Isabel
Catez nasceu, no campo militar de Avor, perto de Bourges, França. O
seu pai era capitão do exército francês. Desde muito cedo que Isabel
mostrou ser uma criança turbulenta, muito viva, faladora, precoce e
de
temperamento
colérico. A sua mãe quando fala dela nalgumas cartas chama-a
«autêntico diabinho». E a sua irmã não hesita em escrever que era
«um verdadeiro diabo». Chega mesmo a dizer que era tão violenta que
os familiares a ameaçaram enviar para uma casa de correcção. No
entanto, a sua mãe, atenta, soube modelar a fúria de Isabel e fazer
sobressair nela a ternura e docilidade. E de tal maneira a ternura
ganhou terreno que o maior castigo de Isabel acontecia quando a sua
mãe, à noite, se despedia dela sem lhe dar um beijo. Então, Isabel
compreendia que não se tinha portado bem, e, meditando fazia exame
de consciência e corrigia-se. Isabel era ainda uma criança quando a
sua família se mudou para a cidade de Dijon. Aqui Isabel perdeu o
pai tão querido que a morte lhe roubou. O dia da primeira comunhão,
a 19 de Abril de 1891, foi «o grande dia» da vida de Isabel. Tinha
então 10 anos, pois nascera no dia 18 de Julho de 1880. Estudou
piano desde os 8 anos de idade no Conservatório, vindo a tornar-se
uma «excelente pianista», segundo expressão do seu professor de
música. Participou em concertos organizados, e, os jornais falaram
do seu grande talento ainda mal a menina Catez chegava aos pedais do
piano. Entre músicas e festivais, bailes, férias e diversões foram
decorrendo os anos de Isabel.
Aos
catorze anos sentiu-se irresistivelmente atraída por Jesus. Aos 18 a
sua mãe pretendeu casá-la com um esplêndido noivo, mas Isabel
respondeu: «o meu coração já não está livre, dei-o ao Rei dos reis,
já dele não posso dispor». O desgosto da mãe foi grande. Mas foi
mais amargo quando soube que Isabel queria entrar no Carmelo, que
tantas vezes tinham visitado, pois ficava ali a dois passos. A mãe
apenas consentiu a entrada da filha no Carmelo quando alcançou a
maioridade, aos 21 anos. No dia 2 de Agosto de 1901, Isabel entra
definitivamente nessa bela montanha do Carmo que pela sua solidão e
beleza a atraiu irresistivelmente. A partir de então o seu nome será
Irmã Isabel da Santíssima Trindade. «Gosto tanto do mistério da
Santíssima Trindade! É um abismo no qual me perco. Deus em mim, eu
n’Ele. É o grande sonho da minha vida. Para uma carmelita viver é
estar em comunhão com Deus desde a manhã até à noite, e desde a
noite até de manhã. Se Deus não enchesse as nossas celas e os nossos
claustros, oh!, como tudo seria vazio! Mas é Ele que enche toda a
nossa vida fazendo dela um céu antecipado».
A irmã
Isabel tomou o hábito a 8 de Dezembro de 1901. Iniciada a vida de
noviciado a paz e a felicidade mudou-se em noite escura; foi o
momento da purificação interior. Com a profissão religiosa, que fez
a 11 de Janeiro de 1903, recuperou a paz e a serenidade interior.
Depressa a Irmã Isabel descobriu a sua vocação. Lendo S. Paulo
descobriu que ela devia ser o «louvor da glória de Deus». Esta ideia
e esta vocação serão o rumo e o norte de Isabel da Santíssima
Trindade: «louvor de glória» é uma alma que mora em Deus e O ama com
amor puro, amante do silêncio qual lira mantida sob o toque
misterioso do Espírito Santo, fazendo sair de si harmonias divinas.
«Louvor
de glória» é uma alma que contempla a Deus em fé simples e permanece
como um eco perene do eterno cântico celeste. O segredo da
felicidade é não se preocupar consigo mesmo, é negar-se em todo o
momento».
Seguindo o Caminho que é Cristo, a Irmã Isabel entrou no mistério de
Deus através de Maria a quem gosta de chamar a Porta do céu.
Seguindo os nossos pais e mestres, Teresa de Jesus e, sobretudo,
João da Cruz, de quem constantemente fala nos seus escritos, Isabel
mergulha no mistério das Três Pessoas Divinas, nesse Oceano sem
fundo que é a Santíssima Trindade e que ela se sente envolvida por
dentro e por fora. Tal como S. João da Cruz se sentiu fascinado pela
formosura de Deus, também Isabel da Trindade se sente atraída pela
beleza de Deus. Isabel gostava de ver o sol penetrar nos claustros e
recordar aquela comparação de Santa Teresa que dizia que a alma é
como um cristal que reflecte a Deus. A nossa irmã deixou-nos este
testemunho: «cada dia na minha vida de esposa me parece mais belo,
mais luminoso, mais envolto em paz e amor».
Mas foi
a vivência total daquela frase de S. João da Cruz: «a alma perfeita
e unida a Deus em tudo encontra alegria e motivo de deleite até
naquilo que entristece os outros, e sobretudo alegra-se na cruz» que
levou a Irmã Isabel a perder-se em Deus como uma gota de água no
Oceano, segundo a sua própria expressão. Foi o perfeito louvor da
glória de Deus, por isso, apenas com 26 anos se encontrava preparada
para voar para a paz: «tudo é calma, tudo fica tranquilo e é tão
bom, a paz do Senhor».
Nos
finais de Março de 1906, a Irmã Isabel foi colocada na enfermaria.
Sentia-se feliz por morrer carmelita e escreve esta frase que é uma
cópia do verso de S. João da Cruz: «sem outro ofício senão o de
amar, estou na enfermaria». As Irmãs rezavam pela sua cura e Isabel
juntou o seu pedido às orações da comunidade, mas sentiu que Jesus
lhe dizia que os ofícios da terra já não eram para ela. No dia 1 de
Novembro comungou pela última vez e dois dias antes da sua morte
disse ao seu médico: «é provável que dentro de dois dias esteja no
seio da Santíssima Trindade. É a Virgem Maria, aquele ser tão
luminoso, tão puro, com a pureza do mesmo Deus, quem me levará pela
mão e me introduzirá no céu tão deslumbrante». Pouco antes da sua
morte, Isabel disse às suas Irmãs esta frase tão bela e que ficou
célebre: «Tudo passa! No entardecer da vida só o amor permanece».
Frase que se parece com aquela outra de S. João da Cruz, também
muito bela e conhecida: «à tarde serás examinado no amor». A sua
última noite foi terrivelmente penosa, pois às suas horríveis dores
juntou-se-lhe também a falta de ar, mas ao amanhecer Isabel
sossegou, e inclinando a cabeça abriu os olhos, e exclamou: «vou
para a Luz, para o Amor, para a Vida», e adormeceu para sempre.
Era a madrugada do dia 9 de Novembro de 1906. |