Santa Joana de Valois, filha, irmã e esposa de Reis, era disforme,
quase anã e corcunda. Foi desprezada pelo pai, rejeitada pelo esposo
e teve seu casamento declarado nulo. Exemplo heróico de paciência e
perseverança, tornou-se a fundadora de uma congregação religiosa
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Foi
grande o choque e desgosto de Luís XI, da França, ao saber que sua
esposa, Charlotte de Savoia, em vez do robusto e belo menino que ele
esperava, deu-lhe uma filha. E ainda mais, feia, disforme, diminuta,
raquítica. Por isso, praticamente desde o primeiro instante,
desprezou o novo pequenino ser.
Santa
Joana de Valois. – A. Padrão
Mosteiro das Anunciadas de Balsamanso – Portugal século XVIII
A
Rainha, pelo contrário, boa e piedosa, com terna solicitude formou
sua pequena Joana na via da sabedoria cristã, tendo a satisfação de
ver que a menina recebia com precoce avidez tudo o que ia na linha
da virtude. Assim, “aos cinco anos, pedia à governante que a
conduzisse à igreja; e já, pelas suas palavras e exemplos, edificava
seu irmão Carlos, e Ana, sua irmã, que com ela foram educados no
castelo de Amboise”.
Desamparada, é
sustentada pela Mãe celeste
O
pai, entretanto, não via com bons olhos essa piedade, e proibiu-a
mesmo de rezar, sob a ameaça de severos castigos. “Esse pai
imprudente formava assim, com suas próprias mãos, o primeiro elo
dessa cadeia de sofrimentos que iria compor toda a vida dessa
virtuosa princesa. Numa idade tão tenra e em tão grande perigo,
Joana não podia esperar um apoio proporcionado à sua fraqueza na
terra; também procurava alguma mão para defendê-la, uma luz para
dirigir seus passos. Lançando-se um dia nos braços de Maria, com um
amor e uma confiança sem limites, disse ela: ‘Ó minha Mãe,
ensinai-me Vós mesma o que é necessário que eu faça para Vos
agradar’. Aquela que não se invoca jamais em vão dignou-se responder
nestes termos: ‘Minha filha, seca tuas lágrimas; um dia tu fugirás
deste mundo do qual temes os perigos, e darás nascença a uma Ordem
de santas religiosas ocupadas a cantar os louvores de Deus, e fiéis
a seguirem meus passos’” .
“Se bem que desprovida pela natureza, débil, disforme e corcunda, na
idade de nove anos seu pai contratou seu noivado com o jovem Duque
de Orléans, seu primo, de onze anos de idade. O casamento foi
celebrado três anos mais tarde, em 1476” .
O
Duque de Orléans, primeiro Príncipe de sangue, protestou
veementemente contra essa violência. Não conseguindo evitá-la,
voltou contra a jovem esposa todo seu desprezo e ódio, praticamente
ignorando-a. Joana retribuía a atitude agressiva do marido com uma
submissão a toda prova. Mas nada conseguia aplacá-lo.
Entretanto, Luís XI, que apesar de tudo temia a Deus, adoeceu
gravemente. E tendo ouvido contar as maravilhas que São Francisco de
Paula operava na Itália, sentindo-se nas últimas, obteve do Papa que
desse ao fundador dos Irmãos Mínimos – um ramo reformado dos
Franciscanos – a ordem de ir ter com ele na França. Esperava ser
curado por um milagre do santo. Mas tal não era a vontade da
Providência. Luís morreu confortado por Francisco de Paula, tendo
antes ordenado à filha que o tomasse como diretor de consciência.
Sucedeu-lhe no trono seu filho Carlos VIII. E, como prova de
gratidão a São Francisco de Paula pelo bem que fizera a seu pai e a
toda a Corte com sua edificante vida, “tornou-se amigo de
Francisco e doou vários mosteiros para os Mínimos. Francisco passou
o resto de sua vida no de Plessis, que Carlos havia construído para
si” .
Ingratidão e repúdio
por parte do marido
Numa
desavença entre os dois primos, o Duque de Orléans levantou-se em
armas contra seu Rei. Derrotado, foi condenado à morte. Mas, às
instâncias de Joana, seu irmão, Carlos VIII, não só comutou a
sentença como concedeu liberdade ao rebelde.
A
gratidão é das mais frágeis virtudes. Pouco tempo depois Carlos VIII
falecia, e o Duque de Orléans subia ao trono com o nome de Luís XII.
Um de seus primeiros actos foi exactamente o de pedir ao Papa a
declaração de nulidade de seu casamento por ter sido a ele forçado e
jurando não ter sido consumado .
A
notícia do repúdio da Rainha encheu de indignação o reino, que
venerava sua bondade e virtude. Mas, para Joana, a humilhação foi
uma libertação, pois assim podia entregar-se inteiramente à piedade
e levar avante a obra que a Santíssima Virgem lhe predissera quando
era ainda criança.
Seu
pai lhe havia dado, entre outros, o Ducado de Berry, onde ela
escolheu a cidade de Bourges para fixar residência. Seus habitantes
a receberam como verdadeiro presente do Céu. Ela não deixaria mais
seu caro Berry, que edificaria com sua devoção e piedade.
