A. Veloso, Brotéria, Jan. 1947
Neste longo artigo, o Padre Agostinho Veloso sugere que a nossa
Beata não podia deixar de ser uma embusteira. Mas, por mais sensatos
argumentos que ele quisesse aduzir, não era. Mas faz bem ler isto e
depois o comentário do Dr. Dias de Azevedo. A argumentação do
artigo, que tão sólida parece, cai pela base, não resiste aos
factos. Aliás, já forma vencidas também as renitências face a Teresa
Neumann.
A
psicose do maravilhoso vem de longe. É uma tentação mais ou menos
cíclica, principalmente em tempos anormais, quando a
vida,
na palavra justa de Vauvenargues, mais se vence do que se vive. Pode
haver outras razões, mas esta é, parece-nos, uma das mais influentes
nesse curioso fenómeno, de que o nosso tempo nos tem dado
abundantíssima matéria de observação e estudo.
Só dos
últimos anos, lembram-nos os casos típicos do Barral, da Madre
Virgínia (no Funchal), e das visionárias de Lamego, da Covelhã,
da Vergada, de Pereira de Avidagos, de Balazar, do Pinheiro, de
Baião, de Oriz[1]
e, ultimamente, a de Vilar Chão. E certamente que o rol não
fica por aqui. Estes casos, porém, tornaram-se mais conhecidos, não
porque valham mais que os outros, mas porque a imprensa periódica,
tomando-os à sua conta, lhes deu, com razão ou sem ela, uma
notoriedade que, de outro modo, nunca chegariam a ter...
Mas o
pior não é isso. O pior é que, pela maior parte das vezes, a
imprensa, que destas coisas se ocupa, não é, precisamente, a mais
competente, não só no ponto de vista das responsabilidades
confessionais (pois se trata geralmente de jornalistas indiferentes,
em matéria religiosa, ou até mesmo, mais ou menos declaradamente
adversos), mas ainda sob o aspecto da preparação doutrinal, em tais
escritores naturalmente nula, ou pouco menos.
Recordemos alguns casos recentes, de jornalismo incompetente, em
coisas de mística, ainda que mais não seja, ao menos para justificar
o título a que estas considerações se subordinam. A propósito de um
livro de Jeanne Danemarie, Le mystère des stigmatisés,
referiu-se Júlio Dantas, num dos seus folhetins dominicais de O
Comércio do Porto,
a várias estigmatizadas estrangeiras, e também a algumas
portuguesas. Das estrangeiras, não vamos aqui ocupar-nos hoje.
Levar-nos-ia isso muito longe. Lembraremos, no entanto, que a
aprovação eclesiástica, dada a livros desta natureza, se confina à
doutrina neles exposta, e de modo nenhum serve de abonação
qualificativa dos fenómenos, chamados místicos, neles descritos. E
isto, quer se trate da simples aprovação episcopal, dada pelo
respectivo ordinário a qualquer livro, em que destas coisas se
trate, quer mesmo da beatificação ou canonização dos Santos, nos
quais, por ventura, tais fenómenos se tenham verificado. Assim, por
exemplo, no decreto de 29 de Novembro de 1931, no qual se proclamou
a heroicidade das virtudes de Gema Galgani, a Igreja não só se não
pronuncia sobre a natureza desses fenómenos, mas expressamente diz
que nem o faz, nem o costuma fazer: Nullo tamen per praesens
decretum (quod quidem nunquam fieri solet) prolato judicio de
praeternaturalibus Servae Dei charismatibiis
.
Quer
isto dizer que o facto de Le mystère des stigmatisés, como no
referido folhetim alega Júlio Dantas, vir «abonado pelo imprimatur
do Arcebispo de Paris», é suficiente garantia, não de que os
fenómenos místicos, lá averbados, sejam, realmente, verdadeiros, mas
de que no livro se não ensinam erros doutrinais, o que é,
evidentemente, coisa muito diversa.
*****
Depois
de aludir a alguns casos de estigmatizadas estrangeiras, faz-se, no
referido folhetim, uma alusão passageira à estigmatizada de Lamego
«uma pobre mulher de Castro Daire, Maria da Conceição, governante de
um dignitário da Sé lamecense, que apresentava, quando em estado de
êxtase, como Ana Catarina Emmerich ou Teresa Neumann, feridas
abertas no peito, na cabeça, nos pés e nas mãos». Também de
passagem, lembraremos, aqui, aos mais esquecediços, que o caso dessa
falsa estigmatizada de Lamego foi, na devida altura, definitivamente
esclarecido por Bernardo de Carvalho, em Parada do Bispo, e pelo seu
irmão e nosso saudoso amigo, P. Manuel de Carvalho, então pároco de
Sedielos. Devido à imprudente precipitação da imprensa, a coisa
alvoroçou, de facto, meio mundo. Afinal, a mistificação desfez-se,
quando as filhas de Bernardo de Carvalho descobriram, debaixo da
cama da impostora, as tesouras e as seringas, cheias de sangue,
tinta e outros ingredientes, com que ela fingia os estigmas.
Dessa
comédia, podem ver-se notícias esclarecedoras, na imprensa do tempo,
e nomeadamente nas Novidades, onde a fraude ignóbil foi
completamente desmascarada.
