Conheço poucos dados sobre o Padre
Leopoldino. Foi certamente um orador de nomeada
e
praticou algum jornalismo, designadamente escrevendo sobre a Alexandrina e
algumas efemérides poveiras.
Perante a Alexandrina, teve, pelos vistos, um
comportamento bastante legalista. Na Casa do Calvário, nunca terá passado duma
pessoa respeitada, sem chegar a ser um amigo ou confidente. Em sentido estrito,
nunca a dirigiu nem foi seu confessor.
Aquando da comissão nomeada pelo Arcebispo,
não se colocou do lado da sua paroquiana; pelo contrário «foi o mais severo e o
mais influente na decisão» tão gravosa que então se tomou (Dr. Azevedo).
A sua posição há de ter-se modificado nos
derradeiros anos da vida da Alexandrina, como aconteceu com muitos dos seus mais
obstinados adversários e como se revela nos escritos, ainda assim escassos, que
o Padre Leopoldino lhe dedicou.
Deixou a paróquia em Outubro de 1956, um ano
após Alexandrina ter «voado para o Céu».
Em 1958 (vol. I, n.º 2) e 1959 (vol. II, n.º
1), publicou no Boletim Municipal da Póvoa de Varzim um longo artigo sobre
Balasar, onde, de passagem, também evoca a sua antiga ilustre paroquiana.
Hoje vou transcrever um In memoriam
que ele fez sair em 22/10/1955, no «Ala Arriba», semana e pouco após a sua morte
da Alexandrina, quando todos dela guardavam viva memória mas ainda não havia
livros que lhe fixassem a biografia :
Na freguesia de Balasar deste concelho
baixou à paz do túmulo Alexandrina Maria da Costa “Vicente”, tão conhecida, pelo
menos de nome, em quase todo o País.
Nasceu a 30 de Março de 1904 e faleceu a
13 de Outubro de 1955, isto é, nasceu no ano de Nossa Senhora (ano do 50.º
aniversário da definição dogmática da Imaculada Conceição) e faleceu no dia da
mesma Senhora, no dia último das suas aparições aos pastorinhos de Fátima.
Recebeu a primeira Comunhão na Igreja
Matriz de Nossa Senhora da Conceição da Póvoa de Varzim e recebeu os últimos
Sacramentos administrados por um sacerdote poveiro, o seu pároco.
Diz-se de Nosso Senhor no seu Evangelho
que passou a vida fazendo bem; da saudosa Alexandrina também se pode garantir
que passou a sua vida espalhando benefícios.
De todos os donativos que alguns
visitantes lhe deixavam espontaneamente, nada queria para si, distribuía-os
pelas igrejas e pelos necessitados e pelas Missões.
É conhecida a história da sua vida; era
uma humilde pastorinha do campo quando, qual outra Goretti, perseguida para fins
criminosos, não encontrou outro meio de escapar do crime do que lançar-se de uma
janela ao quintal, o que lhe ocasionou uma doença que a prendeu ao leito da dor
perto de 40 anos e sofrendo com a maior resignação.
Era uma alma de Deus toda entregue ao
sacrifício pela conversão dos pecadores, salvação dos moribundos e alívio das
almas do Purgatório.
O segredo da sua resignação cristã estava
na Vida Eucarística, pois que recebia diariamente o Pão dos Anjos com fervor
edificante e piedade singular.
A Sagrada Comunhão já há bastantes anos
era a sua única comida, porque não tomava alimento algum. Nas últimas horas de
sua vida, já mais do Céu que da terra, quando a sua família chorava e soluçava,
assegurava-lhes: «Não chorem, que eu vou para o Céu.»
Sim, Alexandrina contava ir para o Céu,
mas como os desígnios de Deus são insondáveis, é bom sufragá-la para lhe
apressar o seu triunfo, se carecer de se purificar.
O seu funeral, a que assistiram cerca de
40 sacerdotes – e mais viriam se soubessem ou pudessem – foi um triunfo, uma
apoteose. O seu cadáver, inumado por entre lágrimas e suspiros na terra fria,
tem ainda a visita de muitos admiradores. É uma romagem constante para sua
sepultura, uns a chorar outros a suplicar graças à Sacrificada que já não vêem
mas que acreditam estar no Céu.