Joana
continuava dirigindo-se espiritualmente, por correspondência, com
São Francisco de Paula. Consultou-o particularmente sobre seu desejo
de estabelecer uma nova congregação religiosa feminina em honra da
Anunciação da Virgem, como a Mãe de Deus lhe havia revelado.
Evidentemente, num assunto de tal monta para a glória de Deus e
exaltação de Sua Santa Mãe, o santo franciscano não podia senão pôr
todo seu empenho. E incentivou-a de todos os modos possíveis a dar
andamento ao plano.
Joana
expôs então o plano a seu confessor, o franciscano Gilberto de
Nicolaï (ou Gilberto Nicolas, como afirmam outros, e que depois, por
sua grande devoção a Nossa Senhora, mudaria seu nome para o de
Gabriel Maria). Este não partilhava a mesma opinião, e aconselhou
Joana, em vez de iniciar nova congregação, a fundar uma casa de
alguma das congregações já existentes, como fizera sua mãe Charlotte
de Savoia, estabelecendo as Clarissas em Paris.
Após obstáculos,
aprovada a nova congregação
Dois
anos se passaram sem que o confessor mudasse de posição. Enfim,
caindo a Princesa seriamente enferma, o assustado confessor deu-lhe
imediatamente a autorização, com o que ela foi recuperando as forças
até se restabelecer completamente.
Joana, tendo já um bom número de candidatas, passou a redigir as
regras da nova instituição, sob o título “Das dez virtudes” ou “Dos
dez prazeres da Virgem”.
Como
todos os fundadores, a Princesa encontrou sérias dificuldades para a
aprovação de suas regras. Para isso ela enviara seu próprio
confessor a Roma. Quando todas as portas pareciam fechadas e a
missão destinada ao total fracasso, entrou em cena o Cardeal João
Baptista Ferrier, Bispo de Módena. Conhecido por seu saber e
virtude, e com muita autoridade na Corte Pontifícia, teve uma visão
na qual São Lourenço e São Francisco ordenavam-lhe que promovesse a
aprovação daquela santa regra. Assim foi feito pelo Papa Alexandre
VI, edificado pelo empenho de tão alta Princesa da Casa Real da
França nessa obra.
Enquanto isso, Joana obtinha do Rei, seu ex-esposo, todas as
licenças necessárias para edificar, em uma de suas terras, um
mosteiro. Trabalhou também para a reforma de um convento de
religiosas beneditinas que tinham perdido seu primitivo fervor.
Durante a construção do convento, vários milagres comprovaram que a
mão de Deus estava ali.
Não
menor empenho pôs a Princesa na preparação espiritual de suas
filhas. Escolheu as cinco mais virtuosas das candidatas para a
tomada do hábito da Ordem da Anunciação, em 8 de outubro de 1502.
Assim começou essa instituição que, da cidade de Bourges,
espalhou-se pela França e depois pelo mundo.
Joana
era a primeira a dar o exemplo do mais perfeito espírito evangélico.
Renunciou a todos os seus bens, dos quais não se utilizava senão com
a aprovação do Superior da Ordem, vivendo assim na mais perfeita
pobreza, obediência e castidade.
União perfeita de
corações
A
Princesa chegou a um tal grau de oração que, segundo narram as
crónicas, estando certo dia em oração durante a Santa Missa, viu num
êxtase Nosso Senhor Jesus Cristo e a Santíssima Virgem.
Apresentaram-lhe seus corações num prato, pedindo-lhe que ali
pusesse também o seu. Joana ficou perplexa, pois procurando-o, não o
encontrou. Ficou comprovado, assim, que seu coração estava mais
perfeitamente unido ao de Nosso Senhor que a seu próprio corpo .
Embora tivesse só 40 anos, Joana de Valois, vítima de incurável
doença do coração, sentiu que sua vida terrena chegava ao fim.
Despediu-se de suas filhas espirituais, dando a cada uma, em
particular, um conselho. A 4 de fevereiro de 1505 entregou a Deus
sua bela alma, que sustentara corpo tão disforme.
Arrependimento tardio
de Luís XII
Durante hora e meia após sua morte, todos podiam ver uma
extraordinária claridade em seu quarto, enquanto outras pessoas
notaram a presença de uma clara nuvem sobre a igreja das Anunciadas.
Ao
mesmo tempo em que os solenes sinos da catedral de Bourges
anunciavam seu trânsito para a eternidade, um sinistro cometa
apareceu sobre o palácio do Rei Luís XII. Assustado e tardiamente
arrependido, ele convidou todos os habitantes da cidade para o
esplêndido funeral, honra póstuma que prestava àquela que tanto
desprezara em vida.
Joana
de Valois foi enterrada com todas as cerimónias devidas à nobreza de
seu sangue.
Corpo
incorrupto: vítima de ódio herético
Quando foi exumada, 56 anos após sua morte, seu corpo foi encontrado
totalmente incorrupto. “Mas no ano de 1562 os heréticos calvinistas,
tendo surpreendido as melhores cidades da França e declarado guerra
a todas as coisas santas e sagradas, não pouparam as sagradas
relíquias dos Santos. Queimaram então o corpo dessa Bem-aventurada
Princesa e atiraram suas cinzas ao vento” .
Assim, aquilo que o próprio fruto do pecado original havia
poupado – o corpo incorrupto da Santa –, o ódio sectário dos
protestantes destruiu.
Plinio Maria Solimeo
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