*****
Outro
caso, a que Júlio Dantas se refere, é mais antigo. Deu-se na segunda
metade do século XVI. A protagonista foi uma freira do convento da
Anunciada, que o terramoto destruiu, e ficava ali em baixo, onde
agora sobe o elevador da Lavra, que dá para o Campo de Santana.
Chamava-se, essa freira, Maria da Visitação. A ela se refere também
o Sr. Hugo Rocha, num espectaculoso artigo de O Século Ilustrado[4]
. E é interessante que, tanto no folhetim, como neste artigo,
a freira é dada como franciscana, coisa que ela nunca foi. Onde é
que ambos iriam desencantar a mesma inexactidão histórica? Ou — o
que parece mais certo — não terá o segundo copiado, cega e
servilmente, do primeiro?
Seja,
porém, como for, o certo e averiguado é que, sobre o assunto, um e
outro se mostraram lamentavelmente mal informados. E, partindo do
mesmo falso suposto, ambos tiveram idêntico mau gosto de arquitectar
hipóteses sinistras, sobre maquiavélicas rivalidades entre
dominicanos e franciscanos, das quais soror Maria da Visitação teria
sido a vítima inocente. Afinal, não foi nada disso. Como adiante se
verá.
O caso
da freira da Anunciada é lembrado por Júlio Dantas e Hugo Rocha,
como argumento a pari, o primeiro, a favor dos estigmas de
Catarina Emmerich e Teresa Neumann, e o segundo, para acreditar os
da senhora Amália Fontes, de Vilar Chão. Há efectivamente, entre
eles, bastante paridade, mas de sinal contrário, ao que os dois
jornalistas lhe atribuem. Vejamos o que eles dizem.
Versão J. Dantas
A mais célebre e a mais
dramática das estigma-tizadas portuguesas, porém, só
regressando ao século XVI a podemos encontrar; é soror
Maria da Visitação, a freira da Anunciada. Que se sabe dela?
O que nos diz o processo do Santo Ofício, que se encontra
nas preciosas colecções do Arquivo da Torre do Tombo.
Em 1587 espalhou-se por Lisboa a notícia de que uma
religiosa franciscana fazia profecias, operava milagres, e
apresentava nas mãos — mãos de rara beleza — os estigmas de
S. Francisco de Assis. Todo o mundo correu ao mosteiro; dos
recessos da província, da própria Espanha, vinham fidalgos e
povo ouvir e ver; o cardial Alberto, fantasma pur-purado que
governava o reino em nome de Filipe II, caiu
aos pés de soror Maria
da Visitação; o estandarte da invencível armada, não foi um
bispo, nem um arcebispo que o benzeram, — foi ela, a
freira-prodígio, trazida em procissão deslum-brante perante
o povo, extática, os cílios erguidos para o céu, as mãos
sangrando.
O convento prosperou em
graças e bens. Os domi-nicanos, porém, inimigos da Ordem
seráfica, resol-veram demolir o ídolo. A freira da Anunciada
foi acusada de impostora e arguida de pintar ela pró-pria,
com tintas e pincéis, as chagas das mãos.
A multidão, fácil de conduzir, começou a
murmu-rar contra a freira, a acusá-la de servir, com as suas
práticas sacrílegas, a ambição da família francis-cana; e, ao
passo que alguns espíritos supe-riores, como frei Luís de
Granada, acreditavam firmemen-te na estigmatização e nos
êxtases de soror Maria da Visitação, o povo apontava-a já
como simula-dora e ambiciosa política, cujo castigo se
impunha, para prestígio da Igreja e purificação da fé.
Urna junta de médicos, nomeada pelo Santo
Ofí-cio, chegou à conclusão de que se tratava realmen-te de
feridas, que sangravam. Nova junta, só de teólogos, reunida
pouco depois, reconheceu, pelo contrário, que os estigmas
eram pintados. Uma terceira junta, mista, constituída por
teólogos e por médicos, confirmou a existência de fraude,
Soror Maria da Visitação, convencida de impos-tura, foi
desterrada para um mosteiro de Abrantes, e lá se extinguiu,
na triste cela da penitência — já, ao que parece, sem
êxtases e sem estigmas — esquecida de todos aqueles que, na
passada gran-deza, a tinham venerado e adulado.
A leitura do curioso livro de Jeanne
Danemarie convenceu-me de que existem realmente
impres-sionantes pontos de contacto entre o caso da freira
da Anunciada e o de Catarina Emmerich. As mes-mas juntas, a
mesma cruel vigilância, a mesma «dúvida organizada» em volta
de uma e de ou-tra — dúvida mais dos teólogos do que dos
médicos —, e a recusa sistemática da Sagrada Con-gregação dos
Ritos quanto ao andamento do pro-cesso de beatificação da
segunda.
A fantasia de Brentano prejudicou
sensivelmente Ana Catarina. Quanto a soror Maria da
Visitação, ninguém pensou ainda, não digo já em a
beatificar, mas, ao menos, em reabilitá-la perante a
poste-ridade. Pela minha parte, confesso, entre um exa-me de
teólogos, que verificaram a simulação, e uma observação de
médicos, que a não verifica-ram, vou pelos médicos» (1).