Aqui deixamos estas linhas à memória
daquela que foi modelo da vida cristã.
Uma
carta
No Arquivo de Balasar, encontra-se uma carta
do Padre Leopoldino Mateus que vamos agora ler. É certamente dirigida ao Padre
Humberto e enquadra-se no contexto das decisões tomadas após o exame da comissão
de teólogos. Escreveu ele :
Balasar, 15/3/1945.
Rev.mo Senhor,
Saudações em Jesus Cristo.
Em resposta à sua carta, venho informá-lo
que por ordem superior V. Rev.cia não pode exercer qualquer função sagrada na
minha igreja e freguesia sem apresentar documento que prove ter jurisdição nesta
Arquidiocese. Manda quem pode… obedece quem deve…
Uma comissão de teólogos, estudando o caso
da Alexandrina, nada lhe encontrou de sobrenatural; por isso devem acabar as
visitas dos padres e leigos, para fazer silêncio sobre a mesma.
Se a doente sofre, e creio isso, lá tem o
seu Director Espiritual (que não sou eu) para a confortar e animar no
sacrifício.
Não devemos meter a nossa fouce em seara
alheia.
Agradecendo as suas atenções, subscrevo-me
seu in corde Jesu
Lepoldino Rodrigues Mateus (pároco).
Embora aluda ao sacrifício da Alexandrina, o
facto de aceitar sem qualquer crítica a decisão da comissão dos teólogos – que
também integrou – mostra como estava longe de entender o que com ela se passava.
De resto, o Padre Leopoldino mantém a
afirmação fundamental da comissão : «estudando o caso da Alexandrina, nada lhe
encontrou de sobrenatural». E a Alexandrina já entrara no jejum completo
(verificado pelos médicos) quase dois anos e meio antes, a consagração do mundo
já tinha sido feita, o período em que ela revivia a Paixão com movimentos já ia
longe…
Em meu entender, esta conclusão tem bastante
a ver com uma outra tomada a respeito da alemã Teresa Neumann cerca de 20 antes.
Dela falarei um dia.
Mais artigos do
«Ala-Arriba»
O conhecimento que hoje podemos ter da Beata
Alexandrina é diferente do que tiveram os seus contemporâneos. Hoje podemos
conhecê-la nos segredos íntimos que ela tão zelosamente queria guardar. Por
outro lado, muito nos escapa da sua pessoa. Quando o Padre Humberto diz que o
mais extraordinário que havia nela era a sua bondade, que ela «era a bondade em
pessoa», isso não podemos nós experimentá-lo.
Como quer que seja, o Padre Lepoldino Mateus,
seu pároco, que durante dezoito anos lhe levou diariamente a Eucaristia – e
sabemos o supremo lugar que a Eucaristia teve no seu percurso de santificação –,
que viveu de perto as polémicas que se geraram em seu redor, que lidou com os
seus directores espirituais, com os seus familiares, foi dela um observador
especialmente colocado. Tinha boas razões para recordar aquela que lhe pusera a
paróquia nas bocas do mundo, que ali trouxera tantos milhares de visitantes,
alguns bem ilustres; tinha razões para lhe estar grato, mesmo de um ponto de
vista inteiramente pessoal. Eis estas palavras do seu artigo de 13/10/56 no
«Ala-Arriba» :
Um dia, sentindo que as forças me iam
definhando, disse-lhe:
Alexandrina, parece-me que vou deixar-vos,
porque me não sinto com alento para o pesado ónus desta longa freguesia.
A doente calou-se, mas, volvidos alguns
dias, antes de lhe dar o Pão da Vida, ao abeirar-me do seu leito, diz-me:
“Senhor Abade, não receie perder o vigor
para deixar a freguesia; porque pedi a Nosso Senhor que eu morresse antes de V.
Rev.cia nos deixar e Ele prometeu-me que sim, e a sua palavra não falta.”
E assim sucedeu.
Os seus artigos foram muitas vezes de teor
elogioso. Elogiou a Alexandrina pela sua devoção à Eucaristia, pela sua vida de
sofrimento reparador, pela sua caridade para com os carenciados, etc. Ao
seguinte achamos um atractivo particular por fazer um aproveitamento
jornalístico-litúrgico dos seus escritos. Infelizmente, ele é só a primeira
parte de um trabalho que não chegou a ter conclusão. Data de 25/3/56.
