Abrasado pelo amor a Deus,
Francisco Xavier inflamou os lugares por ele evangelizados, com o
fogo do amor divino e o brilho de seus milagres
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Para
Santo Inácio de Loyola não havia dúvida. O Papa, para atender ao Rei
João III de Portugal, estava
pedindo-lhe membros de sua
recém-fundada Companhia para evangelizar os domínios portugueses de
ultramar. Como Francisco Xavier era o único de seus discípulos
disponível no momento para acompanhar Simão Rodríguez, teria que ir.
No entanto, dos seus primeiros filhos espirituais, Xavier era o
predileto, aquele que planejara ter consigo como conselheiro e
provável sucessor. Mas Inácio de Loyola havia escolhido como lema de
sua milícia Ad Majorem Dei Gloriam (Tudo para a maior glória de
Deus). Se bem que tivesse sentimentos muito profundos, não era um
sentimental. Chamou logo Francisco. Sempre pronto a obedecer, o
futuro Apóstolo das Índias exclamou: “Pues! Heme aqui!”
(Estou pronto! Vamos!).
No dia 16 de março de 1540, provido dos títulos de Núncio Papal e
Embaixador de Portugal para os países do Oriente, Francisco Xavier
foi despedir-se de seu pai espiritual. Santo Inácio, pondo-lhe as
mãos sobre os ombros, percebeu que a batina era muito rala.
“Como, meu caro Francisco! Ides cruzar as neves dos Alpes com roupa
tão leve?” O discípulo sorriu timidamente.
“Depressa,
desvestindo sua própria batina, o Fundador da Companhia de Jesus
tirou uma veste de flanela que estava usando, e fê-la vestir em
Xavier. Era como se, com essa parte de sua vestimenta, desse uma
parte de si mesmo ao filho que partia”.
“Ide: acendei e inflamai todo o mundo”, foram as últimas
palavras do antigo capitão de Pamplona ao ex-mestre do Colégio de
Beauvais.
Essas
palavras tornaram-se proféticas, pois o que esse hidalgo espanhol
fez o resto de sua vida não foi senão inflamar tudo com o ardente
fogo de seu amor de Deus.
Reformando a “Goa dourada,
a Roma do Oriente”
Francisco Xavier tinha 35 anos quando cruzou o oceano para chegar a
Goa em 6 de maio de 1542. Essa cidade, capital das possessões
portuguesas no Oriente, atraíra toda sorte de soldados de fortuna e
aventureiros, os quais, longe de sua pátria, família, parentes e
conhecidos, tinham caído numa vida licenciosa que escandalizava não
só seus correligionários, mas até os pagãos.
Dom João de Castro, um dos maiores vice-reis das Índias, descreve
assim a situação de Goa à sua chegada:
“As cobiças e os
vícios têm cobrado tamanha posse e autoridade, que nenhuma cousa já
se pode fazer por feia e torpe, que dos homens seja estranha”.
Impelido
“pela necessidade de perder a vida
temporal para socorrer a espiritual de seu próximo”,
São Francisco Xavier atirou-se ao trabalho, começando pelas crianças
e doentes. Aos poucos sua fama no confessionário e no púlpito
atingiu outras áreas, e gente de todas categorias passou a
procurá-lo para purificar sua alma.
“Aqui em Goa eu
moro no hospital, onde confesso e dou a comunhão para os enfermos.
Mesmo assim, é tão grande o número dos que vêm pedir-me para ouvir
confissões que, se eu estivesse em dez lugares ao mesmo tempo, não
teria falta de penitentes”,
escreveu ele a Santo Inácio apenas um mês depois de sua chegada.
Goa, a “dourada” ou a “Roma do Oriente”, era uma cidade cosmopolita
e tinha atraído gente de todas as partes do mundo. São Francisco
Xavier viu a necessidade de criar uma escola de nível médio para
ajudar a evangelização. Menos de um ano depois de sua chegada, tinha
já fundado o Colégio da Santa Fé. Sua finalidade, como ele explica,
era
“para que os nativos destas terras e
os de diferentes nações e raças possam ser instruídos na fé. E para
que, quando tiverem sido bem instruídos, sejam enviados às suas
pátrias, de modo que ganhem fruto com o ensinamento que receberam”.
Os “filhos de São Francisco
Xavier”
Sua presença era requisitada também em outras partes: “Num reino
longe daqui (Travancore, sudoeste da Índia),
Deus moveu muitas
pessoas a se fazerem cristãs. De tal modo que, num só mês, batizei
mais de dez mil, homens, mulheres e crianças”.
Nessa nova área ele foi recebido pelo marajá “com honras, e
tratado com gentileza”; o rei deu a ele
“permissão para
pregar o Evangelho em todo seu reino, e para batizar aqueles de seus
súditos que quisessem tornar-se cristãos”.
