Ao
contrário de outras paróquias cuja igreja, ao longo dos séculos, com
modificações e acrescentos, sempre se ergueu no mesmo lugar, a de
Balasar é já o quarto templo construído de raiz e em localização
diferente. A primeira foi a do Lousadelo, a segunda a do Casal, a
terceira a do Matinho, a quarta a actual; e houve ainda a de
Gresufes.
Durante
o século XIX, muitas igrejas paroquiais foram restauradas e
ampliadas, outras entretanto foram construídas de novo. Desde a mais
distante, a de Touguinhó (paga pelo pároco e que data de 1842), já
fora
edificada
a grande igreja de Beiriz (1872), estava ser finalizada a de
Amorim (de linhas inovadoras e paga por quatro irmãos brasileiros da
freguesia - 1908) e estavam a decorrer as obras da Misericórdia da
Póvoa bem como a primeira fase das da Basílica do Sagrado Coração de
Jesus.
A
Igreja do Matinho
Antes
de começarmos a falar sobre a igreja nova, registemos algumas
informações sobre a anterior, a da Matinho.
A
decisão de a edificar há-de ter sido muito custosa. O documento da
anexação, de 1422, não exigia isso: “mandamos aos fregueses da dita
igreja de Gressuffe que vão receber os eclesiásticos
sacramentos na dita igreja de Balssar e ouvir missas e que o
abade que ora é e for ao diante da dita igreja de Balssar vá,
dia do orago da igreja de Gressuffe, dizer missa à dita
igreja, lançando a água benta sobre os finados e dizendo o responso
costumado sobre eles”.
Igreja Paroquial de Balasar |
A
subordinação dos interesses de Gresufes aos de Balasar terá
originado a sua posterior anexação a Gondifelos. A localização da
igreja do Matinho responderá provavelmente a reivindicações de
Gresufes, exigindo que ficasse a meio caminho entre ela e o Casal,
distribuindo de modo justo os incómodos da anexação. Quem também
saía prejudicado eram os moradores do norte do rio, porque
igualmente lhes ficava mais longe e não havia ponte nas
proximidades.
Nesta
conformidade, a sua construção não deve remontar a mais que meados
do séc. XVI, quando Gresufes estava de novo anexa a Balasar, talvez
já após a criação da Comenda.
A
igreja de Gresufes não foi demolida e na do Casal desenvolveu-se
depois a devoção à Senhora da Piedade[1].
Pelo
Tombo da Comenda de Balasar, sabemos que a Igreja do Matinho possuía
“um torreão de duas empenas e duas sineiras”. Talvez um pouco ao
modo do que ainda se vê em Rates[2].
Sobre
ela, dão-nos também algumas notícias as Memórias Paroquiais e o
inquérito de 1845; mas paga a pena relembrar.
A
paróquia tem três naves e está no meio do lugar; é seu orago Santa
Eulália. Tem os altares do SS. Sacramento,
Nossa
Senhora das Candeias, Santo António, Santo AntãoAbade e Nosso Senhor
Jesus Cristo, com as irman-dades de Santo Antão Abade e das Almas
(1736).
A
Igreja está no meio de todos os lugares e o seu próprio de Balasar
tem somente dois vizinhos, como fica dito.
O orago
é Santa Eulália; tem cinco altares, um do Santís-simo Sacramento,
outro de Nossa Senhora da Conceição, outro de Santo Antão, outro de
Santo António e outro do Senhor Crucificado; tem duas irmandades,
uma das Almas e outra de Santo Antão Abade. É igreja duma só nave, e
perfeita (1758).
O "torreão de duas empenas e duas sineiras" alguma
semelhança teria com este de Rates. |
Há aqui
uma contradição: em 1736, diz-se que a igreja tinha três naves, em
1758, que tinha só uma.
A
igreja “está no meio do lugar” (1736) ou “no meio de todos os
lugares” (1758).
De
acordo com a informação veiculada pelo Mons. Manuel Amorim, esta
igreja entrara em ruínas no séc. XVIII e foi reconstruída pelo
Comendador de Balasar e pela freguesia, precisamente entre estas
duas datas. Ter-se-ão suprimido então as naves laterais?[3]
Com certeza, pois o mesmo reitor de Balasar foi autor das duas
memórias.
O P.e
Domingos da Soledade Silos, em 1845, registou que a igreja não
ameaçava ruína, excepto o trono. Mas não era assim em 1907, como
consta duma acta da Junta de Paróquia; aí fala-se do “estado de
ruína” em que ela se encontra e diz-se que as “suas paredes estão
desequilibradas e as suas madeiras podres”.
