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PONTOS DE REFLEXÃO
LEITURA I – Ex
20,1-17
Os mandamentos que dizem respeito à
relação do homem com Deus sublinham a centralidade que Deus deve assumir no
coração e na vida do seu Povo. Na vida de todos os dias somos, com frequência,
seduzidos por outros “deuses” – o dinheiro, o poder, os afectos humanos, a
realização profissional, o reconhecimento social, os interesses egoístas, as
ideologias, os valores da moda – que se tornam o objectivo supremo, no valor
último que condiciona os nossos comportamentos, as nossas atitudes e as nossas
opções. Com frequência, prescindimos de Deus e instalamo-nos num esquema de
orgulho e de auto-suficiência que coloca Deus e as suas propostas fora da nossa
vida. A Palavra de Deus garante-nos: esse não é um caminho que nos conduza em
direcção à vida definitiva e à liberdade plena. Neste tempo de Quaresma, somos
convidados a voltarmo-nos para Deus e a redescobrirmos o seu papel fundamental
na nossa existência… Quais são os “deuses” que nos seduzem mais e que
condicionam a nossa vida, as nossas tomadas de posição, as nossas opções? Que
espaço é que reservamos, na nossa vida, para o verdadeiro Deus?
Os mandamentos que dizem respeito à
nossa relação com os irmãos convidam-nos a despir esses comportamentos que geram
violência, egoísmo, agressividade, cobiça, intolerância, escravidão, indiferença
face às necessidades dos outros. Tudo aquilo que atenta contra a vida, a
dignidade, os direitos dos nossos irmãos, é algo que gera morte, sofrimento,
escravidão, para nós e para todos os que nos rodeiam e é algo que contribui para
subverter os projectos de vida e de felicidade que Deus tem para nós e para o
mundo. O que é que, nos meus gestos, nas minhas atitudes, nos meus valores, é
gerador de injustiça, de sofrimento, de exploração, de escravidão, de morte,
para mim e para todos aqueles que me rodeiam?
O que está aqui em jogo não é o
respeitar regras “religiosamente correctas”, o evitar que Deus tenha razões de
queixa contra nós, ou o fugir aos castigos divinos; mas é, antes de mais, o
construir a nossa própria felicidade. É preciso aprendermos a não ver os
“mandamentos” de Deus como propostas reaccionárias, descabidas e ultrapassadas,
inventados por uma moral obsoleta e antiquada, que apenas servem para limitar a
nossa liberdade ou para impedir a nossa autonomia; mas é preciso ver os
“mandamentos” como “sinais de trânsito” com os quais Deus, no seu amor e na sua
preocupação com a nossa realização plena, nos ajuda a percorrer os caminhos da
liberdade e da vida verdadeira.
LEITURA II – 1 Cor
1,22-25
O nosso texto
convida-nos a descobrir e a interiorizar a lógica de Deus, que é bem diferente
da lógica dos homens. Os homens sentem-se mais seguros e confortáveis diante de
líderes vencedores, que se impõem pela força e que exibem o seu poder através de
gestos espectaculares; e Deus aparece-lhes na figura de um obscuro carpinteiro
galileu, condenado pelas autoridades constituídas, abandonado por amigos e
discípulos, escarnecido pelas multidões, e morto numa cruz fora dos muros da
cidade. Os homens gostam de ser convencidos por projectos intelectualmente
brilhantes, que apresentem argumentos fortes e uma lógica inquestionável; e Deus
oferece-lhes um projecto de salvação que passa pela morte na cruz, em plena e
radical contradição com todos os esquemas mentais e toda a lógica humana. O
apóstolo Paulo sugere-nos uma conversão à lógica de Deus… É preciso que
descubramos que a salvação, a vida plena, a felicidade sem fim não está numa
lógica de poder, de autoridade, de riqueza, de importância, mas está no amor
total, no dom da vida até às últimas consequências, no serviço simples e humilde
aos irmãos.
A força e a
“sabedoria de Deus” manifestam-se na fragilidade, na pequenez, na obscuridade,
na pobreza, na humildade. Sendo assim, não nos parecem ridículas, descabidas e
pretensiosas as nossas poses de importância, de autoridade, de protagonismo, de
êxito humano?
