“Eu
vou vivendo à vontade do Nosso Senhor e que, portanto, também é a
minha.” Está aqui condensada toda a vida da Beata Alexandrina :
fazer em tudo a vontade de Deus e fazer desta a vontade própria.
Para
ser santo (ou santa), não é necessário ter visões, locuções
interiores ou qualquer outro carisma especial ; para ser santo (ou
santa), é “simplesmente” necessário por em prática os dois primeiros
mandamentos de Deus que são um condensando de todos os outros ; o
resto é “dado por acréscimo”.

“Amar a Deus e o próximo como a nós mesmos” : eis o resumo toda a
doutrina de Jesus. Alexandrina viveu estes ensinamentos de maneira
heróica, por isso mereceu o título de Bem-aventurada.
Esta
espiritualidade “heróica” não impedia que fosse uma pessoa como as
outras, não significa que estivesse privada de tentações. Mas as
tentações tornam-se pecado se forem aceites e praticadas, ou seja,
se houver consentimento deliberado daquele ou daquela que as sofre.
Esta carta é uma prova do que avançamos. Alexandrina diz ao seu
Director espiritual : “Vou-lhe dizer uma coisa com muito custo :
tenho sofrido nesta semana fortes tentações da carne. Pelo menos
duas vezes, foram tão fortes que me obriguei a bater em mim mesmo
até pisar o corpo”.
Para
que estas “fortes tentações da carne” não se tornem pecado ― e
pecado mortal ! ― ela não hesitou a lutar com energia, “a bater em
mim mesmo até pisar o corpo”. “Para os grandes males, grandes
remédios”, diz o povo !... Foi isso que fez a Beata Alexandrina :
“Eu repetia muitas vezes : meu Deus, vinde ao meu auxílio, Senhor
apressai-vos a socorrer-me ; minha Mãe Santíssima, não permitais que
eu ofenda a Jesus nem na mais pequenina coisa”.
Esta
coragem e docilidade mereceram-lhe este convite de Jesus : “mete-te
no meu Coração que lá te fecharei por sempre.”
*****
« Balasar, 18 de Abril de 1935
Viva
Jesus !,
Meu P.
Recebi
ontem a linda cartinha de Vossa Reverência. Muito e muito obrigada.
Estou muito contente por me dizer que vinha ao Porto lá para Junho.
Mas, quando me ponho a pensar, acho que ainda falta tanto tempo ! Eu
estou muito fraca e tenho abatido muito. A Deolinda já me tem dito
que estou a desabituar-me de comer : mas tenho toda a confiança no
meu Jesus que não me há-de levar para o Céu sem que eu me torne a
confessar com Vossa Reverência.
Vou-lhe
dizer uma coisa com muito custo : tenho sofrido nesta semana fortes
tentações da carne. Pelo menos duas vezes, foram tão fortes que me
obriguei a bater em mim mesmo até pisar o corpo. Vinham-me coisas
fracas à cabeça. Não sei o fim de nenhuma : eu repetia muitas
vezes : meu Deus, vinde ao meu auxílio, Senhor apressai-vos a
socorrer-me ; minha Mãe Santíssima, não permitais que eu ofenda a
Jesus nem na mais pequenina coisa. Depois, passado bastante tempo
ficava mais calma. Hoje confessei-me, mas não disse nada disto ao
Senhor Abade, nem lho queria dizer. Peço-lhe, por caridade, para
quando me escrever me mandar dizer se eu fiz pecado. Se eu tiver que
lho dizer, prontamente lhe obedecerei.
Depois
de me confessar, recebi Nosso Senhor e senti uma paz muito, muito
grande. Sabe do que me lembrei ? Quem me dera que todos os
pecadores, que muito ofendem o Nosso Senhor, a sentissem por algum
tempo. Penso que, certamente, não tornariam a ofender a Jesus com
tantos e tão horrendos crimes. Passados uns momentos falava-me Nosso
Senhor :
— Anda cá, ó minha filha, anda cá, ó meu amor. Escuta o teu Jesus.
Estou contigo. Eu venho-te pedir para me acompanhares em toda a
minha paixão e para não dormires quase tempo nenhum esta noite. Vai
para o Cenáculo : medita o que Eu já lá sofri ; mas não quis
deixar-vos sozinhos estabeleci o meu grande sacramento. Acompanha-me
no Jardim das Oliveiras : vê o que Eu lá sofri. Num quadro meus
sofrimentos e noutro os pecados do mundo. E para tantos os meus
sofrimentos inúteis. Desprezam-nos, não os aproveitam. Participa em
toda a minha paixão. O suor de sangue e o beijo de Judas.
Acompanha-me a casa da Anás e de Caifás, que mau trato tiveram
comigo. De manhãzinha cedo acompanha-me a casa de Pilatos, na rua da
amargura, enfim, ao Calvário. Mas, no meio de toda a minha paixão,
não te esqueças dos meus sacrários ; diante de mim, pede-me pelos
pecadores que andam desregrados, entregues às paixões e não pensam
em deixar de me ofender. Pede-me o que quiseres nesta noite bendita,
mais do que em outro dia te alcançarei o que me pedires. Terás
coragem para tanto ? Para este sacrifício que te peço ?
Eu
respondi a Nosso Senhor : eu sem Vós nada posso, mas com o vosso
auxílio prometo ser fiel ao que me pedis. Disse-me Nosso Senhor :
— Eu
estarei sempre contigo e, se assim fizeres, aumentarei muito a tua
glória no Céu.
Uma
força me abraçava e dizia-me Nosso Senhor :
— Une-te toda a mim, mete-te no meu Coração que lá te fecharei por
sempre. Vive para mim e para me salvar as almas.
Eu vou
vivendo à vontade do Nosso Senhor e que, portanto, também é a minha.
Mas custa tanto ! uns dias acho fervor nas minhas orações, estou
animada ; outros dias tudo me desaparece. Beijo o crucifixo e
parece-me que não o beijo com amor. Quando sei que algum dia vou
comungar, digo assim : tal dia recebo a Nosso Senhor, mas parece-me
que não digo isto do coração. Enfim, por aí adiante. Mas seja feita
a vontade do meu Jesus.
Não
quer o demónio que eu mande dizer nada a Vossa Reverência a tudo me
põe obstáculos. Disse-me assim :
— Manda-lhe dizer manda, é o que ele quer saber. Daqui a pouco, está
o gato descoberto. Que vergonha para ti quereres-te fazer melhor do
que és.
A
respeito do que lhe mandei dizer na outra carta, afim de Nosso
Senhor não me levar para o purgatório dizia-me o maldito :
— Não lho mandes dizer.
E
dizia-me que Nosso Senhor era impostor e mentiroso e depois não
tens quem peça por ti.
Adeus,
por hoje. Lembranças da mãe e da Deolinda. Da Senhora Dª Sãozinha,
destes dias nada lhe sei dizer. Esteve aqui no domingo e na
segunda-feira. Contra a vontade dela, levaram-na para Braga para
passar a Semana Santa. Anda melhor, mas maldito nervoso que a
consome. Lembra-se de fazer cada coisa ! Precisa muito que peçam por
ela e é o que ela muito, muito recomenda. E por mim, bem vê que tem
que pedir muito a Jesus. Sou muito fraca, tenho muito medo de O
ofender. Eu, por Vossa Reverência, continuo a pedir muito nas minhas
pobres orações e prometo esta noite recomendá-lo muito, muito a
Nosso Senhor.
Abençoe
por caridade a pobre,
Alexandrina M. C. »
|