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PONTOS DE REFLEXÃO
PRIMEIRA LEITURA -
Act
8,5-8.14-17
É a primeira experiência de anúncio
cristão fora de Jerusalém, e começa então a actuar-se o programa da missão
universal querida pelo Ressuscitado (cf. Act
1,8). A primeira «saída» do Evangelho é causada por uma perseguição
contra a primeira comunidade cristã, e o anúncio é dirigido sobretudo a grupos
marginais (os samaritanos) através de Filipe, um dos sete diáconos (w. 5-8).
Depois da pregação de Filipe, os Apóstolos Pedro e
João vêm de Jerusalém e doam o Espírito
Santo aos novos crentes (w. 14-17). Nos versículos omitidos pela liturgia
narra-se ao invés o confronto entre cristianismo e magia; a magia subjuga, o
Evangelho liberta (cf. Act 8,9-13).
«As multidões aderiam unanimemente» (cf.
v. 6): na Samaria dá-se um acolhimento incrível da Boa Notícia trazida por
Filipe. Lucas já tinha antecipado no episódio do leproso samaritano reconhecido
(cf. Lc 17,11-19) que precisamente os mais afastados podem tornar-se os mais
próximos. Jesus tinha sofrido algumas rejeições nesta região (cf. Lc 9,52-53),
mas tinha também ensinado que há tempo para semear e tempo para colher, e não
é necessário que seja a mesma pessoa a
viver os dois momentos (cf. Jo 4,35-38). O importante é que o Evangelho, quando
chega, não traga escravidão, mas dê aquela liberdade que os «milagres»
de Filipe significam (cf. v. 6). Então
existe «muita alegria», (v. 8) Não só, mas acontece um outro milagre
evangélico: a união das antigas inimigas: Jerusalém e a Samaria. Pedro e João,
de facto, doam aos samaritanos aquilo que também os cristãos de Jerusalém
receberam: o Espírito Santo, autor da conversão e da santificação de ambos os
grupos (w. 14-17). Unidade no Espirito que por outro lado é significada pela
relação de todos os crentes com os Apóstolos.
SEGUNDA LEITURA -
IPd
3,15-18
Também acerca deste texto convém ter
presente a situação de perseguição em que se encontravam as comunidades às quais
Pedro escreve. Ele insiste na «esperança» como qualidade que distingue o
discípulo de Jesus: já na bênção inicial ele coloca a esperança antes das outras
virtudes teologais (cf. IPd 1,3).
Por isso é necessário «responder sobre a razão da esperança» (v. 15), mas é
importante também o modo com o qual se faz, pelo que a passagem da Carta enumera
uma série de virtudes concomitantes (v.
15b-17). Finalmente, o fundamento de tudo isto deve procurar-se no que
Jesus fez (v. 18).
Nem sempre é fácil para os cristãos
viver realmente aquilo que são. Surgem por vezes perturbações, interferências
que não deixam passar a beleza do Evangelho que desejariam inclusive comunicar.
O bom comportamento em Cristo pode paradoxalmente suscitar calúnias (cf. v. 16).
Quando se lê a Carta de Pedro podem
descortinar-se algumas causas prováveis das dificuldades que atormentavam a
comunidade: se Pedro, por exemplo, fala de uma comunidade que essencialmente
vive no mundo como «estrangeira e peregrina»
(IPd
2,11), é possível deduzir que isso tenha provocado incompreensões. Neste
caso, afirma o Apóstolo, o pior é colocar-se numa atitude defensiva: os
mal-entendidos só iriam aumentar. Pedro sugere uma atitude positiva, pedindo aos
seus que saibam «responder sobre a razão da sua esperança», (v. 15a) Não se
trata de defender-se, mas de tornar plausível a todos a esperança que vem da fé,
«a quem quer que seja». Quem pergunta acerca da esperança pode fazê-lo pelos
mais variados motivos: por curiosidade, para aumentar a agressividade, por real
interesse; pois bem, com todos a atitude deve
ser positiva mais do que defensiva: «Com brandura e respeito, conservando
uma boa consciência.» (w. 15b-16a) Mais que com palavras, seja o «bom
procedimento em Cristo» (v. 16b) a distinguir-se onde houver preconceitos,
mal-entendidos ou maldade.