“Nós pregamos
Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios”. Aqueles
que têm responsabilidade no anúncio do Evangelho devem anunciar a mensagem com
verdade e radicalidade, renunciando à tentação de a suavizar, de a tornar mais
“politicamente correcta”, de a tornar menos radical e interpelativa. Às vezes, o
invólucro “brilhante” com que envolvemos a Palavra torna-a mais atractiva, mas
menos questionante e, portanto, menos transformadora.
EVANGELHO – Jo
2,13-25
Como é que podemos
encontrar Deus e chegar até Ele? Como podemos perceber as propostas de Deus e
descobrir os seus caminhos? O Evangelho deste domingo responde: é olhando para
Jesus. Nas palavras e nos gestos de Jesus, Deus revela-Se aos homens e
manifesta-lhes o seu amor, oferece aos homens a vida plena, faz-Se companheiro
de caminhada dos homens e aponta-lhes caminhos de salvação. Neste tempo de
Quaresma – tempo de caminhada para a vida nova do Homem Novo – somos convidados
a olhar para Jesus e a descobrir nas suas indicações, no seu anúncio, no seu
“Evangelho” essa proposta de vida nova que Deus nos quer apresentar.
Os cristãos são
aqueles que aderiram a Cristo, que aceitaram integrar a sua comunidade, que
comeram a sua carne e beberam o seu sangue, que se identificaram com Ele.
Membros do Corpo de Cristo, os cristãos são pedras vivas desse novo Templo onde
Deus Se manifesta ao mundo e vem ao encontro dos homens para lhes oferecer a
vida e a salvação. Esta realidade supõe naturalmente, para os crentes, uma
grande responsabilidade… Os homens do nosso tempo têm de ver no rosto dos
cristãos o rosto bondoso e terno de Deus; têm de experimentar, nos gestos de
partilha, de solidariedade, de serviço, de perdão dos cristãos, a vida nova de
Deus; têm de encontrar, na preocupação dos cristãos com a justiça e com a paz, o
anúncio desse mundo novo que Deus quer oferecer a todos os homens. Talvez o
facto de Deus parecer tão ausente da vida, das preocupações e dos valores dos
homens do nosso tempo tenha a ver com o facto de os discípulos de Jesus se
demitirem da sua missão e da sua responsabilidade… O nosso testemunho pessoal é
um sinal de Deus para os irmãos que caminham ao nosso lado? A vida das nossas
comunidades dá testemunho da vida de Deus? A Igreja é essa “casa de Deus” onde
qualquer homem ou qualquer mulher pode encontrar essa proposta de libertação e
de salvação que Deus oferece a todos?
Qual é o
verdadeiro culto que Deus espera? Evidentemente, não são os ritos solenes e
pomposos, mas vazios, estéreis e balofos. O culto que Deus aprecia é uma vida
vivida na escuta das suas propostas e traduzida em gestos concretos de doação,
de entrega, de serviço simples e humilde aos irmãos. Quando somos capazes de
sair do nosso comodismo e da nossa auto-suficiência para ir ao encontro do
pobre, do marginalizado, do estrangeiro, do doente, estamos a dar a resposta
“litúrgica” adequada ao amor e à generosidade de Deus para connosco.
Ao gesto profético
de Jesus, os líderes judaicos respondem com incompreensão e arrogância.
Consideram-se os donos da verdade e os únicos intérpretes autênticos da vontade
divina. Instalados nas suas certezas e preconceitos, nem sequer admitem que a
denúncia que Jesus faz esteja correcta. A sua auto-suficiência impede-os de ver
para além dos seus projectos pessoais e de descobrir os projectos de Deus.
Trata-se de uma atitude que, mais uma vez, nos questiona… Quando nos barricamos
atrás de certezas absolutas e de atitudes intransigentes, podemos estar a fechar
o nosso coração aos desafios e à novidade de Deus.
Padre José Granja,
Reitor da Basílica dos Congregados – Braga. |