Como escreveu para os membros da Companhia, em Goa
“eu tenho estado
ocupado baptizando todos os infantes. [...] Os mais velhos deles não
me dão paz, pedindo-me sempre para ensinar-lhes novas orações. Eles
não me dão tempo para rezar meu breviário nem para comer”.
São
Francisco Xavier desceu até o extremo sul da Índia para evangelizar
os Paravas, quase todos pescadores de pérolas. “Padre Francisco
fala desses Paravas como de uma nobre raça, inteligente,
trabalhadora e perseverante, a única tribo na Índia que se tornou
inteiramente católica. [...] Eles se orgulham de chamar-se a si
próprios ‘os filhos de São Francisco Xavier’”, escreve um
Prelado no início do século passado.
Foi
nessa Costa da Pescaria que o “Padre Francisco” realizou muitos dos
seus mais espetaculares milagres. Foram tantos e tão notáveis, que
fica difícil a escolha.
Uma vez os ferozes Badagas cruzaram as montanhas, devastando o
Travancore. O marajá, mal preparado para fazer face a esse perigo,
apelou a São Francisco Xavier. O apóstolo juntou-se ao improvisado
exército, colocando-se na primeira fila. Tão logo sua voz pôde ser
ouvida do outro lado,
“o Padre Francisco, segurando seu
Crucifixo, caminhou para o inimigo [...] e gritou em alta voz: ‘Em
nome de Deus, o terrível, eu vos ordeno que pareis’”.
Os badagas das filas dianteiras, aterrorizados, pararam e começaram
a recuar. A debandada foi total.
“Eu te ordeno, levanta-te
dos mortos!”
A
cidade de Quilon, entretanto, não se impressionava com esses
milagres, e as palavras de fogo do apóstolo não penetravam nos
corações endurecidos de seus habitantes. Um dia, quando estava
rodeado por uma multidão a que não era capaz de tocar, o Santo
ajoelhou-se e pediu fervorosamente a Deus que mudasse o coração e a
vontade daquele povo obstinado. Depois de um instante, dirigiu-se ao
local onde um jovem havia sido enterrado na véspera. Pediu que o
desenterrassem. “Verifiquem todos se ele está mesmo morto”,
disse à multidão. Alguns, ao abrirem o caixão, recuaram exclamando:
“ele não só está morto, mas cheirando mal”. Xavier então
ajoelhou-se e, com potente voz para que todos ouvissem, disse:
“Em nome de Deus e em testemunho da fé que eu prego, eu te ordeno:
levanta-te dos mortos”. Um tremor sacudiu o cadáver e a vida
retornou plenamente a ele. O número das conversões foi grande, e a
fama do milagre acompanhou Francisco Xavier através das Índias.
Para
formar um clero nativo capaz de trabalhar entre seus irmãos, ele
fundou mais quatro seminários: Cranganor, Baçaim, Coghim e Quilon.
Qual era o segredo da eficácia apostólica de São Francisco Xavier?
Era uma heróica observância do maior mandamento de Cristo:
“Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma
e de todo teu entendimento” (Mt 22, 37).
“Tenho tão grande
confiança em Deus, cujo amor somente me move, que, sem hesitar, com
o único bafejo do Espírito Santo, afrontei todas as tempestades do
oceano na mais débil barca”.
O segundo apóstolo da Índia
recorre ao primeiro
Para
saber se deveria avançar mais para o Oriente em sua evangelização,
Francisco resolve fazer um recolhimento junto ao túmulo de São Tomé,
em Meliapor.
O
segundo apóstolo da Índia, em contacto com o primeiro, recebeu
muitas graças:
“Aqui Deus lembrou-se de mim segundo
sua costumeira misericórdia; Ele tem consolado infinitamente minha
alma, e me fez saber que é sua vontade que eu vá para Málaca, e de
lá às outras ilhas da região”.
O resto
da história é muito conhecido. Com o mesmo zelo, São Francisco
evangelizou não somente Málaca e as Molucas, mas também muitas
outras ilhas vizinhas, e chegou até o Japão, do qual foi o primeiro
e mais importante apóstolo. Ele morreu só e desconhecido nas costas
da China, com os olhos postos em suas misteriosas terras, cuja
antiga e rica civilização queria conquistar para Cristo.
No processo de canonização do grande Apóstolo do Oriente, a Santa Sé
“reconheceu vinte e quatro ressurreições juridicamente provadas e
oitenta e oito milagres admiráveis operados em vida pelo ilustre
Santo”.
Na bula de canonização são mencionados muitos milagres ocorridos em
vida e depois da morte de São Francisco Xavier. Um deles foi que as
lamparinas colocadas diante da imagem do Santo, em Colate, ardiam
muitas vezes tanto com óleo como com água benta.
O
último milagre relacionado a ele foi seu corpo incorrupto por
séculos, cujos restos, mumificados e danificados por homens e
elementos, podem ainda ser vistos em Goa, coroando um dos mais
notáveis exemplos do Evangelho posto em prática.
Plinio
Maria Solimeo

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