Estamos no tempo santo em que a Igreja nos
convida a meditar nos sofrimentos de Cristo na Cruz. A Cruz é o instrumento de
suplício e o púlpito do Mestre. Nela pronunciou sete palavras e com o clamor
violento que levantou antes de exalar o último suspiro, Cristo mostrou que
morreu voluntariamente porque tinha forças para viver ainda mais tempo. Pela
mesma razão, inclinou primeiro a cabeça e só depois é que exalou o espírito.
A Cruz não é, apenas, o instrumento do
suplício – é também a cátedra do ensino de Cristo – diz Santo Agostinho. Foi o
que ele revelou à Alexandrina, num dos seus êxtases:
“- Minha filha, aqui estou com o Meu
Divino Coração aberto pelos pecadores, aberto com a maldade do Mundo. Este
coração não tem, como no Calvário, um só soldado que o abra, que lhe crave a
lança; agora são milhares de pecadores que assim Me ferem. Alexandrina, sofre,
repara por amor; é Jesus, o teu esposo, que te pede.
– Meu Jesus – responde ela – eu não sei
sofrer nem reparar e nada valem os meus sofrimentos. Tudo tenho sofrido por
Vosso amor e vejo-Vos sempre ferido. São, com certeza, as minhas maldades!
– Filha – continua Jesus – sossega. Faço
isto, mostro-me assim para te fazer compreender que o Mundo me crucifica
continuamente; mas não sou Eu que sofro, revesti-me de ti, é Cristo em ti. É o
teu coração que é aberto pela lança, é a tua cabeça que é coroada de espinhos,
são os teus pés e mãos chagados, é o teu corpo açoitado, és tu a vítima imolada,
a vítima do Rei Divino.
Criei-te para a dor, para reparares;
criei-te e fiz de ti um instrumento de salvação para as almas. Eu não sofro
senão em ti. Sou o teu Guia, prometi-te ser o teu Director, não falto.
Aproxima-se o teu Céu, a tua Pátria
divisa-se claramente.
Olha o que é o Paraíso eterno, a alma na
posse do seu Deus, embebida no Amor Divino. Que alegria ao veres a grande
multidão, milhões e milhões de pecadores que salvaste e com o teu sofrimento
levaste ao gozo eterno!”
Alexandrina e os
homens do mar
No livro do Padre Humberto que ele intitulara
Alexandrina e que foi depois rebaptizado para
Venerável
Alexandrina e agora para Beata Alexandrina, vem transcrito um artigo
do Padre Leopoldino, publicado em 14/1/56 no «Ala-Arriba», sob o título de
«Alexandrina Maria da Costa e os homens do mar». Curiosamente, a versão do livro
é bastante diferente da do jornal. Não nas ideias gerais, que são as mesmas, mas
na forma, no tratamento do estilo. A alteração não foi certamente devida
unicamente à tradução para italiano e à nova tradução para português, se é que
as coisas se passaram assim. Parece-me antes que terá resultado de acordo entre
o autor do artigo e o autor do livro. Veja-se a versão deste :
Alexandrina, na idade de seis, e Deolinda,
na de nove anos, não havendo em Balasar uma escola para meninas, foram postas na
pensão de um carpinteiro da Póvoa de Varzim. Quando as tempestades marítimas
tornam difícil o desembarque nas nossas praias, a gente do mar, com fortes
gritos, invoca os santos da sua devoção para intercederem em seu auxílio sobre
os barcos em viagem de volta da pesca.
Os gritos das mulheres e das famílias
inteiras de pescadores causam uma dolorosa e inapagável impressão sobre a
população inteira, que se dirige para a praia para assistir, demasiadas vezes, a
gravíssimas catástrofes.
A nossa Alexandrina, ainda pequena e não
habituada àqueles espectáculos, porque oriunda duma aldeia do interior, ficava
de tal modo impressionada que não resistia ao pensamento dos sofrimentos em que
andavam os homens do mar. Comovia-se com isso, como se se tratasse de pessoas de
família.
