Júlio
César ― nome de baptismo do Santo – nasceu em Brindisi a 22 de julho de 1559,
filho de Guilherme Russo e Isabel Masella, casal
modelarmente religioso, que
desde o berço lhe incutiu o temor e o amor de Deus.
Aos oito anos de
idade perdeu o pai; pouco depois foi admitido na escola dos meninos oblatos,
espécie de pequeno seminário dos frades franciscanos, onde sua inteligência
invulgar, fidelíssima memória e aplicação ao estudo o fizeram notar por parte de
mestres e condiscípulos.
Adolescente, foi
morar com o tio paterno, Padre Rossi, em Veneza. Este dirigia uma escola privada
para alunos que seguiam o curso na Universidade de São Marcos e logo descobriu
no sobrinho o tesouro que lhe fora confiado. Não hesitou em incentivá-lo na via
da santificação e no desejo de abraçar a vida religiosa.
Assim, Júlio
César entrou para a Ordem dos Capuchinhos, em Veneza, tomando em religião o nome
Lourenço, com o qual tornar-se-ia célebre.
Entregou-se ao
estudo das línguas latina, hebraica e grega, além de aprofundar-se em História,
Filosofia e Teologia. Sua memória era tão prodigiosa, que aprendeu a Bíblia de
cor, confidenciando mesmo a um condiscípulo que, se por desgraça essa obra
sagrada viesse a desaparecer, ele seria capaz de reconstituí-la.
Frei Lourenço foi
incumbido de pregar mesmo antes de sua ordenação, obtendo muitas conversões,
tanto nesse período quanto depois de tornar-se sacerdote.
Tendo o eco do
sucesso de Frei Lourenço chegado aos ouvidos do Papa Clemente VIII, incumbiu-o
este das pregações aos judeus de Roma. Além de grande teólogo, familiarizado com
as Sagradas Escrituras, Frei Lourenço tinha a vantagem de falar correntemente o
hebreu. Cumpriu sua missão com êxito extraordinário, o que levou alguns judeus
influentes, com considerável número de seus correligionários, a solicitar serem
instruídos na verdadeira Religião.
Aos 30 anos, Frei
Lourenço foi eleito Guardião (Superior do Convento) de Bassano del Grappa. Três
anos após, Vigário Provincial da Toscana e depois de Veneza. Em 1596 elegeram-no
Definidor Geral da Ordem, um dos mais elevados cargos. Mais tarde, tornou-se
Guardião de Veneza e Provincial da Suíça.
Bastião da Cristandade perseguida
Do Tirol e do
Império Austro-Húngaro apelaram aos Capuchinhos para socorrer a fé ameaçada.
Frei Lourenço foi escolhido para chefiar um grupo de 11 confrades e fundar
Mosteiros em Praga e Viena.
O problema era
delicado por causa da pusilanimidade e superstição do Imperador Rodolfo e da
influência que exerciam vários de seus auxiliares protestantes ― inclusive o
famoso astrónomo Tyco-Brahe ― os quais envenenavam as relações do monarca com os
missionários. Foi necessário o apoio de influentes nobres católicos para a
revogação de uma sentença de expulsão dos religiosos.
O intrépido
missionário pôs-se então a pregar, "refutando com coragem e impetuosidade
implacável" (*) os hereges. Começou a participar de reuniões, promovidas por
damas da aristocracia, entre católicos e protestantes, para debater problemas
religiosos; seus conhecimentos de Teologia e da Sagrada Escritura
propiciavam-lhe sempre superioridade nas discussões.
Foi-lhe assim
possível fundar três conventos no Império: em Praga, Viena e Gratz, cidade então
governada pelo Arquiduque Ferdinando, futuro Imperador, que na época contava 21
anos.
Exímio cruzado, diplomata e
mediador
Quando os turcos
invadiram a Hungria e rumaram para Viena, dois capuchinhos foram solicitados
para capelães das tropas imperiais. Frei Lourenço decidiu ser um deles.