Em
1911, quando a nova igreja já estava ao serviço, procedeu-se à
ampliação do cemitério. A planta que então se elaborou dá-nos
algumas informações interessantes, pois localiza com precisão a
antiga igreja, que ficava a norte, frente ao portão de origem, e a
residência paroquial, que estava a sul.
Mais
que todas precisa é a informação que consta no Tombo da Comenda, que
a mede e dá o seu desenho com bastante rigor.
O
que o P.e Leopoldino escreveu
Regressando ao tema da Igreja nova, ouçamos o que sobre ela escreveu
o P.e Leopoldino Mateus:
Com
o andar dos tempos, a população aumentou muito e, julgando-se
insuficiente a igreja paroquial para conter no devido respeito e
devoção os fiéis, constituiu-se uma comissão de bons paroquianos
para escolher novo terreno onde pudesse ser erigido um templo amplo,
majestoso e digno de ser a Casa de Deus.
Escolhido o lugar da Cruz, foi demolida a capela do Senhor da Cruz e
erecta essa majestosa igreja que ainda hoje é uma das melhores das
aldeias desta circunscrição e que, concluída em 1907, custou a obra
de pedreiro, carpinteiro e estucador 12 contos.
O belo retábulo, de inspiração neo-clássica, da igreja
assemelhava-se ao de Beiriz e mais proximamente ao da
Misericórdia da Póvoa de Varzim. No sacrário vê-se o
baldaquino que hoje está na Capela da Adoração do
Santíssimo. Reparar ainda no painel do Bom Pastor. |
Mais
tarde procedeu-se ao douramen-to dos altares que importou em 21
contos e há poucos anos foi adquirido o carrilhão dos sinos (6),
pagando-se 80 contos ao sineiro Jerónimo Serafim, de Braga, que os
fundiu e afinou por música.
Hoje,
a igreja de Santa Eulália de Balasar, do concelho da Póvoa de
Varzim, arciprestado de Vila do Conde — Póvoa de Varzim,
Arquidiocese de Braga, é imensamente visitada pelos forasteiros que
admiram a elegância do templo, a linda ornamentação dos altares
confiados ao cuidado de devotas zeladoras e sobretudo o espírito de
sacrifício deste povo laborioso e crente que, não sendo rico,
conserva a sua igreja num asseio e limpeza muito para louvar e
imitar.
Observe-se que é errada a data de 1907 para a conclusão das obras,
pois é apenas a do seu início.
A
vontade de construir em Balasar uma nova igreja já vinha desde há ao
menos uma década.
A
comissão
Ao
contrário do que aconteceu em Beiriz, da construção da Igreja de
Balasar chegou até à actualidade pouca informação. Sobre a comissão
encarregada da construção da obra, o P.e Leopoldino só indica o
tesoureiro, irmão do pároco. Mas há um nome que merecia ser
registado, o do então vereador municipal Manuel Joaquim de Almeida,
natural de Gondifelos, mas casado para Balasar. A freguesia deve-lhe
muito e certamente também ajudou muito nas obras da igreja.
Na
edição de 19 de Maio de 1907, a Estrela Povoense
informa que “na Póvoa não se vêem obras de algum valor, nas aldeias
mormente em Balasar e Navais e no seu lugar de Aguçadoura, gastam-se
rios de dinheiro em alguns melhoramentos de muito duvidoso
interesse”[4].
Manuel Joaquim de Almeida é que geria o dinheiro que se gastava
em Balasar.
E num
artigo de jornal, de muito mais tarde e que copiámos à frente, o seu
autor vai escrever:
Ao
passar na Igreja Paroquial, que me traz sempre à memória o nome de
Manuel Joaquim de Almeida, seu principal impulsor, assim como de
outros melhoramentos locais, ouvi o toque de uma orquestra.
Talvez
seja exagero chamar-lhe o principal impulsor das obras, mas o
seu contributo deve ter sido valioso.
Em
Balasar consta que Manuel Joaquim de Almeida se terá aproveitado da
posição política para adquirir de modo pouco transparente o terreno
onde construiu a sua casa – a que fica imediatamente a poente do
adro.
A
construção da igreja
Em 23
de Dezembro de 1906, o jornal poveiro Estrela Povoense traz
esta notícia sobre a “Igreja Paroquial de Balasar”, bem semelhante a
uma outra saída n’O Comércio da Póvoa de Varzim no dia 27:
A
freguesia de Balasar, deste concelho, vai possuir um novo templo
paroquial, cujas obras vão ser postas a concurso.
Quem
desejar concorrer deverá examinar o projecto na secretaria do
arquitecto da Câmara Municipal, onde ele está exposto todos os dias
úteis, desde as 10 horas da manhã até às 3 horas da tarde.
