COMENTÁRIO A UMA OPINIÃO
Dr.
Dias de Azevedo
Como
se verifica no decorrer do artigo, ele comenta uma afirmação dum
escrito do Padre Agostinho Veloso saído na
Brotéria em Janeiro de 1947. Se este jesuíta se
servia da revista como tribuna para, mesmo que indirectamente,
atacar o Padre Mariano Pinho e a Alexandirna, o Dr. Azevedo
responde-lhe num jornal que então era um conceituado diário de
circulação nacional, O Comércio do Porto; o «comentário» saiu
em 24 de Fevereiro, na primeira página, concluindo-se numa interior.
Do Sr.
Dr. Manuel Augusto Dias de Azevedo, médico, de Ribeirão, Minho,
recebemos, com pedido de publicação, as seguintes considerações
acerca dum artigo publicado numa revista de Lisboa em que é
especialmente criticado um dos nossos mais distintos colaboradores:
Ribeirão, 13 de Fevereiro de 1947.
O
jesuíta Sr. Padre Agostinho Veloso deveria estar dispensado de
escrever, precipitadamente, na revista de responsabilidade que é a «Brotéria».
Essa determinação exigem-na os invioláveis direitos da verdade
ultrajada e ainda o respeito que, justamente, é devido a vários
colegas e irmãos de S. Rev.a e muitas pessoas de reputação
respeitável.
Por
hoje, consideramos, simplesmente, algumas razões. No lastimável
artigo «Mística e Jornalismo», publicado no número de
Janeiro
último, na «Brotéria», referente a um folhetim de «O Comércio do
Porto», do Sr. Dr. Júlio Dantas, o jesuíta Sr. Padre A. Veloso, com
um conhecimento neuro-psiquiátrico que ignoramos onde fora
adquirido, mas uma conhecida falta de justiça e de caridade, já, há
tempos, por vários constatada, esquecendo-se S. Rev.a de que, por
vezes, não basta, levianamente, afirmar, mas é preciso,
cientificamente, provar, chama visionária, no sentido pejorativo da
palavra, a uma doente extraordinária de Balasar, difamando,
consequentemente, essa doente, vários padres, alguns da Companhia de
Jesus e outros de outras ordens, e tendo alguns competências em
ascética e mística, e ainda os médicos que, actualmente e com
admiração, andam a estudar essa doente, bem como os médicos que, há
anos, a estudaram, sendo alguns distintos professores duma Faculdade
de Medicina, que indubitavelmente, mereciam a S. Rev.a alguma
consideração, pois, nestes assuntos, para distinguir o patológico
daquilo que o não é, os médicos devem ser ouvidos, como escreveu S.
Tomás e S. Rev.a aconselha, esquecendo, na prática, o conselho
próprio. Esta doente, a quem o Mons. Vilar chamava a sua «mais fiel
colaboradora na terra», mielítica há duas dezenas de anos, apresenta
vários fenómenos extraordinários, que os médicos não podem
classificar de patológicos e que, segundo um relatório apresentado a
quem de direito, deveriam ser estudados por autoridades em ascética
e mística.
Deixamos, porém, todos esses fenómenos místicos, para considerar ou
referir, simplesmente, um fenómeno bioquímico e fisiológico em que
os médicos, segundo o bom-senso, devem ser ouvidos. Essa doente, de
quarenta e um anos de idade, de vida intelectual e afectiva
intensas, de faculdades e sentidos normais, sem os menores sintomas
de histeria ou qualquer outra neuropsicose, passando dias e noites
sem dormir ou dormindo pouco, conservando invariavelmente ou com
pequena variação, o mesmo peso, de tensões arteriais normais,
sustentando conversas inteligentes sem o menor deslize moral,
durante horas e na mesma posição, apresentando também, o seu sangue
normal nos seus elementos constitutivos ou de desassimilação, não
somente vivendo, numa casa de saúde, quarenta dias completos e
consecutivos, sob vigilância, de dia e d e noite, feita por pessoas
competentes e dirigidas por um competentíssimo médico
neuropsiquiatra, numa abstinência absoluta de alimentos sólidos e
líquidos, incluindo a simples água, mas também vivendo, desde Março
de 1942, isto é, há cinco anos, numa abstinência absoluta de
substâncias alimentares, simplesmente bebendo, um ou outro dia, por
imposição clínica, uma ou outra colherinha de água simples, com o
fim de diminuir a secura que em sua boca, por vezes, sente, tendo,
mensalmente, durante uns dias, verdadeiras menorragias, constitui um
facto verdadeiramente extraordinário, que a ciência não pode,
satisfatoriamente, explicar, não podendo essa doente ser comparada
com qualquer histérica ou visionária, a não ser insensatamente.
Tudo
isto foi dito e redito em relatórios, entregues à autoridade
competente e ao provincial dos jesuítas. Não se tratando de nenhuma
criatura pejorativamente anormal ou diminuída mental e havendo duas
correntes, no público e na Companhia de Jesus, que, neste caso,
divergiam e se menosprezavam, com escândalo dos fiéis, pediu-se, por
vezes, que fosse estudado este caso extraordinário, para que ficasse
devidamente esclarecido, pois o descuido no seu estudo seria
censurado pelos vindouros. Estes diriam que tinha havido
incompetência na solução do caso, quer ele fosse extraordinário,
quer fosse uma mistificação. Se fosse dado como extraordinário,
seria um pelourinho para muitos, por o não terem cercado de
vigilância, respeito e direcção, de que era digno, fazendo calar
difamações. Se fraudulento, todos diriam que se não pôs termo àquilo
que, para glória de Deus e bem das almas, o devia ser. Por escrito e
pessoalmente, argumentou-se assim várias vezes e dizia que
continuaria o meu silêncio, excepto quanto uma qualquer revista de
responsabilidade, incompetentemente, o ventilasse.
Sabíamos que os jesuítas estavam proibidos de falar neste assunto,
mas também sabíamos que, se alguns respeitavam essa proibição,
outros não faziam caso dela. Eram sintomas de que lavrava a
desobediência, onde menos era lícito esperá-la. Quero declarar que,
todas as vezes que me chegava às mãos a «Brotéria», a minha primeira
curiosidade era ver a epígrafe do assunto que escrevia o Sr. Padre
A. Veloso. Tinha para isso as minhas razões. Ao ver, agora, que o
jesuíta Sr. Padre A. Veloso classificava de visionária, em sentido
pejorativo, uma doente que o não é e a quem nunca viu, não
tendo a menor consideração pela reputação dela, nem pela reputação
dos médicos que a estudaram, nem ainda pela dos seus colegas na
Companhia, que de S. Rev.a, plenamente, discordam, como médico
assistente dessa doente, tenho de dizer ao Sr. Padre A. Veloso:
procure relembrar as palavras de Gamaliel ao Sinédrio, quando dizia:
«Aconselho-vos a que não vos metais com estes homens e que os
deixeis, porque, se esta ideia ou esta obra vêm dos homens, ela
mesma se desfará, mas, se vem de Deus, não a podereis desfazer:
assim, não correreis o risco de fazer oposição ao próprio Deus».
Tenho dito; ou, então, se assim o quiserem, somente tenho
principiado. |