*****
(1)
Cf. Júlio Dantas, Estigmatizadas, em Comércio do
Porto, n.º cit. Note-se que não pomos reparo no facto de
Júlio Dantas antepor, na qualificação dos estigmas», o juízo
dos médicos», ao dos teólogos. Dicuni medici,
repetia, muitas vezes S. Tomás. Como já aqui dissemos, seria
imprudência rematada não os ouvir naquilo em que a sua
competência é insubstituível. E, de facto, foi assim que
decidiram, por unanimidade, os teólogos reunidos em 1938, no
Carmelo de Avon-Fontainebleau, todos concordes em que, mesmo
em almas muito santas, e altamente favorecidas de carismas
sobrenaturais, podem coexistir, com esses carismas, factos
patológicos notáveis, a que é necessária atender.
Ora, ninguém melhor do
que o médico, para ajudar a distinguir o patológico,
do que o não é. Esta doutrina foi, já, há 4 anos, por nós
exposta, nesta revista, (Cf. A. Veloso, A Mística e a
Medicina, era Brotéria, Janeiro de 1942, págs.
82-86). No que porém, não pudemos deixar de reparar foi no
facto de Júlio Dantas, depois de ter dito que a qualificação
negativa dos estigmas fora feita por uma junta composta de
médicos e de teólogos, na qual, também os médicos
reconhe-ceram a fraude, concluir que «entre um exame de
teólogos, que verificaram a simulação, e uma observação de
médicos, que a não verificaram», vai pelos médicos. Ora a
verdade é que, também os médicos a verificaram... |
|
Versão H. Rocha
Desde há quatro
séculos, sim, porque, no século XVI corria o ano de 1587 e
Portugal gemia sob o jugo filipino, uma freira portu-guesa
patenteou, perante o assombro de quan-tos houveram
conheci-mento do milagre, idên-tico ao operado com Amá-lia da
Natividade Ro-drigues Fontes, de Vilar Chão, que a Virgem
Maria distinguiu, pouco tempo há, com idên-tico favor.
Chamava-se em religião, Maria da Visitação a religiosa que,
no tempo ao primeiro Filipe deu brado em Lisboa com os seus
pro-dígios. O Tribunal do Santo Oficio ocupou-se de soror
Maria da Visitação, a freira da Anun-ciada, e foi o processo
instaurado pela Inqui-sição e arquivado na Torre do Tombo que
trou-xe até nossos dias a revelação do esquisito mila-gre e
dos sucessos concomitantes.
No seu mosteiro de monjas da regra do «Povo-rello» de Assis,
soror Maria da Visitação (…) tocada por uma graça divina,
tornou-se, em pouco tempo, objecto de especial devoção (…).
Além dos seus dons proféticos e taumatúrgicos, bastantes
para lhe criarem, em torno da será-fica fronte, auréola de
santa, soror Maria da Visitação notabi-lizava-se pelos seus
estigmas nas mãos, os mesmos que São Francisco apre-sentava.
As alvas mãos da freira da Anunciada sangravam, quando as
divinas chagas se abriam, e o povo, particularmente
sensí-vel àquele sinal físico do martírio do Senhor no
Calvário, não se cansava de
proclamar a san-tidade
da estigmatizada. O cardial Alberto ge-nuflectiu, em franca
veneração, perante a hu-milde francis-cana que Jesus Cristo
marcara com o selo carnal dos eleitos do Céu.
A inveja, porém, que não é do foro privativo
dos simples mortais, aconselhou os monges da Ordem de São
Domingos, incompatíveis com os seus colegas da Ordem de São
Francisco, à prática de uma acção nefanda, qual foi a de
acusar de impostora a estigmatizada que tanto fizera
pros-perar o convento a que pertencia. Segundo os seus
acusadores, mais invejosos da fortuna material dos
franciscanos, do que da projecção moral dos prodígios
operados por aquela bem-fadada serva de São Francisco, soror
Maria da Visitação come-tia a mais grosseira e revoltante
das fraudes, pintando nas brancas mãos os rubentes estigmas
atribuídos a graça do Senhor. Como a calúnia é a mais eficaz
dos instrumentos de demolição, a traça dos pérfidos
contestadores não tardou a surtir o pretendido efeito. Em
breve a freira da Anun-ciada era tida e havida por embusteira
de baixa estopa e os seus prodígios eram levados à conta de
refals-ada simulação e caviloso comércio em benefício da
Ordem Seráfica, que lhe explorava o embuste. Foi então que o
Santo Ofício inter-veio, nomeando uma junta médica, que, no
relatório do seu exame, confirmou a existência de chagas
sangrentas nas mãos da religiosa incriminada. Logo, após,
uma junta religiosa, constituída por teólogos, deu os
estigmas como falsos e produzidos por pincéis e tinta. Uma
junta mista, com a participação de mé-dicos e teólogos,
formada, certamente, com o intuito de desempatar os
pareceres, deu também o fenómeno como fraudulento. Soror
Maria da Visi-tação não foi torturada nem queimada pela
Inquisição, como praticante de bruxedos e explo-radora da
credulidade do público, mas o seu sacerdócio acabou na
ignomínia do desterro. Num convento de Abrantes, onde não
voltou a cair em êxtase (…) a freira da Anun-ciada viveu o
resto dos seus dias, desprezada pelos homens e,
aparente-mente olvidada por Deus… Não é, porém, qual-quer
desses casos o móbil destas considerações. É, em especial,
de Amélia da Natividade Rodrigues Fontes, a miraculada e
estigmatizada de Vilar Chão, que pretendo tratar».
