Alexandrina de Balasar

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QUARTO DOMINGO DA QUARESMA
— B —

Leitura do Segundo Livro das Crónicas      2 Cr 36, 14-16.19-23

Naqueles dias, todos os príncipes dos sacerdotes e o povo multiplicaram as suas infidelidades, imitando os costumes abomináveis das nações pagãs, e profanaram o templo que o Senhor tinha consagrado para Si em Jerusalém.

O Senhor, Deus de seus pais, desde o princípio e sem cessar, enviou-lhes mensageiros, pois queria poupar o povo e a sua própria morada. Mas eles escarneciam dos mensageiros de Deus, desprezavam as suas palavras e riam-se dos profetas, a tal ponto que deixou de haver remédio, perante a indignação do Senhor contra o seu povo.

Os caldeus incendiaram o templo de Deus, demoliram as muralhas de Jerusalém, lançaram fogo aos seus palácios e destruíram todos os objectos preciosos. O rei dos caldeus deportou para Babilónia todos os que tinham escapado ao fio da espada; e foram escravos deles e de seus filhos, até que se estabeleceu o reino dos persas.

Assim se cumpriu o que o Senhor anunciara pela boca de Jeremias: «Enquanto o país não descontou os seus sábados, esteve num sábado contínuo, durante todo o tempo da sua desolação, até que se completaram setenta anos».

No primeiro ano do reinado de Ciro, rei da Pérsia, para se cumprir a palavra do Senhor, pronunciada pela boca de Jeremias, o Senhor inspirou Ciro, rei da Pérsia, que mandou publicar, em todo o seu reino, de viva voz e por escrito, a seguinte proclamação:

«Assim fala Ciro, rei da Pérsia: O Senhor, Deus do Céu, deu-me todos os reinos da terra e Ele próprio me confiou o encargo de Lhe construir um templo em Jerusalém, na terra de Judá. Quem de entre vós fizer parte do seu povo ponha-se a caminho e que Deus esteja com ele».

 

Salmo 136 (137), 1-2.3.4-5.6 (R. 6a)

Sobre os rios de Babilónia nos sentámos a chorar,
com saudades de Sião.
Nos salgueiros das suas margens,
dependurámos nossas harpas.

Aqueles que nos levaram cativos
queriam ouvir os nossos cânticos
e os nossos opressores uma canção de alegria:
«Cantai-nos um cântico de Sião».

Como poderíamos nós cantar um cântico do Senhor
em terra estrangeira?
Se eu me esquecer de ti, Jerusalém,
esquecida fique a minha mão direita.

Apegue-se-me a língua ao paladar,
se não me lembrar de ti,
se não fizer de Jerusalém
a maior das minhas alegrias.

 

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios          Ef 2, 4-10

Irmãos:

Deus, que é rico em misericórdia, pela grande caridade com que nos amou, a nós, que estávamos mortos por causa dos nossos pecados, restituiu-nos à vida com Cristo — é pela graça que fostes salvos — e com Ele nos ressuscitou e nos fez sentar nos Céus com Cristo Jesus, para mostrar aos séculos futuros a abundante riqueza da sua graça e da sua bondade para connosco, em Cristo Jesus. De facto, é pela graça que fostes salvos, por meio da fé.

A salvação não vem de vós: é dom de Deus. Não se deve às obras: ninguém se pode gloriar. Na verdade, nós somos obra sua, criados em Cristo Jesus, em vista das boas obras que Deus de antemão preparou, como caminho que devemos seguir.

 

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo
segundo São João       Jo 3, 14-21

Naquele tempo, disse Jesus a Nicodemos: «Assim como Moisés elevou a serpente no deserto, também o Filho do homem será elevado, para que todo aquele que acredita tenha n’Ele a vida eterna.

Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigénito, para que todo o homem que acredita n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna.

Porque Deus não enviou o Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele.

Quem acredita n’Ele não é condenado, mas quem não acredita já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho Unigénito de Deus.

E a causa da condenação é esta: a luz veio ao mundo e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque eram más as suas obras.

Todo aquele que pratica más acções odeia a luz e não se aproxima dela, para que as suas obras não sejam denunciadas. Mas quem pratica a verdade aproxima-se da luz, para que as suas obras sejam manifestas, pois são feitas em Deus.

 

PONTOS DE REFLEXÃO

LEITURA I – 2 Cr 36,14-16.19-23

A destruição de Jerusalém, o incêndio do Templo e a deportação do Povo de Deus para a Babilónia são vistas pelo Cronista como o resultado lógico dos pecados da nação. “Os chefes de Judá, os sacerdotes e o Povo multiplicaram as suas infidelidades” (vers. 14); ignoraram os avisos enviados por Deus por intermédio dos profetas e desdenharam os seus apelos… Então, a ira do Senhor abateu-se sem remédio sobre o seu Povo (vers. 15-16). O próprio tempo que o Exílio durou (e que o autor situa num número não muito exacto mas simbólico de 70 anos – isto é, de dez vezes sete) é visto como um grande jubileu forçado por Deus, um tempo de compensação por todos esses sábados (sétimos dias) que o Povo não respeitou e nos quais não cumpriu as suas obrigações para com Jahwéh. A “terra de Deus”, martirizada pela injustiça e pelo pecado, deve descansar durante setenta anos, até que seja renovada e volte a ser de novo a “casa” do Povo de Deus (vers. 21). Por detrás desta leitura da história, está uma noção um tanto ou quanto primitiva da justiça de Deus: quando o Povo vive na fidelidade à Aliança e aos mandamentos, Deus oferece-lhe vida e felicidade; quando o Povo é infiel aos compromissos assumidos, conhece morte e desgraça. De qualquer forma, o Cronista está consciente de que o castigo não é a última palavra de Deus. Os últimos versículos (vers. 22-23 – que são uma versão resumida de Esd 1,1-4) apontam no sentido da esperança e de um recomeço. Por detrás da referência à libertação operada por Ciro e ao édito que autoriza os habitantes de Judá a regressar à sua terra, está a ideia de um Deus que não abandona o seu Povo e que continua a dar-lhe, em cada momento da história, a possibilidade de recomeçar. 

