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PONTOS DE
REFLEXÃO
LEITURA I – Act 10,34.37-43
A
ressurreição de Jesus é a consequência de uma vida gasta a “fazer o bem
e a libertar os oprimidos”. Isso significa que, sempre que alguém – na
linha de Jesus – se esforça por vencer o egoísmo, a mentira, a injustiça
e por fazer triunfar o amor, está a ressuscitar; significa que, sempre
que alguém – na linha de Jesus – se dá aos outros e manifesta, em gestos
concretos, a sua entrega aos irmãos, está a construir vida nova e plena.
A
ressurreição de Jesus significa, também, que o medo, a morte, o
sofrimento, a injustiça, deixam de ter poder sobre o homem que ama, que
se dá, que partilha a vida. Ele tem assegurada a vida plena – essa vida
que os poderes do mundo não podem destruir, atingir ou restringir. Ele
pode, assim, enfrentar o mundo com a serenidade que lhe vem da fé.
Aos
discípulos pede-se que sejam as testemunhas da ressurreição. Nós não
vimos o sepulcro vazio; mas fazemos, todos os dias, a experiência do
Senhor ressuscitado, que está vivo e que caminha ao nosso lado nos
caminhos da história. A nossa missão é testemunhar essa realidade; no
entanto, o nosso testemunho será oco e vazio se não for comprovado pelo
amor e pela doação (as marcas da vida nova de Jesus).
LEITURA II
– Col 3,1-4
O Baptismo
introduz-nos numa dinâmica de comunhão com Cristo ressuscitado. A partir
do Baptismo, Cristo passa a ser o centro e a referência fundamental à
volta da qual se constrói toda a vida do crente. Qual o lugar que Cristo
ocupa na minha vida? Tenho consciência de que o meu Baptismo significou
um compromisso com Cristo?
A
identificação com Cristo implica o assumir uma dinâmica de vida nova,
despojada do egoísmo, do orgulho, do pecado e feita doação a Deus e aos
irmãos. O cristão torna-se então, verdadeiramente, alguém que “aspira às
coisas do alto” – quer dizer, alguém que, embora vivendo nesta terra e
desfrutando as realidades deste mundo, tem como referência última os
valores de Deus. Não se pede ao crente que seja um alienado, alguém que
viva a olhar para o céu e que se demita do compromisso com o mundo e com
os irmãos; mas pede-se-lhe que não faça dos valores do mundo a sua
prioridade, a sua referência última. A minha vida tem sido uma caminhada
coerente com esta dinâmica de vida nova que começou no dia em que fui
baptizado? Esforço-me, realmente, por me despojar do “homem velho”,
egoísta e escravo do pecado, e por me revestir do “homem novo”, que se
identifica com Cristo e que vive no amor, no serviço, na doação aos
irmãos?
Paulo, a
partir do exemplo de Cristo, garante-nos que esse caminho de
despojamento do “homem velho” não é um caminho de derrota e de fracasso;
mas é um caminho de glória, no qual se manifesta a realidade da vida
eterna, da vida verdadeira.
Quando, de
alguma forma, tenho um papel activo na preparação ou na celebração do
sacramento do Baptismo, tenho consciência – e procuro passar essa
mensagem – de que o sacramento não é um acto tradicional ou social (que,
por acaso, até proporciona fotografias bonitas), mas um compromisso
sério e exigente com Cristo?
EVANGELHO
– Jo 20,1-9
Também
aqui – como em várias outras passagens do Evangelho – Pedro desempenha
um papel estranho e infeliz: é o papel de um discípulo que continua a
não sintonizar com Jesus e com a sua lógica. No entanto, não podemos ser
demasiado duros com Pedro: ele é, apenas, o paradigma de uma figura de
discípulo que conhecemos bem: o discípulo que tem dificuldade em
perceber Jesus e os seus valores, pois está habituado a funcionar de
acordo com outros valores e padrões – os valores e padrões dos homens. A
lógica humana ensina-nos que o amor partilhado até à morte, o serviço
simples e sem pretensões, a doação e a entrega da vida, só conduzem ao
fracasso e não são um caminho sólido e consistente para chegar ao êxito,
ao triunfo, à glória; da cruz, do amor radical, da doação de si, não
pode resultar realização, felicidade, vida plena, êxito profissional ou
social. Como nos situamos face a esta lógica?
O
“discípulo predilecto” de que fala o texto é o discípulo que vive em
comunhão com Jesus, que se identifica com Jesus e com os seus valores,
que interiorizou e absorveu a lógica da entrega incondicional, do dom da
vida, do amor total. Modelo do verdadeiro discípulo, ele convida-nos à
identificação com Jesus, à escuta atenta e comprometida dos valores de
Jesus, ao seguimento de Jesus. Propõe-nos uma renúncia firme a esquemas
de egoísmo, de injustiça, de orgulho, de prepotência e a realizar gestos
que sejam sinais do amor, da bondade, da misericórdia e da ternura de
Deus.
A
ressurreição de Jesus prova, precisamente, que a vida plena, a vida
total, a transfiguração total da nossa realidade finita e das nossas
capacidades limitadas, passa pelo amor que se dá, com radicalidade, até
às últimas consequências. Garante-nos que a vida gasta a amar não é
perdida nem fracassada, mas é o caminho para a vida plena e verdadeira,
para a felicidade sem fim. Temos consciência disso? É nessa direcção que
conduzimos a caminhada da nossa vida?
Pela fé,
pela esperança, pelo seguimento de Cristo e pelos sacramentos, a semente
da ressurreição (o próprio Jesus) é depositada na realidade do
homem/corpo. Revestidos de Cristo, somos nova criatura: estamos,
portanto, a ressuscitar, até atingirmos a plenitude, a maturação plena,
a vida total (quando ultrapassarmos a barreira da morte física). Aqui
começa, pois, a nova humanidade.
A figura
de Pedro pode também representar, aqui, essa velha prudência dos
responsáveis institucionais da Igreja, que os impede de ir à frente da
caminhada do Povo de Deus, de arriscar, de aceitar os desafios, de
aderir ao novo, ao desconcertante, ao incompreensível. O Evangelho de
hoje sugere que é, precisamente nesse novo, desconcertante,
incompreensível à luz da lógica humana que, tantas vezes, se revela o
mistério de Deus e se encontram ecos de ressurreição e de vida nova.
Padre José Granja,
Reitor da Basílica dos Congregados - Braga |