Tudo isto foi lembrado
por H. Rocha, só para nos convencer do que os estigmas da
visionária de Vilar Chão valem tanto como os da freira da
Anun-ciada. Sim. Não devem valer muito mais (1).
*****
(1) Cf. Hugo Rocha, O caso da miraculada
e estigmatizada de Vilar Chão, em O Século Ilustrado,
n.º cit., pág. 2. |
Dum e
doutro lado, como se vê, a mesma confusão histórica, de atribuir a
soror Maria da Visitação, a regra franciscana, e as mesmíssimas
fantasias, logo gratuitamente deduzidas deste equívoco fundamental.
Afinal, a freira era dominicana e foram, precisamente, os seus
irmãos de hábito quem lhe desmascarou o embuste, caindo, portanto,
pela base, a pretensa intriga de que ela teria sido vítima. E assim
se faz e se copia a História...
*****
O caso
da freira da Anunciada foi, há 4 anos, suficientemente esclarecido
na Lumen, embora de modo incidental, pelo nosso amigo e
confrade, Dr. Mário Martins, cuja preparação especializada e
aturadas investigações, sobre a história das místicos portugueses,
lhe dão, nesta matéria, autoridade muito particular.
Só é pena que, passados 3 anos, Júlio Dantas se entretivesse, ainda,
a trocar a história pela fantasia, e mais, um ano depois, Hugo Rocha
lhe viesse servilmente, repetir, não só o erro, como também as
falsas hipóteses que, sobre ele, o primeiro tinha, gratuitamente
arquitectado!
Por
outro lado, parece que, na sua descrição rocambolesca, nos querem
dar a entender que a coisa só agora foi descoberta, nos arquivos
misteriosos da Torre do Tombo, e que, até aqui, ninguém, ainda, do
estranho caso, tivera a mais insignificante notícia: «... e foi o
processo instaurado pela Inquisição e arruivado na Torre do Tombo,
que trouxe até nossos dias a revelação do esquisito milagre e dos
sucessos concomitantes». Assim explica Hugo Rocha, soturnamente, e
com os olhos impedrados de pavor, a revelação que nos faz e quási
nos mesmos termos em que, 3 anos antes, Júlio Dantas a tinha feito.
Ora, a verdade é que a história da pobre freira anda, há muito
tempo, em livros, por fora da Torre do Tombo. Menendez y Pelayo
trata-a, com bastante desenvolvimento, no tomo V da sua
Historia de los Heterodoxos
Españoles,
onde, além da exposição dos factos, nos dá também notícia de alguns
volumes que do caso tratam, pela maior parte contemporâneos da falsa
estigmatizada.
E, sem
sairmos das nossas fronteiras, temos desenvolvida e insuspeita
notícia do caso, por exemplo, na História de S. Domingos, do
nosso Fr. Luís de Sousa, que, além de irmão de hábito de soror Maria
da Visitação, é, também, contemporâneo dos acontecimentos que
refere.
Desgraçadamente, hoje, prefere-se a fantasia barata ou a leitura
enervante de romances desnacionalizadores ao estudo dos clássicos,
cuja leitura encerra apreciáveis lições, sempre tão oportunas! não
só de boa linguagem portuguesa, como também de óptimo
tradicionalismo lusíada e até, como no caso sujeito, de história
ainda por falsificar…
O caso
da freira da Anunciada, vem contado no Cap. XI, da III parte da
História de S. Domingos. Encontra-se este capítulo, no IV volume
da terceira edição (Lisboa, MDCCCLXVI), páginas 66 a 72.
Nos capítulos
antecedentes (desde o terceiro) historiara Frei Luís de
Sousa a fundação do Mosteiro da Anunciada, e a vida de
algumas religiosas que, nele, pela sua virtude, se tinham
distinguido. Agora, corno ele mesmo diz, na epígrafe, vai
tratar «de hum estranho, e calamitoso sucesso, que n'este
Mosteiro se vio em huma Religiosa». Esse sucesso é
precisamente, o da tal falsa estigmatizada, Maria da
Visitação.
Frei Luís de Sousa
preludia a narração do caso, contando outro parecido, e que
ele considera, ainda, «de maior estranheza e lás-tima». E o
caso de um monge «que por vanglória, chegou a cegar-se
tanto, que se lançou em hum poço, cuja altura era tal, que
não havia vista, que de cima enxergasse a agoa».
Foi este, o monge
Heron, e bem se pode considerar o seu caso corno «de mais
estranheza e lástima» porque, apesar de tirado do poço,
ainda vivo, não foi possível, nos três dias que, depois,
viveu, levá-lo a reconhecer o erro, morrendo, assim,
impenitente, pelo que custou muito ao Abade Pafúncio dar-lhe
sepultura eclesiástica, pois «seu voto era, que fosse
tratado n'ela, como os que por suas mãos se matão».