LEITURA II – Ef 2,4-10

Deus é rico em misericórdia e ama o homem com um amor imenso. Por isso, à situação pecadora do homem, Deus responde com a sua graça (vers. 4). O amor salvador e libertador de Deus não é um amor condicional, que só se derrama sobre o homem se e quando o homem se converte; mas é um amor incondicional, que atinge o homem mesmo quando ele continua a percorrer caminhos de pecado e de morte (vers. 5). A esse homem orgulhoso e auto-suficiente, instalado no egoísmo e no pecado, Deus ofereceu uma nova vida, ressuscitando-o e sentando-o com Cristo no céu (“nos ressuscitou e nos fez sentar no céu com Cristo Jesus” – vers. 6). Repare-se neste pormenor: o autor da Carta aos Efésios não se refere à ressurreição do homem e à sua glorificação como uma coisa futura, mas como uma coisa passada (ele usa o tempo grego do aoristo, que tem significado de passado). No entanto, essa acção passada afecta o presente e tem implicações no presente… Unido a Cristo, o cristão já ressuscitou e já foi glorificado; ele continua a viver na terra, sujeito à finitude e às limitações da vida presente mas é já, aqui e agora, um cidadão do céu. Na verdade, Deus já introduziu na débil e frágil natureza humana os dinamismos da vida eterna. A vida do cristão está, consequentemente, marcada pela dupla condição da fragilidade e da eternidade. Apesar dos seus limites e da sua debilidade, o cristão tem de testemunhar e anunciar essa vida nova que Deus já lhe ofereceu nesta terra. Em toda esta exposição há um elemento incontornável e ao qual o autor da Carta aos Efésios dá uma grande importância: a gratuidade da acção salvadora de Deus. A salvação não é uma conquista do homem, nem resulta das obras ou dos méritos do homem, mas é puro dom de Deus. Portanto, não há aqui lugar para qualquer sentimento de orgulho ou para qualquer atitude de auto-glorificação. A salvação é uma oferta gratuita que Deus faz ao homem, mesmo que o homem não a mereça (vers. 9). Da oferta de salvação que Deus faz ao homem, nasce um homem novo, que pratica boas obras. As boas obras não são a condição para se receber a salvação, mas o resultado da acção dessa graça que Deus, no seu amor e na sua bondade, derrama gratuitamente sobre o homem (vers. 10). 

EVANGELHO: Jo 3,14-21

João é o evangelista abismado na contemplação do amor de um Deus que não hesitou em enviar ao mundo o seu Filho, o seu único Filho, para apresentar aos homens uma proposta de felicidade plena, de vida definitiva; e Jesus, o Filho, cumprindo o mandato do Pai, fez da sua vida um dom, até à morte na cruz, para mostrar aos homens o “caminho” da vida eterna… O Evangelho deste domingo convida-nos a contemplar, com João, esta incrível história de amor e a espantar-nos com o peso que nós – seres limitados e finitos, pequenos grãos de pó na imensidão das galáxias – adquirimos nos esquemas, nos projectos e no coração de Deus.

O amor de Deus traduz-se na oferta ao homem de vida plena e definitiva. É uma oferta gratuita, incondicional, absoluta, válida para sempre e que não discrimina ninguém. Aos homens – dotados de liberdade e de capacidade de opção – compete decidir se aceitam ou se rejeitam o dom de Deus. Às vezes, os homens acusam Deus pelas guerras, pelas injustiças, pelas arbitrariedades que trazem sofrimento e morte que pintam as paredes do mundo com a cor do desespero… O nosso texto, contudo, é claro: Deus ama o homem e oferece-lhe a vida. O sofrimento e a morte não vêm de Deus, mas são o resultado das escolhas erradas feitas pelo homem que se obstina na auto-suficiência e que prescinde dos dons de Deus.

Neste texto, João define claramente o caminho que todo o homem deve seguir para chegar à vida eterna: trata-se de “acreditar” em Jesus. “Acreditar” em Jesus não é uma mera adesão intelectual ou teórica a certas verdades da fé; mas é escutar Jesus, acolher a sua mensagem e os seus valores, segui-l’O nesse caminho do amor e da entrega ao Pai e aos irmãos. Passa pelo ser capaz de ultrapassar a indiferença, o comodismo, os projectos pessoais e pelo empenho em concretizar, no dia a dia da vida, os apelos e os desafios de Deus; passa por despir o egoísmo, o orgulho, a auto-suficiência, os preconceitos, para realizar gestos concretos de dom, de entrega, de serviço que tragam alegria, vida e esperança aos irmãos que caminham lado a lado connosco. Neste tempo de caminhada para a Páscoa, somos convidados a converter-nos a Jesus e a percorrer o mesmo caminho de amor total que Ele percorreu.

Alguns cristãos vivem obcecados e assustados com esse momento final em que Deus vai julgar o homem, depois de pesar na balança as suas acções boas e as suas acções más… João garante-nos que Deus não é um contabilista, a somar os débitos e os créditos do homem para lhes pagar em conformidade… O cristão não vive no medo, pois ele sabe que Deus é esse Pai cheio de amor que oferece a todos os seus filhos a vida eterna. Não é Deus que nos condena; somos nós que escolhemos entre a vida eterna que Deus nos oferece ou a eterna infelicidade.

Padre José Granja,
Reitor da Basílica dos Congregados - Brga

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