O nosso título não é
recolhido dos escritos da Beata ou dos seus biógrafos, embora de
algum
modo se contenha nas suas palavras. Vejam-se estas frases :
« Estou a subir
uma grande montanha. É tão medonha, tão assustadora! Subo sem ver caminho, tal é
a escuridão; e quanto mais subo, mais tenho que subir: não sou capaz de lhe ver
o fim. Que montanha será essa ? » 29/7/39
« Em cima da mais
alta montanha, gritava por socorro com toda a dor da minha alma. Parecia-me que,
debaixo, toda a humanidade me fitasse, mas fitava sem compaixão. » (2/11/44)
O simbolismo da
montanha, porém, é nelas bem diferente do que lhe atribuímos no título. No nosso
caso ele evoca momentos de revelação e de intimidade do homem com Deus, como o
de Moisés que subiu ao Sinai para dialogar com Javé ou de Jesus Cristo no Tabor
ou quando proclama as Bem-aventuranças.
De facto, propomo-nos
recolher aqui trechos dos colóquios de Jesus com Alexandrina, precisamente
aqueles que mais desafiam o nosso vulgar entendimento da fé e que significam
certamente a dimensão do amor «louco» de Deus aos homens, aquele que levou o seu
Filho à Cruz. Alguns chegavam a parecer heréticos às pessoas que com ela lidavam
mais de perto. Quase não faremos comentários.
Para que se não pense
que estas altíssimas frases lisonjeavam Alexandrina, ela expressa-se assim sobre
os êxtases em que lhe eram comunicadas:
« Sinto horror
pelos êxtases, na dúvida de que sejam uma ilusão... Sinto uma repugnância
indizível ao falar das minhas coisas íntimas. Desejaria que depois dos êxtases
morresse tudo em mim.
Que humilhação! A
correcção dos êxtases, que me é pedida, só Deus sabe quanto me custa ! »
(9/9/44)
Chega a dirigir-se
assim a Jesus :
« Queria amar-Vos
muito, ó Jesus, não ofender-Vos nunca, mas não queria a crucifixão, não queria
ouvir sobre a terra a vossa voz doce e suave, não queria ver o vosso divino
Rosto, nem doloroso, nem glorioso: terei a eternidade para contemplar-Vos e para
ouvir-Vos... »
Mas... para « o cimo
da montanha ». Fala-lhe Jesus:
« Como é
encantadora, como é prodigiosa a tua vida !
Eu queria que
alguém fizesse aquilo que tu não podes.
Folhas soltas,
folhas soltas, aquilo que tu dizes, aquilo que digo de ti...
Tu fazes subir as
almas até Mim. Tu segue adiante! Subiste tanto, estás tão subida! Chegas ao
Infinito, vives do Infinito, falas do Infinito !
Oh vida de Deus
nas almas! Oh prodígio de Deus nas almas ! » (1/4/55)
« Minha filha,
anjo belo, pérola esplendorosa, estrela fulgurante que fazes brilhar toda a
coroa do teu Esposo, diz ao teu director que Eu quero que ele conheça bem o amor
com que tu Me amas, para fazê-lo conhecer ao mundo, porque é de muita glória
para Mim e de proveito para as almas. » (4/10/34)
« Cândido
lírio, louquinha de amor, heroína sempre combatente: Eu quero que tu sofras sem
consolações na alma...
Sentes-te numa
prisão: sou Eu a convidar-te a viver assim...
Quero que o teu
coração viva na dor, na tristeza e na amargura, com o sorriso nos lábios...
Eu não tive
consolação em toda a minha paixão...
Eu amo-te com
um amor particular, com um amor totalmente reservado; por isso te faço
semelhante a Mim. » (25/9/38)
Num êxtase de 12 de
Janeiro, Jesus diz à Alexandrina
« Minha filha,
jardim do Paraíso, em ti semeio; a ti vem o mundo colher flores de virtudes,
flores de amor. Minha filha, tesouro escondido, em ti se encerra a riqueza
divina. » (12/1/45)
* * *
É semelhante o tom no
êxtase 9 de Março do mesmo ano:
« És cheia de
graça, minha filha, porque Jesus está contigo.
