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PONTOS DE REFLEXÃO
LEITURA I – Jer
31,31-34
A primeira leitura do 5º
Domingo da Quaresma dá-nos conta da eterna preocupação de Deus com a realização
plena do homem. Nessa linha, Jahwéh propõe-se intervir no sentido de mudar o
coração do homem, tornando-o apto para fazer as escolhas mais correctas. Só com
um coração transformado, o homem será capaz de acolher as propostas de Deus e de
conduzir a sua vida de acordo com esses valores que lhe asseguram a harmonia, a
paz, a verdadeira felicidade. Ao homem pede-se, naturalmente, que acolha o dom
de Deus, que se deixe transformar por Deus, que aceite o desafio de Deus para
integrar a comunidade da nova Aliança. Integrar a comunidade da nova Aliança
implica, no entanto, renunciar a caminhos de fechamento, de auto-suficiência, de
recusa, de indiferença face aos desafios e às propostas de Deus. Estamos
dispostos, neste tempo de Quaresma, a acolher o dom de Deus e a deixar-nos
transformar por Ele?
• Fazer
parte da comunidade da nova Aliança não tem a ver com o cumprimento de ritos ou
de obrigações externas; mas tem a ver com a adesão incondicional do coração às
propostas de Deus. O que nos faz membros efectivos da comunidade da nova Aliança
não é o ter o nome inscrito no livro de registos de baptismos da nossa paróquia,
ou o ter celebrado o casamento na igreja, ou o ir à missa ao domingo… Mas é o
estar atento aos projectos de Deus, interiorizar as propostas de Deus, conduzir
a vida de acordo com os valores de Deus, testemunhar a vida de Deus nos gestos
simples do dia-a-dia, viver em comunhão com Deus.
• O
projecto de uma nova Aliança entre Deus e o seu Povo concretiza-se em Jesus: Ele
veio ao mundo para renovar os corações dos homens, oferecendo-lhes a vida de
Deus. As outras duas leituras que nos são propostas neste 5º Domingo da Quaresma
vão dizer-nos como é que Jesus concretizou este projecto.
LEITURA II – Heb
5,7-9
Antes de mais, o nosso
texto recorda-nos a solidariedade de Jesus com os homens. Ele veio ao nosso
encontro, assumiu a nossa humanidade, conheceu as nossas fragilidades, partilhou
as nossas dores, medos e incertezas. Ele compreendeu os homens e as suas
fraquezas, sem nunca os acusar nem condenar, sem se demitir da sua condição de
irmão dos homens. Desta forma, tornou-Se capaz de Se compadecer da nossa miséria
e de nos trazer a ajuda necessária para que pudéssemos superar a nossa situação
de debilidade. A Palavra de Deus que hoje nos é proposta garante-nos a
solidariedade de Cristo em todos os instantes da nossa existência. Não estamos
sozinhos, frente a frente com a nossa fragilidade e debilidade; Cristo
entende-nos, caminha à nossa frente, pega-nos ao colo quando não conseguimos
caminhar. Sobretudo Cristo, o irmão que veio ao nosso encontro e que caminha
connosco, aponta-nos o caminho para essa vida plena e definitiva que Deus nos
quer oferecer.
• Toda
a vida de Cristo cumpriu-se num intenso diálogo e numa total comunhão com o Pai.
Através desse diálogo, Ele pôde discernir a vontade do Pai e conhecer os seus
projectos. Pela oração, Ele encontrou forças para obedecer, para dizer “sim” e
para concretizar os planos do Pai, mesmo nos momentos mais dramáticos da sua
existência terrena. O caminho da doação total ao Pai não é um caminho impossível
para os homens (Jesus, tornado homem como nós, demonstrou-o); mas é um caminho
que os homens podem percorrer, apesar das suas fragilidades. É esse caminho que
Jesus, o homem como nós, nos aponta. Temos espaço, na nossa vida, para dialogar
com o Pai, para perceber os seus projectos para nós e para o mundo, para escutar
os desafios que Deus nos faz? A nossa vida cumpre-se na indiferença para com
Deus e para com os seus projectos, ou numa procura sincera e empenhada da
vontade de Deus?