As
propostas devem ser enviadas, em carta fechada, à residência
paroquial daquela freguesia, até ao próximo dia 30 do corrente ao
meio-dia.
Em
termos de obras, no final deste ano não só estava tudo por fazer,
mas até a empreitada não fora entregue ao
construtor.
E como a construção levou três anos, já se vê que a data de 1907 –
que está sobre a porta principal da igreja – só poderá ser a do ano
do seu início ou daquele em que se aprontou tudo para ela começar,
pois a Junta de Paróquia só deu a aprovação à planta… em 24 de
Novembro de 1907, como consta da acta desse dia.
De 24
de Fevereiro do mesmo ano da 1907, lê-se numa acta uma exposição
feita à Junta de Paróquia pelo pároco, o abade Manuel Fernandes de
Sousa Campos, que merece ser transcrita:
Tendo
uma comissão, composta de alguns moradores desta freguesia, como à
Junta não é estranho, tomado a seu cargo, por meio duma subscrição,
a construção da nova igreja paroquial desta mesma freguesia, por
essa construção não poder realizar-se por conta desta Junta de
Paróquia, visto serem insignificantes os seus rendimentos e essa
nova igreja tornar-se absoluta necessidade pelo estado de ruína em
que se acha a actual, que não pode contiguar a funcionar porque as
suas paredes estão desequilibradas e as suas madeiras podres, como
já foi verificado por peritos competentes, cumpria à Junta auxiliar
essa iniciativa, prestando a essa comissão todo o seu apoio e
valimento, dentro das atribuições legais, pois que de um tal
melhoramento provinha um salutar benefício para a freguesia.
Portanto, ocorria à Junta o dever de não só ceder da antiga igreja o
seu material, altares e mais aprestos, como realizar definitivamente
o acordo feito em 20 de Junho de 1897 com a comissão do Senhor da
Cruz, desta freguesia, a fim de ser aproveitada a sua capela e
terreno anexo na construção da nova igreja, por se tornar esse local
o mais apropriado para essa edificação.
Capela-mor da Igreja de Balasar (pormenor da imagem
anterior). |
Os
membros da mesa da Confraria do Senhor da Cruz estavam presentes e
fecharam o acordo mencionado, abrindo assim as portas à construção
da nova igreja. Este acordo será ainda corroborado na sessão de 28
de Abril.
As
actas da Junta de Paróquia não dão conta do andamento da construção,
mas registam que, a 23 de Janeiro de 1910, a igreja “já está
concluída e aberta aos actos de culto”.
Uns
dois meses à frente, um jornal poveiro diz que ela foi assaltada,
mas não adianta nada sobre nela ter sido ou não recentemente
iniciado o culto.
Em
síntese, as obras terão começado ainda em 1907 e prolongaram-se
certamente pelos anos de 1908 e 1909. Como parece que os
preparativos se tinham iniciado uns dez anos antes, faz sentido que
tivessem sido rápidas.
Desconhecemos o nome do arquitecto, o do entalhador e o do pintor do
painel do Bom Pastor.
A nova
igreja paroquial é também um resultado dos tempos novos que se
viviam, que deram origem a reconstruções das velhas casas, com as
suas grandes chaminés e com outros indicadores de abundância a que
se alude à frente.
A
intervenção de 1978
A
trasladação, em 1977, dos restos mortais da Beata Alexandrina para a
igreja Paroquial deu ocasião a uma drástica “ampliação e restauro”
da igreja de Balasar.
Quem
compara o antigo interior do templo com o actual mal reconhece que
se trata do mesmo edifício. Causa um enorme choque o desaparecimento
de toda a talha, que certamente lhe dava o carácter de “majestosa
igreja” e de “elegância” de que se orgulhava o P.e Leopoldino. Os
dois artísticos púlpitos anteriores deram lugar a duas banalidades
inúteis. Os vãos onde encaixavam os pequenos retábulos laterais não
fazem agora nenhum sentido; as suas imagens, ajustadas à localização
anterior, ficaram depois muito mal dimensionadas para as altas
paredes nuas. O arco cruzeiro, em termos práticos, desapareceu.
Ao
nível da capela-mor, faz enorme pena não ver lá mais o belo retábulo
com o seu elegante painel.
Mas foi
aí que houve propriamente ampliação, passando aquele espaço de
anterior capela para uma espécie de transepto.
O
altar-mor e o arranjo posterior a ele possuem carácter de
modernidade e o efeito global é positivo.
O lado
norte foi preparado para colher os restos mortais da Beata.
