Recolha
e apresentação dos textos por José Ferreira
Só por amor
Só por amor me deixei ferir, Só por amor meu coração sangra, Só por Ti, Jesus, a dor tem doçura, Só na cruz contigo se me alegra a alma.
Duro é meu penar por Te saber ofendido; Só por amor direi sempre: «Tem encantos o martírio.» Aqui tens, meu doce Jesus, o meu peito para abrigo.
Meu coração foi
ingrato contra o meu Deus e Senhor; Foi assim que Lhe paguei o Seu infinito amor. Agora só quero amá-Lo e suavizar-Lhe a dor.
Dizer-Te quanto Te amo não preciso, Jesus. Tu vês o meu coração e quanto ele ama a cruz. Porque é que ele sofre? É só por Ti, meu Jesus.
Beata Alexandrina
(5/3/1949)
O primeiro encontro
do Padre Humberto com a Alexandrina
Tive a dita de me abeirar de Alexandrina
Maria da Costa,
primeiro
como simples visitante da doente – de Junho a Agosto de 1944 – e depois como
director espiritual – Setembro daquele ano a Outubro de 1948..
Depois do meu regresso a Itália, ela
continuou a escrever-me, se bem que mais raramente por questões de saúde; mas,
sobretudo, nunca deixou de me enviar os seus diários espirituais.
Tendo sido informado de que Alexandrina tinha
fenómenos fora do comum – êxtases, jejum total – embora várias pessoas dignas de
toda a estima e confiança instassem comigo para que eu a seguisse
espiritualmente, lutei comigo mesmo antes de me resolver a ir visitá-la, porque
receava – dada a minha condição de superior e mestre de noviciado – lançar uma
nódoa sobre a minha Congregação.
O que me determinou a ir a Balasar foi uma
série de comentários desfavoráveis da parte de alguns sacerdotes a respeito da
doente, e os factos fora do comum que lhe diziam respeito. As opiniões
formuladas levaram-me a este raciocínio: - Está em causa uma alma. É preciso
ajudá-la. Se é uma alma iludida ou culpada de mistificações, é preciso
iluminá-la quanto antes, para que não se perca. Se, ao contrário, é uma alma
recta ou mesmo santa, é preciso confortá-la e defendê-la, custe o que custar.
Quebrou as minhas últimas indecisões a Rev.
Madre Chantal, superiora da Visitação em S. Miguel das Aves. Assim satisfazia os
pedidos da menina Mariana Inês de Mello Sampaio, a qual se me tinha dirigido,
por ocasião duma peregrinação aos Valinhos, em nome do primeiro director da
Alexandrina e um outro padre da Companhia, o Padre Abel Guerra, superior do
Colégio de Macieira de Cambra.
Satisfazia também os pedidos de D. Maria
Joaquina, de Pardilhó, irmã do Arcebispo de Cizico, que tinha encarregado o
Padre Ismael de Matos, salesiano, de me pedir que fizesse ao menos uma
visitazinha à Alexandrina.
Antes de ir a Balasar, pedi licença ao médico
assistente, Dr. Manuel Augusto Dias de Azevedo, conforme resulta de uma carta
dele que conservo.
Entrei pela primeira vez no quartinho da
doente no dia 22 de Junho de 1944 e hospedei-me em casa dos Costas até ao dia
25.
A minha atitude foi de quem observa, de quem
tudo escuta.
Confesso que me atormentavam dúvidas acerca
de tudo e um certo cepticismo que me esforcei por ocultar, para não agravar a
situação dolorosa daquela família, alvo de falatórios e de suspeitas da parte da
Autoridade eclesiástica.
Os colóquios demorados com a Alexandrina e
com a Deolinda deram-me imediatamente mais do que a sensação, a certeza de me
encontrar perante uma alma virtuosíssima e toda de Deus.
Depois deste meu encontro, a pedido da menina
Mariana Inês Mello Sampaio, enviei à mesma umas ligeiras impressões que ela
queria entregar ao Superior dos Jesuítas de Macieira de Cambra. Ei-las:
«Visitei a Alexandrina em 22 do mês de Junho
de 1944 e fiquei em sua casa até 24 – tendo ocasião de falar com ela longas
horas e assistir ao êxtase de sexta-feira, dia 23.
Impressionou-me a sua simplicidade rara, o
seu equilíbrio, a sua união com Deus, a sua serenidade no sofrimento.
