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PONTOS DE REFLEXÃO
LEITURA I - Act 3,13-15.17 -19
Para os cristãos, Jesus não é uma figura do passado, que a morte venceu
e que ficou sepultado no museu da história; mas é alguém que continua
vivo, sempre presente nos caminhos do mundo, oferecendo aos homens uma
proposta de vida verdadeira, plena, eterna. Para S. Lucas, o fator
decisivo para que os homens descubram que Cristo está vivo é o
testemunho dos discípulos. Jesus está vivo e apresenta-se aos homens do
nosso tempo nos gestos de amor, de partilha, de solidariedade, de
perdão, de acolhimento que os cristãos são capazes de fazer; Jesus está
vivo e atua hoje no mundo, quando os cristãos se comprometem na luta
pela paz, pela justiça, pela liberdade, pelo nascimento de um mundo mais
humano, mais fraterno, mais solidário; Jesus está vivo e continua a
realizar aqui e agora o projeto de salvação de Deus, quando os seus
cristãos oferecem aos coxos a possibilidade de avançar em direção a um
futuro de esperança, oferecem aos que vivem nas trevas a capacidade de
encontrar a luz e a verdade, oferecem aos prisioneiros a possibilidade
de ter voz e de decidir livremente o seu futuro.
A existência humana é uma busca incessante de vida - de vida eterna,
plena, verdadeira. Essa busca, contudo, nem sempre se desenrola em
caminhos fáceis e lineares. Por vezes é cumprida num caminho onde o
homem tropeça com equívocos, com falhas, com opções erradas. Aquilo que
parece ser garantia de vida gera morte; e aquilo que parece ser fracasso
e frustração é, afinal, o verdadeiro caminho para a vida. Lucas
garante-nos, neste texto, que a proposta que Jesus veio apresentar é uma
proposta geradora de vida, apesar de passar pelo aparente fracasso da
cruz. É de vida vivida na doação, na entrega, no amor total a Deus e aos
irmãos, a exemplo de Jesus, que brota a vida eterna e verdadeira para
nós e para aqueles que caminham ao nosso lado.
O apelo ao arrependimento e à conversão que aparece no discurso de Pedro
lembra-nos essa necessidade contínua de reequacionarmos as nossas
opções, de deixarmos os caminhos de egoísmo, de orgulho, de comodismo,
de autossuficiências em que, por vezes, se desenrola a nossa existência.
É preciso que, em cada instante da nossa vida, nos convertamos a Jesus e
aos seus valores, numa disponibilidade total para acolhermos os desafios
de Deus e a sua proposta de salvação.
LEITURA II - 1 Jo 2,1-5ª
A questão fundamental que o nosso texto põe é a da coerência de vida. O
cristão é uma pessoa que aceitou o convite de Deus para escolher a luz e
que tem de viver, dia a dia, de forma coerente com o compromisso que
assumiu. Não pode comprometer-se com Deus e conduzir a sua vida por
caminhos de orgulho, de autossuficiência, de indiferença face a Deus e
às suas propostas. A vida do crente não pode ser uma vida de
"meias-tintas", de comodismo, de opções volúveis, de oportunismos, mas
tem de ser uma vida consequente, comprometida, exigente.
Essa coerência de vida deve manifestar-se no reconhecimento da
debilidade e da fragilidade que fazem parte da realidade humana. O
pecado não é algo "normal", para o crente (o pecado é sempre um "não" a
Deus e às suas propostas e isso deve ser visto pelos crentes como uma
"anormalidade"); mas é uma realidade que o crente reconhece e que sabe
que está sempre presente ao longo da sua caminhada pelo mundo. Hoje,
fala-se muito da falta de consciência do pecado; a falta de consciência
do pecado cria homens insensíveis, orgulhosos e autossuficientes, que
acreditam não precisar de Deus e da sua oferta de salvação. O autor da
Carta de João convida-nos a tomar consciência da nossa realidade de
pecadores, a acolher a salvação que Deus nos oferece, a confiar em
Jesus, o "advogado" que nos entende (porque veio ao nosso encontro,
partilhou a nossa natureza, experimentou a nossa fragilidade) e que nos
defende. Reconhecer a nossa realidade pecadora não pode levar-nos ao
desespero; tem de levar-nos a abrir o coração aos dons de Deus, a
acolher humildemente a sua salvação e a caminhar com esperança ao
encontro do Deus da bondade e da misericórdia que nos ama e que nos
oferece, sem condições, a vida eterna.