EVANGELHO – Jo
12,20-33
A primeira leitura
mostrava-nos a preocupação de Deus no sentido de propor aos homens uma nova
Aliança, capaz de gerar um Homem Novo. Como é que chegamos a essa realidade do
Homem Novo, de coração transformado (isto é, com um coração que pensa, que
decide e que age segundo os esquemas e a lógica de Deus)? O Evangelho responde:
é olhando para Jesus, aprendendo com Ele, seguindo-O no caminho do amor,
acolhendo essa vida que Ele nos propõe. Jesus tem de ser o modelo, a referência,
o exemplo de quem quer aceitar o desafio de Deus e viver na comunidade da nova
Aliança. Na verdade, o que é que Jesus representa, para nós? Uma pequena nota no
rodapé da história humana? Um idealista com boas intenções que fracassou no seu
sonho de um mundo melhor? Um pensador original, mas cujas ideias e perspectivas
parecem desfasadas face às novas realidades do mundo? Ou é o Deus que veio ao
encontro dos homens com um projecto de vida nova, capaz de dar um novo sentido à
nossa vida e de nos encaminhar para a vida plena, para a felicidade sem fim?
• O
caminho que Jesus aponta aos homens é o caminho do amor radical, do dom da vida,
da entrega total a Deus e aos irmãos. Este caminho pode parecer, por vezes, um
caminho de fracasso, de cruz; pode ser um caminho que nos coloca à margem desses
valores que o mundo admira e consagra; pode parecer um caminho de perdedores e
de fracos, reservado a quem não tem a coragem de se impor, de vencer a todo o
custo, de conquistar o mundo… No entanto, Jesus garante-nos: a vida plena e
definitiva nasce do dom de si mesmo, do serviço simples e humilde prestado aos
irmãos (sobretudo aos pequenos e aos pobres), da disponibilidade para nos
esquecermos de nós próprios e para irmos ao encontro das necessidades dos outros,
da capacidade para nos solidarizarmos com os irmãos que sofrem, da coragem com
que enfrentamos tudo aquilo que gera sofrimento e morte. Estamos dispostos a
seguir a proposta de Jesus?
• Jesus
rejeita absolutamente o caminho da auto-suficiência, do fechamento em si próprio,
do egoísmo estéril, dos valores efémeros. Na lógica de Deus, trata-se de um
caminho de perdedores, que produz vidas vazias e sem sentido, sofrimento e
frustração, medo e desilusão. Quem vive exclusivamente para si próprio, quem se
preocupa apenas em defender os seus interesses e perspectivas, quem se apega
excessivamente a uma realização pessoal cumprida em circuitos fechados, “compra”
uma existência infecunda e que não vale a pena ser vivida. Perde a oportunidade
de chegar ao Homem Novo, à realização plena, à vida verdadeira, à salvação.
Talvez nesta Quaresma Jesus nos peça que dispamos o nosso egoísmo e que nos
convertamos ao amor…
• É
através da comunidade dos discípulos que os homens “vêem Jesus”, descobrem o seu
projecto, encontram esse caminho de amor e de doação que conduz à vida nova do
Homem Novo, à salvação. Isto recorda-nos a nossa responsabilidade de testemunhas
de Jesus e da sua salvação no meio dos homens do nosso tempo… Aqueles irmãos que
se cruzam connosco nos caminhos da vida descobrem no nosso testemunho o rosto de
Jesus? Todos aqueles que vêm ao encontro de Jesus à procura da vida plena
encontram na forma como nos doamos, como servimos e como amamos a proposta
libertadora que, através de nós, Jesus quer passar a todos os homens?
Padre José Granja,
Reitor da Basílica dos Congregados - Braga |