Para a história da Consagração
A Alexandrina « mensageira »
A primeira a voltar a
falar novamente do assunto (desde 1901 que se não falava nele) é a
Alexandrina, que assim escrevia ao P. Pinho no dia 1 de Agosto de 1935:
«No dia 30 (de
Julho), depois da sagrada comunhão... ouvi que Ele (Jesus) me
chamava:
“Minha filha... manda
dizer ao teu pai espiritual que... assim como pedi a Santa Margarida Maria para
ser o mundo consagrado ao meu Divino Coração, assim o peço a ti para que seja
consagrado a Ela («Virgem sem mancha de pecado») com uma festa solene”».
O P. Mariano Pinho,
sempre com os pés bem assentes, leu atentamente a carta, mas esperou. Um ano
depois, em fins de Agosto de 1936, teve de pregar um tríduo em Balasar. Volvidos
poucos dias após o seu regresso a casa, recebe uma carta da Alexandrina, datada
de 10 de Setembro, em que lhe é transmitido novo recado de Jesus :
« Manda, filhinha, já
dizer ao teu pai espiritual que espalhe já, que faça chegar aos confins do mundo
que este flagelo (a revolução comunista em Espanha — anota o P. Pinho) é
um castigo... Eu vou dizer-te como será feita a consagração do mundo à Mãe dos
homens e minha Mãe Santíssima. Amo-A tanto! Será em Roma, pelo Santo Padre,
consagrando a Ela o mundo inteiro e depois pelos Padres em todas as igrejas do
mundo, sob o título de Rainha do Céu e da terra, Senhora da Vitória. Se o mundo
corrompido se converter e arrepiar caminho, Ela reinará e a vitória por Ela será
ganha. Vai, minha filha, não haja receios que os meus desejos sejam cumpridos ».
Se, a distância de
todo este tempo, examinarmos o comportamento de Pio XII, no tocante a este
assunto, veremos como ele se ateve fielmente a estas indicações de grande
importância pastoral. Para além da consagração do Mundo a Maria, efectuada em
1942, aquele grande Papa instituiu a festa de Nossa Senhora Rainha em 31 de
Maio, ou seja, na conclusão de um mês de pregações então muito seguido pelos
fiéis. Também decretou que, por essa ocasião, todos os sacerdotes renovassem a
consagração do mundo a Maria.
E pena que estas
sábias disposições pastorais tenham sido abolidas.
Primeiros passos
junto do
Cardeal Pacelli
As primeiras respostas
às palavras ouvidas durante os êxtases da Alexandrina foram imediatas. O Padre
Mariano, que já reflectia havia um ano e rezava por esta comunicação celeste, a
11 de Setembro de 1936 escreveu uma breve carta ao então Secretário de Estado,
Cardeal Pacelli, expondo sucintamente aquilo de que se tratava. De Roma,
imediatamente pediram informações sobre a Alexandrina ao Arcebispo de Braga. As
informações foram boas e muito exactas, pois que o Arcebispo se valeu para o
efeito do auxílio do P. Pinho. Depois, a Santa Sé mandou um seu representante,
como já dissemos: o P. Paulo Durão, Provincial da Companhia de Jesus em
Portugal, que encarregou o seu irmão, Padre António, também Jesuíta, do
desempenho dessa missão.
A visita à Alexandrina
realizou-se no dia 21 de Maio de 1937 e vem descrita na autobiografia da Serva
de Deus. A impressão colhida pelo P. António e transmitida para o Vaticano pelo
irmão, P. Paulo Durão, foi óptima.
Decorrido quase um
ano, na noite de 24 para 25 de Abril de 1938, a Alexandrina ouviu Nosso Senhor
segredar-lhe:
« Atenta ao que te vou
dizer, para que se não perca nenhuma palavra. O teu pai espiritual é boa
testemunha da angústia que te fiz passar. Diz-lhe que escreva ao Santo Padre,
que Eu quero a consagração do mundo à minha Imaculada Mãe ».
