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PONTOS DE REFLEXÃO
PRIMEIRA LEITURA
Gn
2.7-9; 3,1-7
O Génesis é
o livro das origens: do mundo, do Homem, de Israel. O autor aqui
representa Deus que realiza acções humanas plasmando o homem, como um
oleiro que modela o barro, e acendendo nele a vida, como quem sopra para
atear o fogo (2,7). O homem tem à sua disposição um magnífico jardim
(2,8-9), mas deixa-se induzir a comer precisamente o único fruto
proibido, cedendo às sugestões da serpente e da sua própria presunção.
Daí deriva a descoberta - e o medo - da nudez como nulidade sem defesa
(3,1-7).
No seu
estilo «ingénuo», o texto apresenta-nos um Deus muito próximo, que se
inclina sobre o pó para dele tirar o Homem e animá-lo com o espírito de
vida, fazendo assim dele um «ser vivo» (2,7). «Adão» não é um nome
próprio, mas sim a designação do «ser humano» em geral, ou «humanidade».
A este
«Adão» original confia Deus a Criação, colocando-a sob a sua
responsabilidade (2,8). Mas o homem deve estar consciente do seu limite
de criatura: a «ciência do bem e do mal» (cf. 3,5b), ou seja, a
totalidade do saber e do poder, pertence somente a Deus. A serpente,
criatura portadora da sugestão malévola, insinua a dúvida de que o
limite seja mal, e que deva ser violado para que o homem «seja como
Deus» (cf. 3,5a).
Com o
pecado, o homem afirma-se deus de si mesmo, mas as consequências são
trágicas: quebrando a harmonia que o liga a Deus, perde a paz consigo
mesmo e descobre que está «despido» (3,7), indefeso, à mercê de qualquer
agressão.
SEGUNDA
LEITURA
Rm
5,12-19 [forma breve: 5,12.17-19]
Na sua
difícil Carta aos Romanos, Paulo pretende expor os fundamentos da fé
cristã, em particular o princípio da justificação por meio da fé, ou
seja, da adesão a Cristo, que ele contrapõe não às obras de caridade,
mas à observância da lei de Moisés. Não é das obras da Lei que vem a
salvação, mas de Cristo. O Adão originário é prefiguração do novo Adão,
Cristo: se em Adão a Humanidade pereceu, em Cristo a vida superabunda
para todos.
O pecado de
Adão introduziu a morte no mundo e atingiu toda a Humanidade (cf. v.
12). Ainda antes que jhwh
desse a Lei a Moisés, e que nela as culpas fossem evidenciadas e
imputadas aos transgressores, a morte reinava sobre os homens (w.
13-14).
A Lei
serviu para mostrar os pecados a evitar e as obras a cumprir, mas não
pode dar a força de evitar aqueles e a realizar as outras. A Lei de
Moisés não dá a graça que salva: a graça é dada somente por Cristo
Jesus.
Mas «o dom
gratuito não é como a falta» (v. 15): o dom da graça que nos vem de
Jesus ultrapassa infinitamente a condição originária. A Humanidade
pecadora, caída no primeiro Adão, presa da morte, com muito maior
superabundância em relação aos muitos pecados, recebe agora em Cristo
graça, salvação e vida (cf. w. 16-18). Contraposta à desobediência do
velho Adão, a obediência perfeita do novo Adão, que é Cristo,
reconstitui a justiça do homem, isto é, a harmonia com Deus perdida com
a culpa (v. 19).
EVANGELHO
Mt 4,1-11
Jesus é
conduzido pelo Espírito ao deserto por um período de intensa oração e
jejum (w 1-2), e é nesta situação de fragilidade humana que O surpreende
o tentador. A tentação a que Jesus é exposto é de carácter
essencialmente messiânico: realizar fáceis prodígios que satisfaçam as
necessidades materiais (w. 3-4), chamem a atenção (w. 5-6) e exaltem a
vontade de possuir (w. 8-9). O Filho de Deus rejeita o messianismo
triunfal e espectacular, numa opção radical de escuta e de obediência
(w. 4.7.10).
Se a
tentação dos nossos primeiros pais era situada num jardim luxuriante,
que sustentava o homem com as suas dádivas, o episódio de que Jesus é
protagonista é situado no deserto, onde falta tudo e onde é mais difícil
manter-se firme na confiança em Deus.
No deserto
árido, Jesus apela somente à força da Palavra. Também o Diabo conhece a
Escritura, e cita-a habilmente, distorcendo-a para os seus fins (cf. v.
6). O Mestre restitui à Palavra de Deus o primado e o sentido autêntico
de alimento para a vida, sustento no caminho, radicalidade no serviço.
Brilha rí Ele o homem novo, vértice da Criação, que não cai presa da
soberba humana, e é por isso servido não com o fruto do orgulho próprio,
mas com a amorosa presença dos «anjos», enviados pelo Pai (cf.v. 11).
Em Jesus
recompõe-se assim a antiga harmonia cósmica perturbada pelo pecado. O
Espírito, que conduz ao deserto (cf. v. 1), coloca o «novo Adão» à prova
para que sejam restituídas ao «velho Adão» a sua nobreza e a vida.
Na
experiência
de cada um de nós a tentação faz-se sentir, o
pecado está presente,
insinua-se a sombra da morte. A primeira leitura recorda-nos de
que «pó» (Gn 2,7) somos
formados: criados
para viver no «jardim» da comunhão com Deus (cf.
Gn
2,8-9), encontramo-nos no
«deserto» de uma vida sem força e sem amor.
Cada homem
em Adão suporta este peso, cada homem é todavia
chamado a ressuscitar em Cristo, de modo que o caminho se
transforma num período baptismal, sustentado pela Palavra de Deus, em
direcção à Páscoa. Aceitando caminhar connosco no deserto, fora do
jardim da intimidade com o Pai,
Jesus desposa plenamente a condição do homem sofrendo a situação
histórica deste com todos os seus riscos e precariedades, e ao mesmo
tempo indica-nos o caminho para a vida e ampara-nos.
O episódio
evangélico é a resposta à queda dos nossos primeiros pais. A tríplice
tentação de Jesus sublinha, de facto, as linhas da tentação da antiga
serpente: como nós próprios a Moisés, e que nela as culpas fossem
evidenciadas e imputadas aos transgressores, a morte reinava sobre os
homens (w. 13-14).
A Lei
serviu para mostrar os pecados a evitar e as obras a cumprir, mas não
pode dar a força de evitar aqueles e a realizar as outras. A Lei de
Moisés não dá a graça que salva: a graça é dada somente por Cristo
Jesus.
Mas «o dom
gratuito não é como a falta» (v. 15): o dom da graça que nos vem de
Jesus ultrapassa infinitamente a condição originária. A Humanidade
pecadora, caída no primeiro Adão, presa da morte, com muito maior
superabundância em relação aos muitos pecados, recebe agora em Cristo
graça, salvação e vida (cf. w. 16-18). Contraposta à desobediência do
velho Adão, a obediência perfeita do novo Adão, que é Cristo,
reconstitui a justiça do homem, isto é, a harmonia com Deus perdida com
a culpa (v. 19).
Padre José
Granja,
Reitor da Basílica dos Congregados, Braga. |