Por esse motivo quando, então prisioneira
do seu leito, era visitada pelos pescadores, sabia dizer-lhes palavras de
afecto, de conforto e de encorajamento, que dificilmente saberemos reproduzir.
Nas suas conversas, não deixava nunca de
aconselhar-lhes a devoção a Nossa Senhora (à Mãezinha, como costumava dizer),
Estrela-do-Mar, Senhora dos Navegantes e de todos aqueles que viajam por mar.
Este seu afectuoso interesse pelos homens do mar tornou-se proverbial, a ponto
de a maior parte dos pescadores de bacalhau, das praias da Póvoa até Nazaré, não
partirem nunca para os longínquos mares do Norte sem irem saudar Alexandrina e
recomendarem-se as suas orações.
Faziam a mesma coisa quando regressavam à
Pátria.
A peregrinação, então tradicional, não se
interrompeu depois da morte da Alexandrina.
Há dias, uma camioneta conduzia a Balasar
43 pessoas, as famílias dos pescadores da Gafanha de Nazaré, que vinham em
visita ao túmulo florido e iluminado da Alexandrina.
Ajoelhados sobre essa terra, rezaram em
comum o Terço. Apenas acabaram esse acto de devoção, aproximámo-nos do chefe da
comitiva, Mateus Casoilo, casado, de 44 anos, residente na Gafanha. Informou-nos
ele que, embarcado no navio «Ilhavense», carregado de bacalhau, se encontrava a
15 de Agosto perto da ilha das Flores.
Devido a um curto-circuito ocorrido a
bordo, o navio incendiou-se e toda a tripulação foi obrigada a abandonar o
barco, apinhando-se nos pequenos salva-vidas. Durante umas 13 horas estiveram em
gravíssimo perigo por causa das ondas alterosas.
Naquela tremenda emergência, ele e os
companheiros de trabalho recorreram à boa Alexandrina, como eles lhe chamavam, a
fim de que os recomendasse a Deus.
Quando menos o esperavam, apareceu,
finalmente, um navio americano que os recolheu a todos e os transportou para
Bóston, donde uma companhia de aviação os conduziu incólumes até Lisboa.
Aquela piedosa peregrinação queria ser a
acção de graças de todos os pescadores e das suas famílias à grande benfeitora.
Hermínio da Silva, também presente,
confirmou a narração do primo Mateus e acrescentou que, durante a pesca,
havendo-se encontrado em perigo no seu barco com os seus homens, invocaram a
Alexandrina e foram todos salvos.
Assim faziam também os Apóstolos quando,
no meio das ondas ameaçadoras do lago de Genesaré, invocavam o Divino Mestre, só
do qual esperavam a salvação.
Só para verificar a distância que separa os
dois textos (o do jornal e o do livro), vejam-se alguns dos períodos originais
para comparação :
Quando a maresia altera a nossa costa,
dificulta a passagem das embarcações na barra e chama atenção das pessoas da
classe piscatória, começam em altos brados a invocar os Santos da sua devoção
para acudir aos tripulantes no perigo da travessia.
Os gritos das mulheres e famílias dos
pescadores alteram a tranquilidade e serviço de outras pessoas que correm
pressurosas ao fieiro ou areal para presenciar aquela cena perigosa e dolorosa
que muitas vezes se converte em catástrofe.
O Padre José
Cascão
Sob o título de «Bodas de Oiro», publicou o
Padre Leopoldino em 24/7/48, na «Idea Nova», um artigo de homenagem ao Padre
José Cascão, aquele que reuniu a notável biblioteca que se guarda no Centro
paroquial do Mons. Pires Quesado, na Póvoa de Varzim.
Há nessa biblioteca muitos e bons livros,
alguns certamente raros. O seu dono mostra-se-nos um sacerdote zeloso e de
largas vistas. Autor de alguns livros e tradutor de vários outros (franceses,
espanhóis e italianos), foi este capelão da Senhora das Dores que um dia enviou
a Beata Alexandrina pedir à Aguçadoura. Ela que sentia já nesses tempos uma
atracção especial pela Mãe das Dores.
A biblioteca do Padre José Cascão muito ajuda
a perceber o contexto religioso e cultural em que a Alexandrina cresceu e que se
reflecte na sua vida e obra.