Nesse instante, a
Alexandrina teve a visão de grandes ruínas. E a voz acrescentou:
« O que vês é o
castigo que está preparado para o mundo... Só por Ela poderá ser salvo e se
fizer penitência e se converter ».
Movimenta-se o Episcopado português
O Padre Pinho escreveu
pela segunda vez ao Cardeal Pacelli no dia 9 de Fevereiro de 1938, sem imaginar
que estava muito próxima a ascensão do Cardeal ao Pontificado. Entretanto,
aproveitou uma outra ocasião que podemos considerar como historicamente
decisiva. Em princípios de Maio de 1938, foi encarregado de pregar os Exercícios
Espirituais aos Bispos portugueses, reunidos em Fátima. Teve assim a
oportunidade de lhes falar também da Alexandrina e do pedido de Jesus. A sua
palavra foi tão convincente que o Episcopado português, no fim dos Exercícios,
dirigiu colegialmente um pedido oficial ao Papa, a fim de obter a consagração de
Maria (a súplica tem a data de 13 de Maio de 1938).
À procura de « Sinais »
Mas parecia que tudo
isso não fosse suficiente. Falámos do P. António Durão, que em 1937 tinha ido
examinar a Alexandrina por mandato da Santa Sé. Através do seu irmão P. Paulo,
Provincial dos Jesuítas em Portugal, sabemos que o bom êxito da visita não
convenceu. Pretendia-se um sinal exterior que autenticasse a origem sobrenatural
das locuções interiores e, particularmente, do pedido da Alexandrina. Este sinal
foi dado pela Paixão revivida todas as Sextas-Feiras, desde o dia 3 de Outubro
de 1938 até ao dia 27 de Março de 1942, exactamente durante o período em que
amadureceu a ideia e se decidiu fazer a consagração. Durante um êxtase, no
primeiro ano, Jesus tinha dito a Alexandrina:
« Eu quero a
consagração do mundo à minha Mãe Imaculada... E por isso que te faço sofrer
assim, e tens de sofrer muitas vezes isto, até que ele (o Papa) o consagre ».
Carta aos Papas
Quando começaram os
fenómenos da Paixão (3.10.38), o P. Pinho informou directamente o Santo Padre
Pio XI, através duma carta datada de 24 de Outubro desse mesmo ano. Depois
escreveu ainda outra, desta vez a Pio XII, no dia 31 de Julho de 1941. Já a sua
primeira carta tinha obtido um resultado: a Santa Sé decidira proceder a um novo
exame sobre a Alexandrina. Foi dele encarregado o Cónego Manuel Pereira Vilar,
Reitor do Seminário de Braga, depois Reitor do Pontifício Colégio Português, em
Roma. Em Janeiro de 1939, o Cónego Vilar interrogou a Alexandrina, conforme ela
própria narra na autobiografia. Depois do colóquio, ele quis assistir ao
fenómeno da Paixão. Naquela ocasião, nos êxtases que habitualmente se seguiam,
Jesus repetiu o Seu desejo de que o mundo fosse consagrado a Sua Mãe.
A impressão que o
Cónego Vilar colheu dos vários encontros com a Alexandrina foi óptima. Fez sua a
causa e, a partir daquele momento, não hesitou em prodigalizar-se para que
acreditassem na « crucificada de Balasar » e se chegasse à consagração pedida.
Transferido para Roma, procurou falar pessoalmente com o Santo Padre. Não o
tendo conseguido imediatamente, enviou ao Papa toda a documentação que tinha
preparado na sua missão de inquérito a respeito da Alexandrina e do pedido de
Jesus. Infelizmente, a saúde não o ajudou e não pôde ver realizado o que tinha
sido também um sonho seu. Regressado a Portugal para ser tratado num hospital do
Porto, veio a falecer de cancro em 1941.
Ao morrer Pio XI, a
Alexandrina afirmava com toda a segurança que o novo Papa seria o Cardeal
Pacelli. Depois, imediatamente após a eleição de Pio XII, teve a confirmação
disso da parte do Céu:
« Este é o Papa que fará a consagração » (20 de Março de 1939).