Não sei como, mas desprende-se dela uma
irradiação tão grande de bondade que infundiu em mim duas coisas: um conceito
mais claro e firme da misericórdia e do amor de Jesus, e uma vontade mais viva
de corresponder a Deus Nosso Senhor.
Os mesmos sentimentos consta-me ter deixado
em outras pessoas, até em pessoas afastadas do bom caminho.
Interrogada por mim acerca de umas provações
que muito a devem ter feito sofrer, respondeu com a maior naturalidade, sem
tomar atitude de vítima, com sorriso até, e sem a mais pequena recriminação
contra ninguém, declarando só, e com expressões breves, que a magoava o
pensamento de que estas coisas entristecem muito o Coração de Jesus.
As conversas dela, mesmo sobre mistérios e
coisas espirituais, são todas de uma ortodoxia clara, impecável… superior à
instrução duma rapariga do povo que não leu tratados nem vidas de santos, a não
ser uns opúsculos ou uns artigozitos de alguma revista popular.
É de uma lucidez admirável, quando se pensa
que ela sofre de uma doença tão grave e tão antiga. O jejum completo de dois
anos é coisa que observações cuidadas dos médicos comprovam e não souberam
explicar.
Tem uma linguagem simples, mas elevada, como
pessoa culta… e grande propriedade de expressões para retratar certos estados de
espírito, que manifestam uma vida interior excepcional.
Ao pé da sua cama não há a atmosfera duma
enfermaria, mas respira-se a alegria mais suave e santa, como numa capela.
É uma rapariga acolhedora, de uma caridade
finíssima, previdente, providente… faz-nos lembrar a bondade de um São Francisco
de Sales.
Vive de amor de Deus, vive de amor pelo
próximo; esquecida de si, só deseja o bem e a salvação das almas.
Se eu quisesse dizer tudo, seria um nunca
mais acabar. E tudo o que eu disse encontra-se nela sem pretensões, sem atitudes
forçadas ou estudadas. O extraordinário que nela se passa é como que uma coisa
só com a simplicidade e a prudência singela que, a meu ver, são as qualidades
mais precisos numa alma daquelas.
Não sou eu quem deva julgar a Alexandrina;
mas, no entanto, pelos elementos que tenho, ninguém me convence de que não se
trata duma pessoa fidedigna e que, em vez de ser abandonada e posta de lado,
devia ser acompanhada na sua vida espiritual, para que Nosso Senhor, embora não
precise dos homens, possa, pela direcção de um sacerdote culto, prudente e
santo, levá-la pelos caminhos por que a chama. E sabemos como Nosso Senhor,
infinitamente sábio, não dispensa a obra do sacerdote.
Será próxima também a hora em que o seu
director virá a dirigi-la? Oxalá que sim! Creia que o desejo vivamente, peço-o a
Deus, e quem me dera poder fazer alguma coisa para isso.
Aqui vão as impressões que me pediu. Faça
destas regras o uso que quiser. Oxalá que elas sirvam para o bem…»
Mogofores, de Junho de 1974.
Padre Humberto Maria Pasquale
Uma onda irresistível de graça
É este o
título («És a rainha dos pecadores») que Jesus deu à Alexandrina, no
primeiro sábado do mês de Dezembro de 1944.
«Quando estiveres no Céu, serás invocada com
o título de Pastorinha de Jesus» – assim lhe prometeu no dia 10 de Novembro
desse ano.
A afirmação de Nosso Senhor leva-me a
apresentar os pormenores de um facto que está narrado resumidamente na biografia
da Serva de Deus, nas páginas 198-199.
Deu-se na freguesia de Penedono.
Na biografia não citei nomes, porque o acontecimento era recente.
O pároco de então, havia já vários anos, com
frequentes pregações em vão se esforçava por chamar o seu povo a uma vida mais
cristã. A paróquia, de vários milhares de almas, contava no período pascal
poucas dezenas de pessoas.
No ano de 1945, fui convidado pelo pároco
para uma pregação de uns dias, no fim da Quaresma.
Pelo muito trabalho, como também pela difícil
situação dessa freguesia, não me decidia a responder ao convite.
Falei nisso à Alexandrina.
«Vá – disse-me – vá; eu vou com V. Rev.ª.»
Aceitei e cheguei a Penedono. Disse logo ao
pároco que a Alexandrina rezava e sofria pelas nossas intenções.