Nas
Bodas de Ouro referidas, esteve presente uma particular amiga da Alexandrina, a
professora Angelina Ferreira, que então proferiu uma elogiosa alocução em honra
do homenageado.
Veja-se o artigo do Padre Leopoldino :
Beiriz, que, na opinião do saudoso
jornalista Cândido Landolt, é a freguesia mais rica do nosso concelho, onde a
vegetação brota luxuriante a ponto de, junto ao produto dos seus trabalhos na
Póvoa, apresentar prédios bem construídos e guardar fortunas bem sólidas, viu no
dia 11 de Dezembro de 1874 nascer, no lugar de Paredes, um dos seus filhos que
muito a havia de ilustrar. Esse menino recebeu o nome de José no baptismo que
lhe foi ministrado pelo Sr. Joaquim Lopes Ferreira, de saudosa memória. Seus
pais, Manuel Gonçalves Cascão e Maria Rita Ferreira Cascão, depois de confiar
seu filho ao professor de ensino particular Sr. Francisco Rodrigues Maio (o
Maneta), com escola na rua da Madre de Deus desta vila, transferiram-no mais
tarde para a Escola Azevedo de Beiriz, então regida pelo professor oficial Sr.
José Joaquim Rodrigues dos Santos, que o habilitou para o exame de Ensino
Primário Elementar, que nesse tempo se fazia nas Salas da Câmara Municipal.
Entendendo que o filho tinha a instrução
suficiente para ser um bom lavrador, seus pais tiraram-no da escola para o
entregar à cultura da terra, mas José Cascão, sentindo-se nesse mister como o
peixe fora da água, nada dava na agricultura, o que levou os seus progenitores a
mandá-lo estudar: eis a razão por que só aos 14 anos fez exame de instrução
primária no liceu de Braga. Frequentou os primeiros anos de preparatórios no
nosso Instituto Municipal, indo terminá-los no Seminário de Braga. Concluímos os
preparatórios ao mesmo tempo — Outubro de 1895, ele fazendo exame de Filosofia e
eu de Literatura, mas como eu tinha apenas 16 anos de idade, ele entrou para o
curso teológico e eu fiquei à espera de poder ser admitido, o que consegui no
ano seguinte, com dispensa da idade, concedida pelo saudoso Prelado D. António
José de Freitas Honorato.
José Gonçalves Cascão de Araújo foi sempre
um estudante aplicado, motivo por que, terminado o curso de teologia, foi
ordenado de Presbítero m 31 de Julho de 1898. Celebrou a sua Missa nova em Santa
Maria de Terroso, terra da sua mãe, sendo presbítero assistente seu Venerando
tio Padre Lino Ferreira de Araújo, para, logo no 3.º Domingo de Agosto, tomar
posse da capelania da Confraria da Senhora das Dores.
Já lá vão 50 anos dos acontecimentos que
acabamos de narrar e, por isso, a Mesa da Confraria e alguns antigos dedicados
vão festejar-lhe as suas bodas de oiro. De tudo é digno o homenageado, porque
tem sabido impor-se no nosso meio religioso e social. Quando S. Rev. tomou posse
da capela das Dores, esta era um deserto onde não havia missa nem exercício de
piedade ao domingo. O novo capelão, pelo seu zelo sacerdotal e devoção à Mãe
Dolorosa, começou a chamar o povo ao templo abandonado, com a celebração da
Santa Missa e recitação da Coroa. A fim de aumentar a frequência dos fiéis,
estabeleceu canonicamente, no dia 8 de Setembro de 1900, a Pia União das Filhas
de Maria, sendo no dia 5 de Dezembro do mesmo ano, agregada à Pia União das
Filhas de Maria, estabelecida na igreja de Santa Inês em Roma, pelo que foi
nomeado seu director pelo Sr. Arcebispo D. Manuel Baptista da Cunha. A sua acção
sacerdotal foi tão valiosa que conseguiu fazer da devoção da Senhora das Dores,
a primeira da Póvoa de Varzim.
Justa é, pois, a homenagem que a Mesa da
Confraria lhe vai prestar. Os saudosos pais de José Cascão quiseram fazer dele
um lavrador, mas ele, aspirando a outra cultura, nada deu no serviço das terras.