És cheia de
luz, pureza e amor, porque a ti desceu do Céu, agora, o Espírito Santo.
Já em ti
habitava, mas agora, como nunca, baixou a ti. Deixou o seu trono de glória e
veio ao meu trono, ao meu paraíso, ao meu céu na terra. Veio ao ninho do teu
Coração.
Desceu a ti,
como outrora desceu sobre os Apóstolos.
De hoje em
diante terás luz, toda a luz, para conheceres e compreenderes a grandeza do meu
amor, o meu poder, a minha misericórdia e a grandeza da ofensa feita ao meu
Divino Coração.
És um livro de
ciência,
és o cofre onde
estão depositadas todas as ciências divinas,
tudo o que
pertence ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo.
Ó maravilha, ó
prodígio sem igual ! ».
Mesmo admitindo que
nem tudo nestas frases é para tomar à letra, isto raia o inimaginável.
« Coragem,
minha filha !
Custa muito ser
tratada assim, bem o sei. Mas isso que custa mais consola o teu Jesus.
O meu coração
faz-Se violência em ver-te sofrer assim.
Quero-te nos
meus santíssimos braços com a mesma simplicidade de uma criança nos de sua mãe.
Quero-te mais
brilhante que os anjos.
Sim, porque os
anjos são brilhantes por natureza e tu sê-lo-ás porque te conservaste, porque
permites a Jesus trabalhar em ti livremente e enriquecer-te com as mais belas
virtudes. » (17/10/34)
« Minha rainha,
minha rainha, porque Eu sou o teu rei; reino em ti, és portanto minha rainha...
Dou-te mais: o
título de rainha da dor, rainha do amor, rainha dos pecadores.
Reinarás,
triunfarás sobre eles ! » (3/11/44)
« Uma coroa
encantadora, mais esplêndida que o sol e as estrelas, está preparada para a
louca de Jesus !
Jesus é tudo
para a sua crucificada !
Jesus dá-lhe
tudo para receber dela tudo ! » (30/10/42)
« Oh, que
agonia será a tua !
Assim ficarão
escritas no livro da tua vida todas as maravilhas e as ciências divinas, livro
que nunca teve igual.
Podem vir todos
ao jardim que Eu cultivei, para colherem flores de virtude, flores de pureza,
flores de graça, flores de caridade, flores de heroísmo, flores de toda a
variedade.
Vinde todos,
colhei, são flores celestes!
Depois disto,
chegará depressa o céu.»? (23/3/40)
Por fim uma oração
que o próprio Jesus lhe ensinou:
« Jesus, eu Vos
adoro em todo o lugar onde habitais sacramentado;
faço-Vos companhia
pelos que Vos desprezam,
amo-vos pelos que não
Vos não amam ;
desagravo-Vos pelos
que Vos ofendem.
Jesus, vinde ao
meu coração ! »
Depois da leitura
destas amostras dos colóquios, ficam claras várias coisas: teologicamente, isto
é belíssimo, mesmo quando parece ultrapassar os nossos pobres esquemas, e
justifica o entusiasmo daqueles que mais intimamente com ela trataram ou lhe
conhecem os escritos; literariamente, confirma-se que nestes escritos a poesia
muitas vezes salta aos olhos; por fim, adivinha-se o que desejava Jesus quando
lhe prometeu que, após a sua morte, o seu nome chegaria aos confins do mundo. É
ainda visível a urgência de possuir e divulgar uma colectânea original desses
escritos.
Para rematar, um
poético e solene compromisso de Alexandrina para quando tivesse subido ao mais
alto cimo da mais alta montanha :
«No céu estarei
como o pobre cego à beira da estrada, de mão estendida, pedindo esmola. Eu
pedirei graças a Deus para as espalhar sobre a terra».
José Ferreira
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