No campo de
combate de Alba Real, o Santo era visto em toda parte confessando e animando os
soldados. No ardor da batalha, munido de um Crucifixo, foi adiante das tropas
gritando: "Avancemos, avancemos!" Por mais que os inimigos se empenhassem
em derrubá-lo, foi-lhes impossível. Uma como que mão invisível desviava de tal
maneira todos os golpes assestados contra o capuchinho, que os soldados
refugiavam-se atrás dele como da mais protectora muralha... Apesar da
inferioridade de armas, os filhos da Cruz desbarataram as tropas de Mafoma,
infligindo-lhes pesada derrota.
Cena semelhante
repetiu-se quando Frei Lourenço exerceu missão diplomática na Espanha, propondo
a Felipe III, da parte do Papa Paulo V, nova investida contra os mouros daquele
país. Estes, reorganizando-se, já constituíam uma força ameaçadora. Sob o
comando de Dom Pedro de Toledo, um reduzido número de cristãos, inflamados pelo
zelo do santo capuchinho, expulsou então os mouros de suas melhores posições,
apoderando-se de seus bastiões.
São Lourenço de
Brindisi exerceu também papel-chave na formação de uma Liga Católica, idealizada
pelo Duque Maximiliano da Baviera, a fim de opor-se à Liga Protestante.
Visitando os
Príncipes católicos e obtendo sua adesão – sobretudo a do Rei da Espanha, então
a mais poderosa nação católica da Europa – tornou ele realidade esse plano.
Com sua
habilidade diplomática, apoiada sobretudo em sua fama de santidade, Frei
Lourenço, a pedido do Papa, conseguiu várias vezes evitar guerras fratricidas
entre os Príncipes católicos, tendo reconciliado também o Arquiduque Matias com
seu irmão, o Imperador Rodolfo, pois o primeiro ameaçava abrir uma cisão no
Império e iniciar um conflito. Do mesmo modo, conseguiu fazer cessar uma guerra
entre o Rei Felipe III da Espanha e o Duque da Sabóia, bem como outra entre o
Duque de Parma e o de Mântua.
Colocando a Fé
católica acima de tudo, São Lourenço de Brindisi sempre foi um paladino contra
os inimigos da Igreja e um arauto da paz entre os príncipes católicos.
Polemista extraordinário e
taumaturgo
Frei Lourenço
polemizou com o pastor luterano Policarpo Leyser, que escrevera contra ele e os
jesuítas um panfleto cheio de injúrias, no qual os desafia a refutá-lo por
escrito.
Nessa polémica,
julgou melhor atacar directamente Lutero, cabeça da heresia, do que aquele
Pastor, um de seus inexpressivos membros. Com seu profundo conhecimento da
Escritura em seus originais grego e hebreu redigiu uma refutação "das mais
originais e das mais geniais jamais concebidas". Isto é, um manual de
"consulta rápida e de linhas-mestras claras e precisas", no qual vê-se a
"habilidade e competência impressionantes do autor no emprego dos textos
originais da Santa Escritura sobre os quais os protestantes pretendiam
apoiar-se", partindo assim "para um ataque formidável contra Lutero".
Para a redacção desse manual, o Santo "compulsa pessoal e escrupulosamente
as próprias obras do heresiarca".
Suas actividades
eram quase sempre apoiadas por estupendos milagres, narrados por seu primeiro
biógrafo e contemporâneo, Frei Lourenço d’Aosta: cegos viam, paralíticos
andavam, mudos agradeciam em alta voz. Em cada vilarejo que entrava, era
recebido com uma verdadeira apoteose. Feliz época aquela, em que a virtude era
popular!
Frei Lourenço
ligou-se de santa amizade com o Duque da Baviera, Maximiliano, em quem via um
grande zelo pela Religião. A pedido deste, obteve a cura da Duquesa, que sofria
de histeria e esterilidade.
Vigário-Geral da Ordem
Em 1602, os
padres capitulares elegeram Frei Lourenço para Vigário-Geral da Ordem. Ao mesmo
tempo, confiaram-lhe o cuidado de visitar as províncias transalpinas da mesma.
Viajando a pé, às
vezes percorrendo até 40 milhas por dia, tanto durante o tórrido verão quanto o
frígido inverno, ou enfrentando chuvas torrenciais, visitou ele, em um ano, as
Províncias da França, Países Baixos e Espanha.
