Hilário de Poitiers
Bispo, Doutor da Igreja, Santo
Início do IV século-367
Campeão da ortodoxia no
Ocidente e no Oriente
Esse
insigne Doutor da Igreja, cognominado trombeta contra os arianos por
São Jerónimo, também qualificado como martelo dos hereges e Atanásio
do Ocidente, recebeu de Santo Agostinho significativo elogio:
“valorosíssimo defensor da fé contra os hereges e digno de toda a
veneração”
*****
A
vida de Santo Hilário nos revela como é possível ao homem, pela
simples reta razão, chegar a uma apreensão da verdade no plano
meramente natural; e, a partir daí, com o auxílio da graça, atingir
o conhecimento de verdades sobrenaturais.
Hilário era oriundo
de uma das mais distintas famílias da Província da Aquitânia, tendo
nascido em Poitiers (França) no início do IV século. Sendo pagãos,
seus pais o educaram na ciência da antiga Grécia e Roma e em todas
as práticas da gentilidade. Mas ao jovem Hilário, dotado de juízo
sólido e de inteligência robusta e penetrante, não satisfaziam as
superstições ridículas do paganismo. Assim descreve ele o que se
passou em sua alma:
“A
vida presente não sendo senão uma sequência de misérias, pareceu-me
que a havíamos recebido para exercer a paciência, a moderação, a
doçura; e que Deus, todo bondade, não nos havia dado a vida para nos
tornar mais miseráveis no-la tirando. Minha alma se dirigia assim
com ardor a conhecer esse Deus, autor de todo bem, porque eu via
claramente o absurdo de tudo o que os pagãos ensinam quanto à
divindade, dividindo-a em muitas pessoas de um e de outro sexo,
atribuindo-a a animais, a estátuas e a outros objectos insensíveis.
Reconheci que não podia haver senão um só Deus, eterno,
todo-poderoso, imutável”
.
Na procura da
verdade, caíram-lhe nas mãos as Sagradas Escrituras, que ele devorou
com sofreguidão. A leitura do Evangelho de São João, em que este
explica que o Verbo era Deus e estava em Deus, e que se fez carne e
habitou entre nós, acabou por tirar-lhe qualquer dúvida a respeito
da verdade. Pediu então o baptismo e começou uma carreira de
gigante. A filosofia pagã serviu-lhe de base para adentrar-se no
estudo, quer da filosofia, quer da teologia dogmática e da sã
doutrina da Igreja.
Casado com uma mulher
de raro mérito, que compartilhava com ele todos seus anseios e
esperanças, tiveram uma filha, Abra. Seguindo os exemplos
domésticos, esta cresceu na piedade e virtude.
Combate contra o maior
flagelo da época: o arianismo
Vagando a Sé de
Poitiers, os sacerdotes e os fiéis escolheram para seu Pastor, como
era costume da época, Santo Hilário, que já dava exemplos da mais
lídima virtude. De comum acordo, separou-se então da mulher e filha
para servir só a Deus, foi ordenado sacerdote e sagrado Bispo.
Para Hilário, ser Bispo
não era somente uma dignidade, mas sobretudo um contínuo sacrifício.
Pois, dizia, o Bispo deve ser “um príncipe perfeito da Igreja,
que deve possuir na perfeição as mais eminentes virtudes. Num bispo,
a inocência de vida não é suficiente sem a ciência; e, sem a
santidade, a maior ciência não basta; com efeito, como ele é
instituído para a utilidade dos outros, de que lhe servirá esta, se
ele não instrui? E não serão estéreis suas instruções, se não são
conformes à sua vida?”
Naquela época tão
conturbada, para ele um dos principais deveres era manter íntegro o
depósito da fé e defender sua pureza contra a corrupção das
heresias. Pois estava causando grandes devastações no rebanho de
Jesus Cristo a pior heresia que atingiu a Igreja nos primeiros
séculos: o arianismo. Negava este o dogma da Santíssima Trindade,
dizendo que só Deus Pai era Deus.
O pior é que tal
heresia conquistara o Imperador Constâncio, filho de Constantino,
encontrando nesse homem fraco, mas despótico, seu maior apoio. Com
isso, infectara praticamente todo o Oriente e procurava depois
lançar seus tentáculos sobre o Ocidente.
Dois concílios
convocados por dois Bispos adeptos da heresia — Saturnino de Arles,
Metropolita das Gálias, e Maxêncio de Milão — voltaram a condenar
Santo Atanásio, Bispo de Alexandria e o maior baluarte, no Oriente,
da ortodoxia contra a infecta heresia. Além da condenação, tais
concílios o baniram de sua diocese.
Santo Hilário não
participou desses concílios e dedicou-se a organizar a resistência
dos Bispos católicos do Ocidente, que mostraram muito mais coragem
nessa luta do que os do Oriente. Proclamaram a inocência de Atanásio
e excomungaram os bispos arianos e semi-arianos. Enviaram também uma
delegação ao Imperador, pedindo que os Bispos exilados por causa da
fé fossem reenviados às suas dioceses, e que, a partir de então, a
autoridade secular não mais interviesse em matéria puramente
espiritual.