A igreja foi-se enchendo cada vez mais, de
dia para dia. Mas o meu convite para se confessarem não foi aceite por ninguém.
Nem sequer depois do meu sermão no cemitério, em que falei da morte, nos entes
queridos falecidos e no seu apelo vindo da vida além-túmulo, em que há a visão
completa das verdades eternas.
O pároco estava acabrunhado e… decidido a
deixar a freguesia.
Foi então que, em casa dele, lhe disse uma
noite, fortemente:
«Sabe por que os seus paroquianos não se
convertem?... É por causa da sua falta de fé!»
No dia seguinte, quarta-feira da Paixão,
estando eu muito cansado e havendo já perdido a voz, o pároco não queria que eu
pregasse mais.
Eu opus-me… e, chegando ao pé do ambão,
invoquei a Alexandrina.
A voz voltou. A uma certa altura do sermão, dei ordem ao sacristão de tirar o
pano que encobria a imagem de Nossa Senhora de Fátima e mandei-lhe acender as
velas do altar.
Convidei depois todas as crianças a
reunirem-se à volta de Nossa Senhora e, em voz alta, pedimos a conversão das
pessoas adultas que enchiam a igreja.
Notei que muita gente começou a chorar.
Na manhã seguinte, antes da missa, eu pus-me
no confessionário, enquanto os fiéis já entravam.
Daí a pouco, a mãozinha duma criança abriu a
cortina do confessionário, enquanto com outra mão segurava o xaile duma mulher.
«Padre, confesse a minha mãe… Ela não queria,
mas eu quero que se confesse e se torne amiga de Jesus.»
Foi a primeira pessoa que se confessou. Nesse
dia, penúltimo da missão, passou pela freguesia uma onda irresistível de graça.
Foi preciso chamar sacerdotes, porque as confissões eram muitíssimas.
A «ovelha negra» da paróquia, depois da
procissão com a imagem de Jesus Morto (era Sexta-feira Santa) e do último
sermão, compareceu na sacristia com mais homens e disse-me em voz alta:
«Chegou para
mim também a hora da graça… Para maior humilhação, confessar-me-ei ao pároco
(que estava presente). Peço perdão pelos escândalos que tenho dado. Pelas
três horas da tarde, que lembram a morte de Jesus, cá estarei.»
Assim falando, começou a chorar como uma
criança. O facto causou tal impressão que um grupo de homens renitentes quiseram
confessar-se naquela mesma tarde.
No dia seguinte, às quatro horas e meia da
manhã, eu entrei na camioneta para voltar para Mogofores.
Na escuridão da noite, a correr, chegou ao pé
da camioneta um homem, que chamou alto por mim: «Padre Humberto! Padre
Humberto!»
Desci e encontrei-me nos braços da «ovelha
negra»:
«Eu vim para agradecer a V. Rev.ª a paz e a
alegria que trouxe à minha alma!»
Não me lembra o que respondi… porque a
camioneta estava para partir e tive de subir para ela apressadamente.
Mas o mérito desses milagres da graça era da
Alexandrina, como o afirma esta carta do pároco de Penedono a ela dirigida:
«Apenas restabelecido do cansaço devido ao
trabalho das duas semanas passadas, sinto o dever de dizer-lhe uma palavra de
agradecimento, pela chuva de graças que, com tanta abundância, as suas orações e
os seus sacrifícios fizeram chover nesta paróquia através das palavras do Padre
Humberto. Almas há muitos anos afastadas dos Sacramentos acorreram em grande
número a lavar-se nas águas da Penitência e a receber Jesus na Comunhão. Foi um
autêntico triunfo da misericórdia divina! Não podendo conter mais a minha
alegria, quero agradecer-lhe quanto fez por estas pobres almas…»
Vida cristã é viver em Cristo
O Padre salesiano Eduardo Pavanetti, no dia 7
de Fevereiro de 1974, escreveu-me:
«Já há muito sabe quanto aprecio a vida e a
espiritualidade da Alexandrina: pode, portanto, imaginar como me é agradável a
leitura do último livro que recebi há pouco tempo. Como também me alegrei com o
título «Cristo Jesus na Alexandrina». Tudo o que faz para a Alexandrina, fá-lo
par a Igreja: o futuro da Alexandrina na renovação interior da Igreja há-de ser
muito grande e incisivo. A Igreja, depois destas loucuras materialistas, deve
voltar para a «Mística», que é a sua verdadeira vida. E a Alexandrina há-de
dizer uma palavra muito forte e universal.»