Frei Luís de
Sousa lamenta a impenitência do velho monge, não só pelo
perigo espiritual a que se expôs, mas também «pelo
des-crédito, que (destas coisas) resulta contra a virtude, e
virtuosos». |

Frei Luis de Sousa |
Por isso, avisa
prudentemente os filhos de S. Domingos, para que se acautelem contra
as manhas e artifícios de Satanás. Repetindo uma perícopa dos
Provérbios, diz que «debalde arma rede, quem a põe à vista das aves».
Quere
dizer: para nosso dano, o inimigo «usa de estratagemas, tempera
peçonhas: o remédio é descobrir-lhe os artifícios, e da peçonha
fazermos triaga, lembrados que mais nos rendeu aos Cristãos a
dúvida, e teima em duvidar de um Tomé, que a facilidade com que
creram as Marias». Bom conselho, infelizmente, nem sempre seguido,
como nos exemplos acima referidos de jornalistas que, desorbitando
da sua linha de competência, parece quererem censurar a Igreja, pelo
facto de ela não ter beatificado a pobre alucinada Maria da
Visitação…
Discretamente, Frei Luís de Sousa alude a alguém que, no seu tempo
opinava ser melhor «lançar terra sobre este sucesso, para que se
perdera da memória dos homens». Mas logo diz que «isso seria fazer a
vontade ao inimigo e ajudar, e favorecer suas cautelas». «O que
importa — insiste — é que saibam os Anacoretas nas covas do deserto,
que houve um Heron enganado, para que fiem só de Deus. Saibam as
freiras de S. Domingos em Portugal, e saiba-o embora o mundo todo,
que para se humilharem as muitas e boas, que nela ha, e todas
viverem acauteladas, permitiu Deus a ilusão de uma fraca, e
presuntuosa, que passou assim».
E conta
a seguir o caso. Em idade de doze anos, no ano de 1563, entrou no
mosteiro da Anunciada, em Lisboa, Maria da Visitação, assim, depois,
chamada, por ter tomado o nome do dia e festa em que vestiu o
hábito. Fez profissão, daí a cinco anos, sendo já de dezassete. Era
singela, humilde, despretensiosa, nenhum trato fora de casa,
recolhimento, silêncio, e honestidade. Tudo bom — diz o Cronista —,
mas natural somente, porque não procedia, nem tinha raiz no coração,
como depois se viu.
Qualidades naturais, libertas de um princípio superior, são sombras
de virtude. É verdade. «Porém, tanto pode a virtude até com as
sombras que (no caso da freira da Anunciada) estas a fizeram com
grande extremo amada de todo o Mosteiro». Chamavam-lhe «santa», e
ela, ingenuamente acreditava. E, vendo «que lhe rendia muito o que
nada lhe custava», lá lhe pareceu que mais ainda lhe renderia «se
ajudasse o natural com um pouco de artifício». E foi o que ela fez.
«Deixou-se a miserável vencer da tentação, começou a ajudar-se de
tudo o que entendia a fana avaliar por mais Santa: gastava muitas
horas no Coro; e porque se entendesse, que era emprego de Amor de
Deus, mostrava extraordinário fervor para os Sacramentos; e com a
frequência deles, que era muita, juntava grandes significações de
interior devoção. Assim, cresceu em tanta reputação, que não só das
freiras eram estimadas suas orações, mas é certo que entrando no
Mosteiro a infanta Dona Maria, se apartava com ela poucos anos antes
de professar, e lhe pedia Ave Marias.
Alegre, soror Maria, de ver que frutificavam suas artes, ia
acrescentando sempre alguma coisa de novo. Já caía em raptos e
êxtases, já contava revelações. Passaram anos, negociou de novo fogo
na cela e luzes no Coro, que fazia crer serem celestiais. Chegou a
mostrar a cabeça ferida, certificando que o Esposo (assim chamava
sempre a Cristo) lhe comunicara a honra e efeito de sua Coroa de
Espinhos, e era crida em tudo. Porque, além de ser fácil de enganar
com a virtude, toda a gente virtuosa (...), tinha soror Maria sobre
os mais dotes da natureza, um semblante amável, acompanhado de tal
geito e brandura, que criava nos ânimos de quem a via, respeito e
afeição. Meios que maravilhosamente acrescentavam a cegueira geral».
O que
aí fica vale como documento humano de psicologia feminina, e como
aviso a jornalistas ingénuos e principalmente a directores de almas,
algumas vezes, cúmplices, embora de boa fé, dos falsos caminhos,
onde as melhores qualidades naturais se podem perverter. Guiada por
S. Francisco de Sales, Santa Joana de Chantal, quando, na leitura da
Comunidade, aparecia qualquer narração de visões, êxtases, etc.,
mandava sempre passar adiante. Porque descresse sistematicamente
dessas coisas? Não. Mas porque sabia que nada disso é essencial à
santidade. Infelizmente, não falta hoje quem, como os dois
jornalistas referidos, pense de outra maneira, considerando, por sua
conta e risco, como beatificável, a freira da Anunciada, só pelo
facto dos estigmas, que vai-se a ver, nem verdadeiros eram. E que
fossem! A santidade não é isso…
*****
Transcrevamos, agora, o «curriculum vitae» da pobre alucinada, tal
como vem contado na História de S. Domingos, de Frei Luís de Sousa.