EVANGELHO -
Jo 14,15-21
Depois do anúncio da Sua partida (cf. Jo
14,1-12: Evangelho do domingo passado), Jesus promete o Seu regresso. Ele
voltará através do Espírito (temos no v. 16 a primeira das cinco promessas do
Espírito, asseguradas por Jesus durante a Última Ceia), mas a vinda do Espírito
significará também a presença do próprio Cristo dum modo novo: não já como uma
pessoa alheia aos discípulos, mas como alguém que habita neles, numa comunhão
que torna presente a mesma união do Filho com o Pai: «Eu estou no Pai, vós em
Mim e Eu em vós.» (v. 20)
As palavras do
Evangelho devem ser entendidas tendo presente
que Jesus está ainda a responder ao pedido do Apóstolo Filipe: «Senhor,
mostra-nos o Pai.» (Jo 14,8) Jesus reage à pergunta dizendo que o Pai se deixa
ver realmente no Filho, mas oferece-Se ao homem num modo que ultrapassa a
relação visual, a qual é inadequada perante Deus: o Pai vem habitar com Jesus no
homem, o Filho torna acessível ao homem na mesma comunhão de
vida que O une ao Pai. É necessário porém
que o homem abandone a sua condição de «mundano», isto é, de fechamento a
Deus.
No modo de falar de Jesus aparecem
diversas vezes palavras como «amor» (w. 15.21), «conhecimento» (w. 17-20),
«prática dos mandamentos», (w. 15.21) Quem ama o Filho deseja conhecê-1'O, se
alguém O conhece observa os seus Mandamentos; mas é válido também o contrário:
só quem observa os Mandamentos conhece na verdade Jesus e O ama. E só amando-O é
que verdadeiramente O conheceremos. Este crescimento que é oferecido (e
ordenado) é um crescimento contínuo na comunhão com Deus, e isso acontece só na
escuta efectiva da sua Palavra.
O crente e o
mundo: podemos atribuir a estas palavras significados
múltiplos e a relação entre os dois termos pode chegar
a assumir
valores inclusivamente opostos. O evangelista João,
que também
conhece cambiantes e gradações na elaboração destes conceitos, não utiliza
meios-termos ao dizer que quer
para Jesus quer
para o crente está em actuação um «processo»
do mundo nos seus
confrontos. «Mundo» significa para João
tudo o que em geral se fecha a Deus e se
opõe à revelação do Filho.
É
na base desta elaboração que é necessário compreender a
força do termo
«Consolador» com que o evangelista indica o.
Espírito (cf. Jo 14,16.26; 15,26; 16,7).
O Evangelho
de hoje apresenta o Defensor antes de mais como
o fiel amigo e
companheiro que habita sempre com os discípulos:
«habita convosco e está em vós.» (Jo 14,17b) Define-O também «Espírito de
verdade» (v. 14a): «verdade», no Quarto
Evangelho, é sempre e somente Jesus, e
por isso o Espírito é Aquele que introduz no conhecimento pleno do Filho. É o Espírito
que faz compreender a perene actualidade da revelação
cristã, leva ao arrependimento quem está afastado, faz penetrar
na unidade de amor entre o Pai e Jesus e nela introduz os discípulos, é Ele que
move todas as coisas boas nos crentes e na Igreja.
O acolhimento da
Revelação e a sua implementação na História
não acontecem sem «batalhas», sem um «processo»:
muitas coisas (o
«mundo») opõem-se a que Jesus seja reconhecido
como a verdade de Deus e do homem. Outras «verdades»
são expostas, outras maneiras de ler a História estão
disponíveis desde
o princípio, outras perspectivas seduzem o
coração dos
crentes. O Defensor ampara por isso os crentes
na sua adesão ao
Senhor, atrai-os a Si mediante a íntima e
cada vez mais plena compreensão da
beleza da Revelação de que é portador,
purifica o coração de falsos atractivos, ampara nas provas da vida.
O Espírito leva
todos os crentes à plena maturidade, enquanto
está em cada um como água viva que faz
crescer e frutificar, que se deixa banhar por Ele. Precisamente por isso, Jesus, nas
palavras de João, é particularmente claro e
cáustico quando declara que «o mundo não pode receber o Espírito de verdade».
(Jo 14,17) O acolhimento do Espírito (de Jesus e do Pai) comporta uma
transformação interior do próprio modo de
ser e de compreender, e implica também uma separação de
tudo o que é «mundo» (que pode estar bem
presente também no coração de quem crê).
O autor da
Primeira Carta de Pedro supõe, no fundo, um clima
semelhante quando pede aos seus não somente para esperarem, mas também para
estarem prontos a «responder a
quem quer que
seja sobre a razão da sua esperança.» (Segunda
leitura:
IPd
3,15) Isto comporta uma boa conduta
mas também o conhecimento da sua fé, que no cristão de hoje não
pode deixar de ser acompanhado por um esforço de conhecimento, de
aprofundamento, de acolhimento das perguntas do homem contemporâneo.
A experiência de
Filipe na Samaria, descrita na primeira leitura, acrescenta que é
necessário guardar-se de certas polémicas
estéreis,
enquanto é eficaz a pregação do Evangelho como Boa
Notícia.
Padre José Granja
Reitor da Basílica dos Congregados, Braga. |