Santo Agostinho[7]
ensina que «se Deus se humilhou até fazer-se homem foi para elevar os homens e
fazer deles deuses» (Sermão, 166); «deifica-os com a sua graça, porque,
tornando-os justos, deifica-os fazendo deles filhos de Deus e, portanto, deuses»
(In Psalmos 49,2). O cristão é, portanto, quem vive Cristo! É Cristo quem
vive e opera nele e com ele, de forma que, quando se deixa identificar com
Cristo, pode dizer com verdade: «Eu vivo, mas não sou eu quem vive: é Cristo que
vive em mim» (Gálatas 4, 19; 2Cor, 3, 18).
O Padre Ramière escreve:
«Parece chegado o tempo em que o grande dogma
da incorporação dos cristãos em Cristo terá no ensinamento aos fiéis a
importância que teve na pregação e doutrina apostólica…
Chegou o tempo em que se compreenderá esta
união apresentada pelo Salvador na imagem dos sarmentos unidos à videira; não é
simplesmente imagem, mas sim uma realidade. No baptismo, tornamo-nos realmente
participantes da vida de Cristo. Recebemos no sacramento o divino Espírito
Santo, princípio desta vida, e, sem nos despojarmos da nossa personalidade
humana, tornamo-nos membros dum corpo divino e adquirimos força divina.»
Na «História duma Alma», Santa Teresa do
Menino Jesus narra: «No domingo seguinte quis conhecer que revelação tivera a
Madre Genoveva (fundadora do Carmelo de Lisieux, que dias antes lhe tinha
dado um pensamento muito adequado ao estado da sua alma). A Madre afirmou
não ter tido revelação alguma. Então a minha admiração foi ainda maior, ao
constatar em que eminente grau Jesus vivia nela e a fazia agir e falar.
Ah! É esta a santidade que me parece a mais
verdadeira, a mais santa. É esta que desejo, porque não há nela ilusão alguma!»
(Manuscrito A).
É esta a mensagem da Alexandrina
A
Serva de Deus disse e ensinou muitas coisas, mas a essencial é esta: – Chamar as
almas, sobretudo os pecadores, a viveram a vida da graça, a viverem de e com
Jesus. – Quem não leu sem comoção o apelo que ela mesma escreveu para a sua
campa?
Mais do que com as palavras, falou com a sua
vida de cada dia: no dia 10/11/1944 escrevia: «Jesus é força e vida de todo o
meu ser.» Jesus dizia-lhe: «No teu corpo está Cristo, Cristo nos teus olhares e
nos teus sorrisos.»
Um pecador, num colóquio com ela, «sentiu que
algo de sobrenatural se desprendia do seu rosto e como uma onda de calor
revolucionou-me a alma» (Carta ao Padre Humberto).
Eu mesmo, num relatório dos Padres Jesuítas
de Macieira de Cambra, afirmei em 1944: «Se eu tivesse de reproduzir a figura da
Alexandrina, não acharia melhor imagem do que a do Bom Pastor, como está pintada
no retábulo do altar-mor da Igreja de Balasar.»
Mons. Horácio de Araújo, na alocução solene
da abertura do processo informativo da Causa da Beatificação da Serva de Deus,
afirmou muito acertadamente:
«A Alexandrina era um alma que vivia na
intimidade com Deus. Só assim se pode explicar como ela falava de Deus e dos
mistérios da Fé. Era uma presença viva de Cristo. Cristo transparecia nela.
Vê-la era ver a Cristo. Presença viva e irradiante. Quando Deus está presente,
não está inactivo. Quantos, na presença da Alexandrina, reconheciam andar
desencontrados de Deus! Ao saírem de lá, já O tinham encontrado. Dali saíam
banhados em lágrimas, a reconciliarem-se com Deus aos pés dum sacerdote.»
Eis a verdadeira santidade, a mais santa!
A mais necessária para nos realizarmos,
segundo o plano de Deus, como pessoas que podem verdadeiramente salvar o mundo
louco em que vivemos.
RP Umberto Maria Pasquale, sdb
Nota
– Os três artigos do Padre Humberto que
aqui se transcrevem foram originalmente publicados no Boletim de Graças da
Alexandrina.
|