«Inda
não tinha catorzes anos de profissão, e já por toda a cidade e reino
era nomeada como coisa caída do Céu (...). E as freiras todas tão
enfeitiçadas com ela, que nos catorze anos de professa, e não tendo
mais que trinta e um de idade, a fizeram prioreza. Feita prelada eis
que em dia de S. Tomaz, 7 de Março de 1584, sai com nova maravilha:
publica que, na mesma noite, lhe dera o Esposo suas santíssimas
Chagas. Mostra as mãos e, nelas, os sinais. Como tinha tão fundada
sua reputação, não só foi crida, mas recebido o caso com universal
alegria e veneração. Chegou a El-Rei, e passou ao Papa, correu por
toda a Cristandade. Acudiam de toda a parte (...) ofertas grossas e
muitas, que enriqueciam a casa, e a prioreza, rindo-se ela, zombando
e triunfando Satanás».
«Neste
caso (...) mostraram as Religiosas (...) o zelo que sempre houve da
Religião verdadeira e honra de Deus (...). Começaram a fazer
escrúpulo do que viam, obrigadas de sua consciência e reverência a
Deus, e respeito da mesma soror Maria, que muito amavam. Passaram a
considerar suas coisas profundamente, e vieram a achar nelas tais
contradições, que assentaram serem as chagas pintadas e, pelo
conseguinte, tudo o que mais se dizia, falso e fingido».
«Deram
conta, com todo o segredo, aos Prelados maiores, propuzeram razões
bem fundadas, apontaram circunstâncias, de que resultava manifesto
engano, e mui achado na matéria. Mas tal posse tinha tomado dos
corações de todos ou a piedade cristã, ou o crédito de soror Maria,
ou a cegueira que Deus permitia que durasse, que não só não foram
ouvidas, mas rendeu-lhes seu zelo um grande merecimento do Céu.
Porque, desde esse dia, até que o negócio se aclarou, foram
maltratadas e perseguidas».
Frei
Luís de Sousa detém-se aqui a pensar na cegueira incrível com que
certa gente se deixa enganar, engano nem sempre fundamentado na
intensidade do sentimento religioso, pois não se vê como, no caso
dos jornalistas apontados, se possa dar a piedade cristã, como
motivo de tão descabelado fanatismo. O cronista chega a dizer que
«se entre cristãos se dera lugar a fado, bem pudéramos chamar
fatal um engano tão crasso em si, e de tanta dura. Tão
crasso, que uma leve e breve ensaboadura o podia tirar a limpo, como
enfim veio a ser; e tão durável, que prevaleceu mais de quatro anos,
entre gente de valor, sábia e amiga de Deus e da verdade».
Admira-se o cronista, e o caso não é para menos. Num livro, sobre as
fraudes do espiritismo, o P.e Herédia resolve a coisa, pelo que ele
chama «a psicologia da decepção», ou seja, o fenómeno psíquico, pelo
qual certa gente, aliás tida e havida por intelectual, se mostra,
afinal, escandalosamente predisposta, ou a perceber o que não
existe, ou a não perceber o que realmente existe». Tal foi o caso,
por exemplo, de Wlliam Crookes, que, depois de, a força de talento,
dedicação e estudo, ter conquistado, no mundo científico, merecido
renome, se deixou finalmente iludir pelos bufarinheiros do
espiritismo, dos quais veio a ser um dos mais renitentes e
impenitentes sequazes.
Júlio Dantas, cuja maneira de ser e responsabilidades intelectuais
parece que o deviam imunizar contra estas manifestações de
misticismo avariado, não o vimos nós a lidar armas pelos falsos
estigmas da freira da Anunciada, e a preferir o parecer dos médicos
ao dos teólogos, esquecido de que, segundos antes, dissera, com
todas as letras, que a última junta a decidir o caso fora,
precisamente, composta de médicos e de teólogos? Mas o melhor é
continuarmos a ouvir o que sobre o «estranho e calamitoso sucesso»
nos diz ainda Frei Luís de Sousa.
«Parece, explica ele, que tudo estava conjurado em favor da
cegueira». De facto, chegou nessa altura a Portugal, como Vigário
Geral, o Padre Mestre Frei Alberto Agayo, que «era homem de peito» e
julgava-se que decidiria a coisa de vez. Afinal, «veio soror Maria à
grade da Comunhão e tanto soube dizer, que o Vigario Geral tendo
prestes todo o necessário para o lavatório, a deixou e se foi do
Mosteiro, e de Lisboa, sem fazer nada».