Assim pressionado,
Constâncio autorizou Atanásio a retornar à sua diocese. Mas os
líderes arianos voltaram à carga, convencendo o Imperador de que o
valoroso Bispo de Poitiers, defendendo a verdadeira Igreja, atacava
o Império. Constâncio convocou então um novo concílio em Béziers, no
qual, além de reconfirmar o exílio de Santo Atanásio, os Prelados
arianos depuseram também Santo Hilário e obtiveram do Imperador que
ele fosse exilado juntamente com São Ródano, para a Frígia, na Ásia
Menor.
Como exilado, lidera a luta
no centro da heresia
O tiro saiu pela
culatra, pois com esse exílio o maior inimigo do arianismo no
Ocidente foi enviado para combatê-lo em seu próprio meio, o Oriente.
Santo Hilário, sem deixar de manter correspondência com os Bispos
fiéis da Gália, dirigia também por meio de cartas sua diocese, ao
mesmo tempo que escrevia obras refutando a heresia ariana e contra
ela trabalhava.
Sobre a expansão do
arianismo na época de Santo Hilário de Poitiers, comenta um
conhecido hagiógrafo:
“Protegido com todo o poder do Imperador, o arianismo de tal maneira
havia desolado a vinha do Senhor, que assegura nosso Santo ter
encontrado somente três Bispos que não eram total e abertamente
arianos; os demais viviam tão lastimosamente desencaminhados, que
Deus apenas era conhecido pelos Prelados das 10 províncias da Ásia,
como ele mesmo explica e se lamenta”
.
“Que
meu exílio dure sempre — dizia
Santo Hilário — contanto que a verdade seja enfim pregada. Os
inimigos da verdade podem bem exilar seus defensores, mas ela, a
verdade, crêem eles exilá-la ao mesmo tempo? Exilando meu corpo,
puderam eles também encadear e deter a palavra de Deus?”
Em Constantinopla,
Hilário escreveu ao Imperador: “Passou o tempo de estar calado;
os mercenários fugiram e o Pastor tem de levantar a voz. Toda a
gente sabe que, desde que estou proscrito, nunca deixei de confessar
a fé, mas sem recusar nenhum meio aceitável e honroso de
restabelecer a paz... Agora combatemos contra um perseguidor
disfarçado, contra um inimigo que afaga, contra o anticristo
Constâncio. Não nos condena a fim de nos fazer nascer para a vida,
mas enriquece-nos para nos levar à morte. Não nos encarcera numa
prisão para nos tornar livres, mas honra-nos em seu palácio para
escravizar-nos. Não nos corta a cabeça com a espada, mas mata a
nossa alma com o ouro. Não nos ameaça com a fogueira, mas acende
secretamente o fogo do Inferno. Reprime a heresia para não haver
cristãos; honra os sacerdotes para não haver Bispos; edifica igrejas
para demolir a fé... Mas eu declaro-te, ó Constâncio, o que teria
dito a Nero, a Décio e a Maximiano: combates contra Deus;
levantas-te contra a sua Igreja; persegues os Santos; és tirano, não
das coisas humanas, mas divinas”
Enfim, foi tanto o
prejuízo que Santo Hilário causou aos arianos no Oriente, que estes
convenceram o Imperador a mandá-lo de volta à sua diocese, onde
criam que ele lhes seria menos prejudicial.
Volta triunfal: prossegue o
zelo anti-ariano
São Martinho de Tours,
que já era seu discípulo, foi encontrar-se com Santo Hilário em Roma
para acompanhá-lo em sua volta. A alegria de todos os católicos na
Gália foi enorme. Escreve São Jerónimo: “Foi então que a França
abraçou seu grande Hilário, voltando vitorioso da derrota dos
hereges”
.
Deus fez brilhar
ainda mais a glória de seu servo por inúmeros milagres. Um deles
refere-se ao verdadeiro amor paterno. Olhando sua filha adolescente,
pura e desapegada das coisas da terra, pediu a Deus que, se ela
houvesse um dia de manchar sua túnica batismal, Ele a levasse antes
para Si. O pedido foi aceito quase imediatamente. Abra faleceu
docemente nos braços do pai, e é hoje invocada como santa em
Poitiers.
Depois de ter
restabelecido o catolicismo nas Gálias, Santo Hilário passou à
Itália para a livrar desse flagelo do arianismo. Foi auxiliado nessa
tarefa por Santo Eusébio de Verceil e Filastro de Brescia.
Combatendo os erros
do Bispo Maxêncio em sua própria cidade episcopal — Milão — este
obteve do Imperador Valentiniano que o expulsasse de lá.
Voltando a Poitiers,
entregou-se de corpo e alma à instrução de seus diocesanos. Recebeu
de braços abertos São Bento, Bispo da Samaria, e 40 discípulos seus,
expulsos da Palestina pelos arianos, fundando estes a abadia de São
Bento de Quincey.
Enfim, cheio de obras
e de anos, entregou Hilário sua alma ao Criador no ano de 367. Foi o
grande Pio IX — recentemente beatificado — que o declarou Doutor da
Igreja.
Plinio Maria Solimeo
FONTE :

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