Nessas visitas,
algumas vezes Frei Lourenço ia à cozinha lavar a louça utilizada por seus
confrades. Mas esse ato de humildade não o impedia de utilizar a energia, quando
necessário. Assim, num convento que dispunha de muitas comodidades, ao lado de
uma igreja mal cuidada, chamou a atenção do Guardião: "Deus antes, vós
depois" disse-lhe. "Não tendes vergonha de estar todos em um convento
aquecido e de mesa bem guarnecida ao lado de uma capela ameaçada de ruína, com a
chuva inundando o santuário?"
Seu zelo pelo
cumprimento das regras pode ser avaliado pelas Ordenações que deixou em
diferentes lugares e os apelos contínuos, insistentes e enérgicos em prol da
austeridade tradicional da Ordem, especialmente da mais estrita pobreza.
Os
dois grandes amores de São Lourenço:
a Virgem Maria e a Sagrada Eucaristia
A devoção que
Frei Lourenço votava à Virgem Maria representa algo de inexprimível. Era uma
devoção "impregnada de reconhecimento. Ninguém mais que ele foi tão
convencido de tudo ter recebido de Maria e por intermédio de Maria". Entre
outras graças insignes que o Santo Lhe atribui está a de nunca ter sido sujeito
às tentações de sensualidade.
Do púlpito,
dizia: "Todo dom, toda graça, todo benefício que temos e que recebemos
continuamente, nós os recebemos por Maria. Se Maria não existisse, nós não
existiríamos e não haveria o mundo". "Deus queira – insistia ele – que
todos, todos, todos, e desde a infância, aprendessem bem depressa essa verdade:
aquele que se confia a Maria, que se entrega a Maria, não será jamais
abandonado, nem neste mundo nem no outro".
Ele transcreveu,
numa obra intitulada Mariale, os sentimentos de seu coração: "É uma
mobilização de toda a Escritura para defesa e exaltação da Mãe de Deus".
"É o que se escreveu de melhor e de mais completo sobre a Virgem Mãe de Deus".
A outra grande
devoção de São Lourenço de Brindisi foi à Sagrada Eucaristia. Ela se exprimia
mais propriamente durante o Santo Sacrifício da Missa, que era "o centro não
somente de sua vida espiritual, mas de toda sua existência". Para poder expandir
seu coração nesse sublime mistério, ele obteve do Papa as dispensas e os
indultos necessários, de modo que – coisa inusitada naquela época – podia
celebrar a qualquer hora do dia ou da noite. O santo "prolongava a celebração
[da Missa] durante seis, oito, 10 horas ou mais". Isso se explica pelos
frequentes êxtases que o arrebatavam nas várias partes do Santo Sacrifício.
Última Missão e predição da morte
A última missão
que exerceu foi junto a Felipe III, contra o Duque de Ossuna – homem valente,
mas devasso e corrompido, que oprimia seus vassalos – acobertado na Corte por
seu parente, o Duque de Uceda, favorito do Rei.
Embora o soberano
estimasse muito Frei Lourenço, não queria descontentar o Duque de Uceda. Em
vista disso, as coisas não iam para a frente. A Santa Sé também, temendo a
cólera do Duque de Ossuna, Vice-rei de Nápoles, não ousava dizer uma palavra
para fazê-lo cair.
Frei Lourenço,
inflamado de zelo, para provar a santidade da causa que defendia, revelou que em
breve morreria e que no prazo de dois anos o Soberano espanhol e o Papa o
seguiriam ante o tribunal de Deus.
Poucos dias
depois, após um ataque agudo de gota seguido de febre, Frei Lourenço entregava
sua alma a Deus, quando cumpria 60 anos. O Papa Paulo V seguiu-o, em janeiro de
1621, e dois meses após, Felipe III. Três anos depois, era a vez do Duque de
Ossuna, a quem Felipe IV mandara processar e prender no castelo de Almeida...
Notas :
(*) – Frei Arthur de Carmignano, O.F.M. cap., Saint Laurent de Brindes,
tradução francesa de Frei Flavien de Québec, O.F.M. cap., Roma, Postulation
Générale des Frères Mineurs Capucins, 1959, pp. 22-23. Todos os trechos entre
aspas, sem menção da fonte, foram extraídos dessa obra.
Artigo extraído
da
Revista Catolicismo de Julho de 1999
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