A coerência que o autor da primeira Carta de João nos pede deve
manifestar-se, também, na identificação entre a fé e a vida. A nossa
religião não é uma bela teoria, separável da nossa vida concreta. É uma
mentira dizer que se ama Deus e, na vida concreta, desprezar as suas
propostas e conduzir a vida de acordo com valores que contradizem de
forma absoluta a lógica de Deus. Um crente que diz amar Deus e, no dia a
dia, cria à sua volta injustiça, conflito, opressão, sofrimento, vive na
mentira; um crente que diz “conhecer Deus” e fomenta uma lógica de
guerra, de ódio, de intransigência, de intolerância, está bem distante
de Deus; um crente que diz ter “a sua fé” e recusa o amor, a partilha, o
serviço, a comunidade, está muito longe dos caminhos onde se revela a
vida e a salvação de Deus.
EVANGELHO - Lc 24,35-48
Jesus ressuscitou verdadeiramente, ou a ressurreição é fruto da
imaginação dos discípulos? Como é possível ter a certeza da
ressurreição? Como encontrar Jesus ressuscitado? É a estas e a outras
questões semelhantes que o Evangelho deste domingo procura responder.
Com a sua catequese, Lucas diz-nos que nós, como os primeiros
discípulos, temos de percorrer o nem sempre claro caminho da fé, até
chegarmos à certeza da ressurreição. Não se chega lá através de deduções
lógicas ou através de construções de carácter intelectual; mas chega-se
ao encontro com o Senhor ressuscitado inserindo-nos nesse contexto em
que Jesus Se revela - no encontro comunitário, no diálogo com os irmãos
que partilham a mesma fé, na escuta comunitária da Palavra de Deus, no
amor partilhado em gestos de fraternidade e de serviço. É nesse
“caminho” que vamos encontrando Cristo vivo, atuante, presente na nossa
vida e na vida do mundo.
Jesus ressuscitado reentrou no mundo de Deus; mas não desapareceu da
nossa vida e não se alheou da vida da sua comunidade. Através da imagem
do "comer em conjunto" (que, para o Povo bíblico, significa estabelecer
laços estreitos, laços de comunhão, de familiaridade, de fraternidade),
Lucas garante-nos que o Ressuscitado continua a "sentar-se à mesa" com
os seus discípulos, a estabelecer laços com eles, a partilhar as suas
inquietações, anseios, dificuldades e esperanças, sempre solidário com a
sua comunidade. Podemos descobrir este Jesus ressuscitado que se senta à
mesa com os homens sempre que a comunidade se reúne à mesa da
Eucaristia, para partilhar esse pão que Jesus deixou e que nos faz tomar
consciência da nossa comunhão com Ele e com os irmãos.
Jesus lembra aos discípulos: “vós sois as testemunhas de todas estas
coisas”. Isto significa, apenas, que os cristãos devem ir contar a
todos os homens, com lindas palavras, com raciocínios lógicos e
inatacáveis que Jesus ressuscitou e está vivo? O testemunho que Cristo
nos pede passa, mais do que pelas palavras, pelos nossos gestos. Jesus
vem, hoje, ao encontro dos homens e oferece-lhes a salvação através dos
nossos gestos de acolhimento, de partilha, de serviço, de amor sem
limites. São esses gestos que testemunham, diante dos nossos irmãos, que
Cristo está vivo e que Ele continua a sua obra de libertação dos homens
e do mundo.
Na catequese que Lucas apresenta, Jesus ressuscitado confia aos
discípulos a missão de anunciar “em seu nome o arrependimento e o
perdão dos pecados a todos os povos, começando por Jerusalém”.
Continuando a obra de Jesus, a missão dos discípulos é eliminar da vida
dos homens tudo aquilo que é “o pecado” (o egoísmo, o orgulho, o ódio, a
violência e propor aos homens uma dinâmica de vida nova.
Padre José Granja,
Reitor da Basílica dos Congregados, Braga (Portugal) |