O jovem estudante teve a sorte de encontrar bons professores no Instituto — Dr.
João Faria (português e francês); Padre Afonso dos Santos Soares (geografia e
história); Albino Gonçalves de Oliveira (aritmética e geometria); Joaquim Dias
de Azevedo (latim); e no Seminário de Braga — Padre Francisco José Duarte de
Macedo (latinidade); Dr. Messias Fragoso (filosofia); Dr. Alves de Moura
(literatura),
Dedicando-se ao estudo, traduziu do
francês e do italiano várias obras, possui talvez a primeira biblioteca
particular da Póvoa, foi explicador particular em línguas e, como jornalista,
colaborador na Estrela Povoense. É um homem culto. Prestou bons serviços nas
Confrarias do Coração de Jesus, Senhora das Dores e Senhora do Rosário, como
Juiz, e na Comissão de devotos da Senhora da Conceição da Matriz, sendo seu
presidente 4 anos, e como organizador dos programas das melhores procissões
realizadas na vila. Sacerdote erudito, os seus sermões (era diácono quando
principiou pregar) revelavam grandes conhecimentos de teologia.
Homem social, foi presidente da Associação
dos Bombeiros (2 anos) e capelão da mesma humanitária Instituição (20 anos);
presidente da Associação de Caridade «A Beneficente» (2 anos); da Associação de
Socorros Mútuos «A Povoense» (2 anos); do Sindicato Agrícola (2 anos).
Homem popular e sem vaidade, trata a todas
as pessoas, sem distinção de classes, com urbanidade e respeito, motivo por que
é muito querido pelos seus amigos, particularmente aqueles que o acompanharam
nas sua viagens ao estrangeiro. Alguns desses velhos amigos, associando-se à
Mesa da Senhora das Dores, vão lhe prestar a sua homenagem na passagem da
celebração das suas bodas de oiro sacerdotais. Também, como velho amigo do Padre
José Cascão de Araújo, não posso deixar no olvido este momento, unindo-me
espiritualmente aos seus amigos e admiradores e pedindo ao Bom Deus a
conservação da sua preciosa vida.
Ad multos annos!»
A Fé dos
Poveiros
Para aquecer os ânimos para o II Congresso
Eucarístico da Arquidiocese de Braga que teve lugar Póvoa de Varzim, publicou-se
então um opúsculo, que era uma espécie de número único duma revista. Já se viu
que o Dr. Abílio de Carvalho colaborou; também colaborou o então coadjutor da
Póvoa de Varzim, o Padre Leopoldino Mateus, que era da Lapa. É com este seu
escrito, intitulado «A Fé dos Poveiros», que agora se vai ler, que vou terminar
esta notícia sobre o Padre Leopoldino :
Mais uma vez, a religiosa vila da Póvoa de
Varzim, por ocasião do Congresso Eucarístico, vai mostrar a Portugal inteiro que
a sua fé em Jesus é viva e fervorosa e que os seus corações consagram a
Jesus-Hóstia a mais sincera das dedicações.
Como a maior parte da população pertence à
classe piscatória, são os filhos do mar, os humildes poveiros, que vão tomar
parte activa nas grandes solenidades que se realizam por essa ocasião.
Não é de hoje a fé dos poveiros a Jesus
Sacramentado; herdaram esses sentimentos dos seus maiores, que tiveram sempre o
cuidado de, com o seu exemplo e com os seus conselhos, incutir no ânimo dos
filhos a sua crença em Jesus e a sua devoção à Virgem da Assunção.
Na capela da Lapa, erigida pelos valentes
pescadores em honra da sua augusta padroeira, Maria Santíssima, conservam o SS.
Sacramento, a quem não deixam de prestar homenagens da sua piedade e amor
filial.
Alguns anos houve até que, na
segunda-feira de Páscoa, era promovida uma festa em acção de graças ao Senhor
Sacramentado pelos benefícios concedidos durante o ano.
Na Quinta-Feira Santa, o Sagrado Laus
Perene da capela da Lapa era o mais sumptuoso e brilhante que se realizava,
primando sempre os nossos poveiros em apresentar as melhores decorações e o
maior número de lumes para que Jesus-Hóstia estivesse exposto aos fiéis no meio
da maior grandeza e sumptuosidade.
