-lhe as convicções, que
expressava,
imperturbável, nas palavras
e nas acções. Estava interiormente ancorado em Deus;
isto
levava-o a discernir os
espíritos e tornava-o capaz de sair sem condições em defesa
dos direitos de Deus e
dos homens. A exclamação de S. Paulo: "Ai de mim se não proclamar
o Evangelho"
(1 Cor 9,
16) era também realidade
para ele. "Não posso calar-me",
era lema que
inspirava o seu compromisso em favor da verdade espezinhada. As suas
últimas
palavras foram: "O
Senhor... O Senhor". Morreu
enquanto pregava, anunciando Aquele
em tomo de quem tinha
girado toda a sua vida:
"Senhor, como quiseres, quando quiseres,
o que quiseres e enquanto
Tu o quiseres... assim se faça"; esta a sua oração favorita.
A
entrega em defesa da verdade não se limitou apenas a
palavras. Todo o seu falar
ia acompanhado por um amor prático do próximo. A vida do P.
Rupert Mayer constituiu
síntese convincente do
anúncio do Evangelho e do compromisso em favor dos pobres
e
dos oprimidos. Viveu de
muitas maneiras "o amor preferencial pelos pobres". Nos
pobres
encontrava ele o Senhor em pessoa. Nisto é para nós modelo. E
também o é noutro
aspecto: na Congregação Mariana
formava ele leigos convictos das suas
responsabilidades, que foram os seus colaboradores,
extraordinariamente activos na propaganda da fé,
no compromisso em favor
dos perseguidos e na ajuda aos necessitados. A actuação
do
P. Mayer
ensina-nos, além disso, exemplarmente, o esforço
constante para acomodar o
nosso apostolado às
circunstâncias do momento e a empreender novas iniciativas,
de
acordo com as
exigências duma época em
mudança.
Na carta
que o Santo Padre me entregou em
Paray-le-Monial, encarece vivamente
diante de nós a devoção
ao Sagrado Coração de Jesus, que
tão profundamente está ligada
aos Exercícios Espirituais de Santo Inácio. Esta devoção deve
unir-nos pessoalmente com Nosso
Senhor Jesus Cristo. O P. Rupert Mayer
pode abrir-nos os olhos para
compreendermos os
frutos a brotarem dessa devoção. O seu "conhecimento interno" do
Senhor
tornou-o capaz de chegar
a ser aquilo que foi "em favor dos outros".
Desejo
para todos nós que a beatificação do nosso irmão nos
estimule a indagarmos
de novo o mistério da nossa vocação de jesuítas e ilumine os
traços da mesma,
vocação que ele viveu
exemplarmente no seu tempo, tempo que se
estende até ao nosso».
Cf. Pe. José Leite, SJ. |