Era
isto já por Outubro de 1587. Então soror Maria saiu-se com uma
habilidade eminentemente feminina. Como, no convento de S. Domingos,
vivesse Frei Luís de Granada, decrépito, cego, e já com 83 anos de
idade, a freira mandou-o chamar, para que «quizesse ele fazer a
experiência, que o Vigário Geral não fizera». Bem sabia ela que, em
tais condições, o velho seria fácil de enganar e que, tendo o bom do
fradinho merecida fama de Santo, o seu parecer havia de pesar na
opinião pública, e ajudar a desfazer as suspeitas, cada vez mais
generalizadas. Como de facto. «Juntou-se sua virtude grande com a
que cuidava que havia em soror Maria. E, com as dores que ela soube
contrafazer incomportáveis, de maneira fez o exame que, para com
gente de entendimento, não fez nada; e, para com o povo, ficou soror
Maria mais acreditada».
Veio
depois o Geral da Ordem, Xisto Fabri, e também desta vez, «começando
o lavatório, acolheu-se soror Maria às armas mulheris. Correram rios
de lágrimas, palavras, e geitos significadores de dores imensas e
tais, que, sendo falsas, quebraram o coração ao bom Padre com dor
verdadeira (...). E, parecendo-lhe que fazia ofício de tirano,
contra uma donzela inocente e santa (...), tornou-se para Roma,
deixando-a cheia de favores e honras, e carregadas de novos
preceitos e penas as procuradoras da verdade. Assim ficou vitoriosa
a mentira, e autorizado de novo, o engano».
No ano
seguinte (1588), o Inquisidor Geral e Governador do Reino,
Arquiduque e Cardeal Alberto, cometeu a averiguação, não já a
particulares, mas ao Tribunal. Durante trinta dias, os Inquisidores
ouviram testemunhas, e fizeram diligências várias. «Foi a última — refere
Frei Luís de Sousa — um pouco de sabão, que brevemente fez
desaparecer tinta e vernizes, ficando as mãos lizas e sem outra cor
nem sinal».
Desmascarada a freira, confessou tudo, coisa que, — diz com ironia o
Cronista — «já não era necessária».
Júlio
Dantas e Hugo Rocha dão-nos a entender que ela foi sofrer, no
desterro, penitências horripilantes. Não é verdade. Claro está que a
coisa exigia alguma reparação social. Mas, como informa, ainda, Frei
Luís de Sousa, as penas foram «todas leves, porque se não achou no
caso mais pecado, que fingimento humano». A maior foi a
transferência para o Mosteiro de Abrantes, onde, longe das
testemunhas da sua mistificação ridícula, mais facilmente poderia
refazer um ajuizado programa de vida espiritual.
E, se esta foi «a maior pena», justo será reconhecer que o desterro
não foi assim tão duro nem tão atribulado, como os citados
jornalistas ingenuamente pretendem. Conhecemos muito bem a linda
cidade de Abrantes, e confessamos que, de modo nenhum nos
desagradaria se, um dia, a Providência dispusesse que nos
«desterrassem» para lá...
Frei
Luís de Sousa remata o capítulo, dizendo ter-lhe custado «grande dor
e mágua» a narração deste sucesso. Fê-lo, porém, por amor à verdade,
e em virtude das rigorosas leis do ofício de Cronista, «que, para
sermos cridos nos bens e felicidades, é forçado não calar os males e
desventuras». Tal é a boa doutrina.
*****
E a
isto se reduz o caso da freira da Anunciada. Terão mais valor os
outros dois, a que Júlio Dantas fundamentado no livro de
Jeanne
Danemarie, se refere? Parece que não. De Ana Catarina Emmerich,
pouco mais se sabe, do que o que dela nos dizem Clemente Brentano e
o seu cunhado Goerres, casado com Isabel Brentano, a «Sibila do
Romantismo», como no seu tempo a chamavam, e cuja imaginação
exaltadíssima a manteve, apesar de casada, em «ideal noivado» com
Goethe, e lhe inspirou o seu estranho e delirante livro Goethes
Brieftwechsel mit einem Kinde. Conhecedor dos Evangelhos
apócrifos, não terá Clemente Brentano, exaltado como a irmã e o
cunhado, e ajudado por eles, fantasiado as revelações, que atribui a
Catarina Emmerich? Há razões para suspeitar que sim. Catarina era
completamente anal-fabeta. Não há, portanto, da sua mão, uma única
letra. Conhecido «o temperamento extravagante e fantasista dos três,
parece que a mais elementar prudência aconselha, pelo menos, uma
reserva in-teligente, na apreciação das estranhas revelações, por
eles atribuídas a Catarina Emmerich.
Quanto
a Teresa Neumaun, achamos cedo, para se poder formular um juízo
definitivo. Os testemunhos de pessoas, inquestionavel-mente
sinceras, e igualmente autorizadas, tanto sob o ponto de vista
teológico, como científico, estão longe de serem concordes, o que
prova, pelo menos, que o caso não é, assim, tão simples, nem tão
claro, como cena gente cuida.
Sobre
este caso, ouvimos, longamente o P. Paulo Siwek, então pro-fessor de
Psicologia na Universidade Gregoriana, e que tinha ido a
Konnersreuth, em missão oficial, estudar pessoalmente o caso. Ora,
as conclusões a que chegou foram bastante desfavoráveis à
sobrenaturalidade dos factos. E, por informação do nosso amigo, P.
