

A casa
onde viveu
a Alexandrina
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CapítulO 1
FLOR DO
CAMPO
1904-1911
Ano Santo
de 1904. 50.º aniversário da definição dogmática da Imaculada Conceição.
A 30 de Março, quarta-feira de trevas, nascia em Gresufes, lugar da
freguesia de Santa Eulália de Balasar, a 20 quilómetros da Póvoa de
Varzim, a privilegiada filha de Maria Imaculada, Alexandrina Maria da
Costa.
Foram
seus pais António Gonçalves Xavier, falecido a 5 de Outubro de 1944, com
69 anos de idade, e Maria Ana da Costa, nascida a 22 de Janeiro de 1877,
que descansou no Senhor a 24 de Janeiro de 1961.
Baptizaram-na a 2 de Abril, Sábado Aleluia, sendo padrinhos um tio
materno do nome Joaquim da Costa e uma senhora de Gondifelos, chamada
Alexandrina.
Em
Gresufes viveu com sua mãe é irmã mais velha Deolinda Maria, em casa dos
tios, todo o tempo da infância e alvores da adolescência, até que,
adquirindo sua mãe casa própria, no lugar do Calvário da mesma freguesia
de Balasar, para aí se transladaram.
Calvário
se denomina o pequeno morro onde se encontra a dita casa: segundo
tradição relativamente recente, teria aparecido aí desenhada no chão uma
Cruz, em 21.6.1832, Corpus Christi, no que levou a piedade do bom povo
de Balasar a erguer-lhe uma capela com confraria própria, encarregada de
celebrar cada ano a festa da Santa Cruz.
Dir-se-ia
que esta Cruz misteriosa prenunciava a vítima que mais tarde havia de
vir para esse Calvário.
Até aos três anos — escreve a Alexandrina, nas notas
autobiográficas que, por obediência ao director
espiritual redigiu, — não me recordo de nada, a não ser
alguns carinhos que dos meus recebia. Com os meus três
anos recebi o primeiro miminho de Nosso Senhor. Como era
desinquieta, enquanto minha mãe descansava um pouco,
tendo-me deitado junto dela, eu não quis dormir e
levantando-me, subi à parte de cima da cama para chegar
a uma malga que continha gordura de aplicar no cabelo,
conforme era uso da terra e, por ter visto alguém
fazê-lo, principiei também a aplicá-lo nos meus cabelos.
Minha mãe deu por isto; falou e eu assustei-me. Com o
susto deitei a malga ao chão, caí em cima dela e feri-me
muito no rosto... Minha mãe levou-me a Viatodos a um
farmacêutico de grande fama, que me tratou, embora com
muito custo, porque foi preciso coser a cara por três
vezes e levou bastante tempo a cicatrizar a ferida. O
sofrimento foi doloroso.
Ah! se nesta idade eu soubesse já aproveitar-me dele!
Mas não: depois de um curativo, fiquei muito zangada com
o farmacêutico; este ofereceu-me alguns biscoitos que
depois de amolecidos no vinho queria que eu comesse. Eu
tinha fome e às vezes até chegava a chorar, porque não
podia mexer os queixos. Não aceitei a oferta e ainda
maltratei o farmacêutico. Ora aqui está a minha primeira
maldade.
Na
autobiografia nota-se como primeira preocupação da redactora, deixar-nos
bem patentes os seus defeitos.
Encontro em ruim desde a mais tenra idade, tantos
defeitos; tantas maldades, que, como as de hoje (escreve
em 1940), me fazem tremer. Era meu desejo ver a
minha vida, logo desde o princípio, cheia de encantos e
de amor para com Nosso Senhor.
Se depois
os procuramos, a pouco se reduzem esses chamados defeitos e maldades. Em
notas escritas a nosso pedido em 1934, por sua irmã Deolinda e a
professora da terra, D. Conceição Proença — a Sãozinha — muito íntima
amiga das duas, assim lemos:
Durante este período manifestou sempre a sua principal
qualidade, a bondade. Era muito travessa, viva, não
parava nada com ela, punha tudo em movimento. Trepava às
árvores com uma ligeireza que parecia um gatinho. Foi
sempre obediente. Brincava muito com as companheiras da
sua idade e exercia preponderância sobre elas, porque
desde pequenina era muito forçosa. Entretinha-se muito
com flores fazendo com elas rosários . Já nesse tempo
empregava-se nos trabalhinhos domésticos, preferindo os
de lavar roupa num tanue da casa onde vivia. Aos
domingos vinha sempre à catequese com sua irmã Deolinda
e primas. Durante o trajecto, cantava vários cantos da
Igreja.
Além
desta vivacidade de carácter, a Alexandrina enumera ainda, entre os seus
defeitos, certa teimosice de criança e os primeiros prenúncios de
vaidade feminina em gostar de parecer bem.
Mas o que
mais ressalta destas notas singelas é o suave perfume dessa florinha do
campo que o Espírito Santo predestinara para Si.
Já pelos
quatro anos amava a oração e deliciava-se a contemplar o céu estrelado.
Não sei o que me atraía para lá. Se nesta idade
manifestava os meus defeitos, também mostrava o meu amor
para com a Mãe do Céu e lembro-me com que entusiasmo
cantava os versinhos a Nossa Senhora e até recordo o
primeiro cântico que entoei na Igreja que foi: Virgem
pura, tua ternura, etc. Gostava muito de levar
flores às zeladoras que compunham o altar da Mãezinha.
Deu-lhe
Deus desde tamanina um coração cheio de bondade, para com todos,
sobretudo para com os que sofrem.
Lembro-me que nesta idade — escreve ela — tinha em casa
uma tia doente que morreu de um cancro e chamava-me para
ir embalar um filhinho, primeiro fruto do seu
matrimónio, serviço que fazia com toda, a prontidão,
quer de dia quer de noite.
Algumas
páginas mais adiante, escreve ainda:
Era muito amiga dos velhinhos, pobrezinhos e enfermos e
quando sabia que algum não tinha roupinha para ser
cobrir, pedia à minha mãe e ia levar-lhe, ficando por
vezes a fazer-lhe companhia.
Já mais crescidinha assisti à morte de alguns, rezando o
que sabia e por fim ajudava a vestir os defuntos, o que
me custava imenso. Fazia-o por caridade: não tinha
coração para deixar sozinha a família dos mortos e, por
serem pobrezinhos, fazia-o com multo gosto. Dava esmolas
aos pobres e sentia grande alegria em fazer obras de
caridade. Algumas vezes chorava com pena deles e por não
lhes poder valer em todas as suas necessidades. A minha
maior satisfação era dar-lhes daquilo que tinha para
comer, privando-me assim do meu alimento. Quantas vezes
fiz isto!
Apesar de muito criança, ainda dei muitas vezes
conselhos a pessoas de bastante idade, evitando que
praticassem até crimes horrendos e de tudo guardava
absoluto segredo. Vinham ter comigo e faziam-me
conversas que não eram próprias da minha idade e eu
confortava-as e dizia-lhes o que entendia. Presenciei e
soube de vários casos que por caridade não contei.
Quanto me julgo reconhecida a Nosso Senhor por ter
procedido assim; era a sua graça e não a minha virtude.
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