Os
vitrais
Um dos
aspectos mais positivos da intervenção de que estamos a falar foi a
colocação dos vitrais. Se eles são raros no arciprestado,
isso não pode negar a alta qualidade atingida nos de Balasar.
Eles
ordenam-se todos em redor da vivência mística da Beata Alexandrina e
resultaram da colaboração do P.e Francisco com o portuense Prof.
Antunes; naturalmente o P.e Francisco expôs o pensamento teológico
que queria transmitir e o Prof. Antunes, de Belas-Artes, deu-lhes a
tradução plástica. A realização foi da Casa Antunes.
Primeiro foi feito o grande vitral da Assunção, sobre a porta
principal, que mostra a Nossa Senhora, “a Mãezinha”, em impulso
ascensional, a convidar os fiéis para o Céu. Com ele complementam-se
dois pequenos vitrais sobre o altar-mor, que falam dessa caminhada:
um (à direita) é inspirado no episódio de Elias que, cansado, pede a
Deus que o leve e é instado pelo anjo a continuar a caminhada para o
monte Horeb; o da esquerda vai mais directo para a Alexandrina, pois
mostra-nos um caminho pejado de espinhos mas que conduz ao Pórtico
da Glória.
O
segundo conjunto de vitrais, o dos vitrais laterais, é muito
curioso: do lado direito, em cima, está um grande painel da descida
do Espírito Santo. Sob os pés de Maria Santíssima e dos Apóstolos
representa-se o globo terrestre: a missão da Igreja, como também a
da Alexandrina, é “até aos confins do mundo”.
Em
baixo, movida pelo mesmo Espírito Santo, a Alexandrina participa no
sofrimento redentor de Cristo: completa o que falta à Sua Paixão,
segundo a conhecida frase de S. Paulo.
Ao lado
esquerdo, em cima, contempla-se o painel da Última Ceia: os
Apóstolos todos, à excepção de Judas (bem instalado na sua cadeira e
planear a traição), concentram-se no mistério eucarístico.
Em
baixo, a Alexandrina é envolvida pela onda da Eucaristia: «Já não
sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim».
A
terminar esta exposição sobre a Igreja Paroquial de Balasar, notamos
que o facto de se ter demolido a capela da Santa Cruz (que devia ser
espaçosa) há-de ter contribuído muito para a decadência desta
devoção, ao atingir duramente a autonomia da respectiva confraria.
Onde
foi baptizada a Beata Alexandrina?
Se
estivesse certa a in-formação do P.e Leopoldino de que a igreja
actual tinha sido inaugurada em 1907, que tinham sido precisos três
anos para a sua cons-trução, isto é, de 1904 a 1907, de que a capela
da Quinta de D. Benta servira de igreja paroquial durante o período
da construção, então a Beata, que nasceu em 30 de Março de 2004,
quase inevitavelmente teria sido baptizada nesta cape-la.
Registo de baptismo da Beata Alexandrina
Ficamos
porém agora a saber que as coisas se não passaram assim e
consequentemente a pequena Alexandrina foi, sem grande margem para
dúvidas, baptizada na velha igreja do Matinho.
O
abade Manuel Fernandes de Sousa Campos
O
impulsionador da construção actual igreja de Balasar foi o abade
Manuel Fernandes de Sousa Campos, que era natural do lugar de
Lousadelo, onde nasceu em 1855. O Padre Leopoldino Mateus deixou
dele esta notícia biográfica:
Depois
de ordenado, dedicou-se à vida paroquial.
Tendo
sido nomeado pároco encomendado da vizinha freguesia de Macieira de
Rates, foi elevado a Reitor de Balasar, tomando posse no dia 18 de
Fevereiro de 1885, sendo a entrega feita por seu tio Padre Miguel
Campos.
Regeu
esta freguesia durante 35 anos e tão bons serviços à Igreja prestou,
particularmente na distribuição das Bulas da Santa Cruzada, que o
Arcebispo de Braga D. Manuel Baptista da Cunha, o elevou à dignidade
de abade.
Uma das
suas maiores preocupações de pároco era a construção duma igreja
paroquial, ampla e majestosa, porque a antiga, sita no lugar do
Matinho, de uma só nave, pequena e escura, não tinha a capacidade
bastante para conter o povo da freguesia que assistia apertado e
contrafeito às cerimónias do culto, ficando uma boa parte de fora da
Casa do Senhor.
O
Rev.do Abade Campos nomeou uma comissão de que fazia parte, como
tesoureiro, seu irmão José Fernandes de Sousa Campos, também do
mesmo lugar, onde constituiu família e veio a falecer com 82 anos,
no dia 2 de Fevereiro de 1945.
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