Chegou-se finalmente a
1942, o ano da consagração e um dos anos mais dolorosos da vida da Alexandrina.
Ela, em Janeiro, recebe a visita de despedida do P. Mariano Pinho, transferido
pelos seus Superiores para o Brasil. A Alexandrina continuará a esperar durante
todo o resto da vida, mas em vão, de voltar a tê-lo como seu guia espiritual. No
dia 27 de Março, a enferma revive pela última vez a Paixão, acompanhada por
movimentos externos. Até ao fim da sua vida continuará a vivê-la, mas sem
manifestações visíveis, de tal modo que os presentes que a não conhecessem bem
não se apercebiam de nada.
Nesse mesmo dia, teve
início um novo prodígio: o jejum total, acompanhado por uma anúria completa. A
partir de então, nunca mais poderá comer nem beber nada, embora sinta fortemente
os estímulos da fome e da sede. Somente poderá receber a comunhão, que se
tornará o seu único alimento do corpo, além de ser o alimento da alma. No dia 3
de Abril, Sexta-Feira Santa, começa a sofrer as dores da segunda morte mística,
que durarão cerca de dois anos.
A consagração
Como recompensa de
tantos sofrimentos, a 22 de Maio desse ano (1942), Nosso Senhor anuncia-lhe:
« Glória, glória,
glória a Jesus! Honra, honra e glória a Maria! O coração do Papa, o coração de
oiro está resolvido a consagrar o mundo ao Coração de Maria! Que grande dia e
alegria para o mundo, pertencer mais que nunca à Mãe de Jesus! Todo o mundo
pertence ao Coração Divino de Jesus; vai pertencer todo ao Coração Imaculado de
Maria! »
Finalmente, no dia 31
de Outubro, todo o mundo pôde ouvir a radiomensagem através da qual, em língua
portuguesa, Pio XII consagra o mundo ao Coração Imaculado de Maria. A mesma
fórmula da consagração será depois repetida, em língua italiana, na Basílica de
S. Pedro, no dia 8 de Dezembro seguinte. A Alexandrina soube da notícia
imediatamente, por um telegrama que o P. Pinho lhe enviou de Fátima, onde se
encontrava naquele dia juntamente com os Bispos portugueses, com muitos
sacerdotes e uma grande multidão de povo. Foi, de facto, um dia muito feliz para
ambos.
Mas não esclareceremos completamente este assunto se não
acenarmos a um facto que interveio e que pôde encorajar ainda mais a tomada de
decisão pontifícia. Lúcia de Fátima estava a desempenhar a missão que o Céu lhe
tinha confiado. Em 1917, Nossa Senhora tinha-lhe dito: “Virei pedir a
consagração da Rússia ao meu Imaculado Coração». Manteve esta promessa
aparecendo a Lúcia em 1929, em Tuy, onde ela se encontrava nessa altura: “Chegou
o momento em que Deus pede que o Santo Padre faça, em união com todos os Bispos
do mundo, a consagração da Rússia ao meu Coração Imaculado, prometendo salvá-la
por este meio”. A partir daquele momento, a Irmã Lúcia escreveu muitas cartas e
fez tudo o que estava ao seu alcance para dar a conhecer e realizar os desejos
da Virgem, mas com pouco sucesso.
Note-se bem esta
diferença: à Irmã Lúcia tinha sido confiada a mensagem de pedir a consagração
somente da Rússia e não do mundo. Portanto, a isso se limitou o pedido da
vidente de Fátima. Quando, em 1938, a seguir à pregação do P. Pinho, o
Episcopado português pediu ao Papa a consagração do mundo ao Coração Imaculado
de Maria, estava presente e apoiante também o Bispo titular de Gurza, D. Manuel
Ferreira da Silva, que, na altura, era confessor da Irmã Lúcia. Este informou a
sua penitente do pedido dos Bispos — que tinha probabilidades de ser
atendido — e aconselhou-a a juntar a sua súplica à deles.
Gabriele Amorth, Por detrás de um sorriso, Ed.
Salesianas, Porto, 1994, pp. 75-85 |