Diogo Crespo, O. F. M., sabemos que, tendo lá ido, igualmente, em
missão oficial, o seu ilustre confrade, P. Agostinho Gemelli, doublé
de médico e de teólogo, regressou também pouco inclinado a admitir
essa sobrenaturalidade.
Não
sabemos se estes juízos virão, um dia, a ser corrigidos. Em todo o
caso, e para já, parece-nos mais prudente esperar. Abstenhamo-nos,
portanto, até mais completos estudos, ou mais seguras informações,
de qualquer decisão peremptória.
Demos tempo ao tempo, e não nos adiantemos, incompetentemente, ao
veredicto definitivo da Ciência e da Igreja, que, em coisas de tanta
transcendência, de modo nenhum pode ser substituído pelas notícias
que, de quando em quando, espalham pelo mundo agências
irresponsáveis, e que, do assunto percebem tanto, como certos
jornalistas, muito nossos conhecidos…
Cf. Mário Martins, S. João da Cruz “espiritualidade
portuguesa”, em Lumen, Dezembro de 1942, págs.
696-697.
Cf. Menendez y Pelayo, Historia de los Heterodoxos
Españoles, Madrid, 1928, págs, 222-224.
Menendez j Pelado diz mais. A fama da freira da Anunciada
correu mundo. Havia, então, tanto em Portugal, como lá fora,
quem tivesse, em grande veneração, relíquias suas e quadros,
em que ela era figurada. Em 1586, publicava-se em Paris um
livro sensacional, sobre «Os grandes milagres e
santíssimas chagas que a veneranda Madre Prioreza recebeu
este ano de 1586, na cidade de Lisboa, no reino de Portugal,
da Ordem dos frades pregadores, aprovados pelo reverendo
frei Luís de Granada e outras pessoas dignas de f é...»
Em Paris, na Tipografia de João Besant, 1586. Menendez y
Pelayo cita ainda outros livros, em que a mistificação é
combatida ou metida a ridículo. Cfr,
Historia de los Heterodoxos,
Madrid, 1928, pág. 222, nota.
Depois de o caso se esclarecer, Frei Luís de Granada, ficou
muito pesaroso pelo facto de, por causa da sua ingenuidade,
outros terem sido também enganados. E fez quanto pôde, por
palavra e por escrito, para os desiludir. Mais, apesar de
alquebrado pela doença e pela idade, ainda procurou num
sermão, neutralizar o escândalo. Esse sermão foi publicado
em 1588, poucos meses antes da sua morte.
Quem, no caso da freira da Anunciada, se não deixou iludir,
foi S. João da Cruz, que, nessa altura, tinha vindo a
Portugal. E é interessante que esta exemplar prudência foi,
depois, elogiosamente invocada, no processo da sua
beatificação, a seguir transcrito, na parte que ao caso se
refere.
«Preguntado por la pregunta veinte, del
dicho interrogatorio, que le fue leída, dijo: que sabe este
testigo que el venerable padre Juan de la Cruz tuvo don
conocido de profecía, manifestado en muchas ocasiones, y
especialmente en una en que, celebrando Capítulo general, en
la ciudad de Lisboa, y procurando todos los demás padres del
Capítulo ver a una monja que entonces tenia gran fama y
opinión de santa, de quien se decía tener llagas como San
Francisco, siendo así que estaban engañados con ella machos
varones insignes, creyendo ser verdadera su santidad, entre
los cuales era uno el reverendo padre fray Luís de Granada,
su confesor, y con el casi todos cuantos la trataban y
veían, estando, pues, ella en esta tan grande opinión y
aclamación de santa, y santa prodigiosa, el venerable padre
Juan de la Cruz, con el espíritu de profecía y don de
conocer espíritus, que el Señor le había dado, conoció que
todo aquello era embuste y embeleco; e así jamás quiso verla
y hacer caso de sus llagas, aunque se lo persuadieron todos
los religiosos graves del Capítulo, en cuja compañía estaba;
antes bien, dijo que luego descubriría Dios aquel embuste. Y
a un religioso, compañero suyo, llamado fray Bartolomé de
San Basilio, que traía a la vuelta algunas cosas de la dicha
monja, como reliquias, se las mando arrojar en el camino,
dando siempre a entender que aquella santidad era fingida; y
así se descubrió presto, como lo había dicho el venerable
Padre». (Procesos de beatificación y canonización,
apud P. Silvério de Santa Teresa, C. D., Obras de San
Juan de la Cruz, Burgos, 1931, Tomo V, págs.
422-423. Este documento vale bem por um
tratado de prudência mística. Houve sempre quem confundisse,
ingénua ou sornamente, crendice fácil, com devoção
verdadeira. Como se vê, S. João da Cruz não era assim…
NOTA do
Webmaster : A causa de beatificação e canonização da
Madre Virgínia da Paixão (do Funchal, de que fala acima o
Padre Agostinho Veloso) foi introduzida em Roma, depois de ter obtido
o “Nada obsta” da Conferência Episcopal Portuguesa.
Quanto à Ana
Catarina Emmerich, ela é agora Beata et o caso da Teresa
Neumann está à seguir muito regularmente em Roma.
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