Porém, onde os nossos poveiros
manifestavam a sua maior fé a Jesus-Eucaristia era em acompanhar o viático. Mal
o sino da Lapa dava a primeira badalada a tocar ao Senhor fora, quer estivessem
na praça, quer em casa trabalhando, quer comendo, deixavam tudo, indo em
carreira vertiginosa à capela para tomar as primeiras insígnias.
Era tal o empenho que os nossos poveiros
tinham em acompanhar o nosso Pai aos enfermos que a Mesa da Irmandade na
necessidade de mandar fazer um pálio para que pudessem ser mais os contemplados
com as insígnias.
Depois que tudo estava preparado e o
sacerdote levantava a voz para entoar o «Bendito», com que fé e entusiasmo os
poveiros cantavam em honra de Jesus Sacramentado! De noite, como as mulheres não
podiam acompanhar o Senhor, os pescadores dividiam-se em grupos, uns cantando o
«Bendito» e outros a resposta. As casas por onde passava o Senhor estavam
iluminadas e o povo, esperando à porta a passagem do seu Rei e Senhor, rezava
fervorosamente pelas melhoras do doente e prosperidades da sua casa! Como isto
era belo e edificante!
Depois, como no actual regime fosse
proibido levar o Sagrado Viático aos doentes, parece que tinha esmorecido a fé
dos poveiros a Jesus-Hóstia, mas não! Veio a Arquiconfraria dos Pajens do SS.
Sacramento arregimentar as criancinhas, para, aproximando-as do seu Criador,
haurirem nessa fonte salutar graças copiosíssimas e bênçãos salutares.
Como Jesus deve estar contente com esses
humildes poveirinhos que, de tão pouca idade, amam já o seu Jesus, recebem-No
com frequência e adoram-No com afecto.
Como Jesus deve estar alegre, porque nessa
capela muitas vezes, pela ausência de fiéis, entregues às lides domésticas, o
Manso Cordeiro estava só, tendo frio, apesar de ter formado o Sol, porque lhe
faltava o calor dos corações; padecia sede, apesar de ter feito aparecer todas
as águas, porque estava sequioso do bem das almas; sentia necessidade, sendo
seus todos os alimentos e todas as riquezas, porque lhe escasseavam as almas que
o recebessem dignamente e onde pudesse viver e reinar.
Agora, procurado e rodeado de crianças que
o amam e louvam, recebem e adoram, como Jesus deve estar bem, como Jesus deve
estar satisfeito! Já tem quem O siga, já tem quem O conheça! E, que não têm sido
infrutíferos os trabalhos desata Arquiconfraria, bem o mostram essas festas
sumptuosas, essas apoteoses brilhantíssimas a Jesus-Eucaristia que têm agitado
tantos corações e movido tantas almas a aproximarem-se de Jesus, recebendo-O
com, fé, adorando-O com entusiasmo e amando-O com afecto.
Outrora, eram os pais que ensinavam os
filhos, com o seu exemplo e com as suas lições, a amar, conhecer e respeitar o
Pai do Céu; hoje, são os filhos que com o seu procedimento ensinam aos pais que
não basta, para amar Jesus, ter fé, é necessário ter o coração puro – «Felizes
os corações puros, porque eles verão a Deus!» –, recebê-Lo com frequência e
defendê-Lo com ardor.
É por isso que não podíamos deixar de nos
associar a esta homenagem das criancinhas a Nosso Senhor Sacramentado por
ocasião do Congresso Eucarístico, fazendo votos pela conservação desta piedosa
associação que tanto bem faz às almas e pelo bom êxito das festas Eucarísticas
para que se acenda cada vez mais a fé dos poveiros e traga ao aprisco do Senhor
tantas ovelhas cegas e ingratas de dele vivem afastadas.
Padre Leopoldino Mateus, Coadjutor da
Póvoa de Varzim.
Terminámos aqui esta recolha de informação
sobre o Padre Leopoldino Mateus. Creio bem que se justifica, dado o lugar que
apesar de tudo ele teve junto da Alexandrina.
Prof. José Ferreira
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