“Meu Jesus, não
posso viver aqui. Continuam as minhas ânsias. Quero amar-vos, quero morrer de
amor”, escreve ela no seu Diário de 9 de Setembro de 1944. Qual o motivo deste
pedido, desta prece veemente ? Porque “tentam arrancá-la dos braços de Jesus”
por meio de manobras que nem sempre parecem muito “católicas”, mas que fazem
parte igualmente do projecto divino que as permite para nela inculcar mais ainda
certas virtudes portanto já bem assentes no coração da Alexandrina : a humildade
e o desapego a tudo quanto seja do mundo.
Alexandrina
perdera há pouco o seu primeiro Director espiritual, o Padre Mariano Pinho e
dizia-se que ela seria talvez privada da Comunhão quotidiana, o que a fazia
sofrer, pois sem aquele “alimento”, pensava não poder viver, por isso suplica o
Senhor de “não consentir que d’Ele a separem”, mas “quer morrer de amor”.
Sofre ainda a
Beata Alexandrina porque “o demónio aparece-lhe em diferentes alturas do dia e
da noite em forma de homem acorrentado pela cinta”, “fingindo assaltos
tremendos, mas sem conseguir tocar sua minha pessoa”.
Notemos também
neste trecho uma reflexão destinada ao Padre Humberto Pasquale, seu segundo
Director espiritual, a respeito do perfume que várias vezes ao aproximar-se da
Alexandrina, tinha sentido. Ficara admirado e quis saber de onde provinha o dito
perfume. Não vindo da “Doentinha”, de onde então podia provir ?...

* * * * *
Depois de receber o
meu Jesus, foi-me por um pouco suavizada a dor da minha alma e o meu Amado
concedeu-me juntamente uma maior intensidade de união, que já ontem sentira, com
todas as pessoas que eu amo e que nestes últimos tempos me odeiam. Ao mesmo
tempo dizia-me Nosso Senhor :
— “União pura,
união santa, união divina na terra e no Céu. Dá, minha filha, a quem o merece
(Padre Humberto Pasquale) os meus agradecimentos e os de Maria, o meu amor e
o de Maria.
Coragem, filha
amada, sobre o Calvário, quero vê-lo regado com todo o teu sangue. O sangue que
lava e purifica as almas”.
Voltei logo às
dores dolorosas do corpo e da alma.
— Ó meu Deus, a
tempestade não acalma. Tende dó de mim ; vede como estou ferida. Tentam
arrancar-me dos Vossos braços. Prendei-me, Jesus, prendei-me ; não consintais
que de Vós me separem. Perder tudo, tudo o que é da terra, mas possuir-vos a
Vós, Jesus. Ai de mim, sinto-me abandonada, sozinha, sozinha, sem ter por quem
chamar, sem ter a quem recorrer.
Ó Jesus, ó
Mãezinha, ouvi-me Vós, ouvi o brado da minha dor. Eu quero amar os Vossos
Corações Santíssimos, mas ai de mim, não sei o que é amor, desconheço-o,
parece-me que não existe no mundo. Compadecei-vos das minhas ânsias, dai-me o
amor que desejo, de Vós espero, Jesus, para Vós a para a Mãezinha o quero.
Deixai-me perder em Vós, deixai-me enlouquecer, embriagai-me, embriagai-me nos
Vossas chamas divinas. Jesus, quero-vos, Jesus, busco-vos, vou ceguinha à
procura de Vós. Para Vós, Jesus, os meus suspiros, a minha vida que sinto
desaparecer, que sinto perder. Ai, meu Jesus, quatro dias são passados sem eu
Vos receber. Olhai a minha alma que está faminta, morre de fome, Jesus. Vinde
Vós, com o Vosso alimento ; perco a vida porque me faltais Vós, que sois Vós a
vida da minha dor. Olhai esta pequenina quase apagada ; acendei-a, Jesus,
fazei-a reviver. Olhai a minha alma, Jesus, vai louquinha a procurar-vos aos
Vossos sacrários, quero receber-vos, quero possuir-vos. Estais nos sacrários,
Jesus, deixai-me ir ao Vosso encontro, deixai-me viver aí. Deixai a minha dor,
já mais que moribunda, deixar junto de Vós o seu último sopro de vida. Ó meu
Jesus, ó meu Amor, não ter nada, não ter ninguém por mim, ouvir só os horrores
da tempestade, sentir os sofrimentos causados pelas criaturas custa muito,
Jesus ; mas passar sem Vos receber, custa mais, muito mais ; não posso, não
resisto, vinde a mim. Ó Jesus, que pobreza a minha, que miséria, que dor. Não
confio nas minhas palavras, não confio em nenhum dos meus sentimentos. Que
horror, que horror, que grande maldade. Sem poder estender meus braços, é em
espírito que os estendo sobre a minha cruz. E de braços abertos, com os olhos em
Vós que, alegre, recebo tudo o que me dais. É em espírito, Jesus, que uno os
meus braços para estreitar e prender para sempre tudo o que me fere, tudo o que
é cruz. Amo, amo, Jesus, tudo o que vem das Vossas divinas Mãos ; amo sem
conhecer o amor, amo sem o possuir. Amo nesta doce esperança, amo nesta
confiança ; sou de Jesus, só a Ele pertenço, só quero o que Ele quer. Jesus quer
ser amado, há-de, portanto, fazer que eu O ame. Confio, confio, espero em Vós,
meu Jesus.
Meu Jesus, não
posso viver aqui. Continuam as minhas ânsias. Quero amar-vos, quero morrer de
amor. Morro por Vos dar almas. Quero vê-las todas, todas dentro do Vosso
Coração. Tudo isto é nada, Jesus, nada para mim. Não encontro no mundo
satisfação nenhuma. Quero agradecer-vos os Vossos benefícios (refere-se à
Comunhão que lhe foi levada pelo Padre João Pravisano, Salesiano) e nada sei
dizer-vos, nada sei agradecer-vos. Se ao menos, Jesus, eu pudesse acreditar nos
sentimentos que me dais, se pudesse convencer-me que as minhas ânsias são Vossas
e os desejos que tenho de Vos amar Vos pertencem, mas nada disso. Não vejo, não
sinto senão a dor e essa mesma desaparece. Vai perdendo a sua vida por completo.
Dolorosos são os sentimentos da minha alma. Ouvi o meu brado, os terríveis
combates do inimigo. Parece-me, Jesus, quando Vos chamo, quando invoco o Vosso
divino amor e da querida Mãezinha, que não sou ouvida. Sinto o meu brado ficar
abafado no montão de cinza do meu pobre corpo que já é um cadáver como há pouco
sentia, mas cinzas, só cinzas, meu Jesus. Parece-me estar já num cemitério e
quando, no meio da agonia da minha alma, imploro o auxílio do Céu, esse brado,
em vez de subir ao alto, perde-se abafado nesse montão de cinza e na cinza de
outros cadáveres que jazem no cemitério em que me encontro, cuja extensão eu não
sei medir. Tende dó, Jesus. Vede quanto sofre a minha pobre alma. Não caibo em
mim de dor. Não cabe em mim o meu coração em ânsias de Vos amar e voar para Vós.
Não digo bem, meu Jesus, este coração não é o meu, não sei a quem pertence.
Aonde está ele, ó Jesus, a quem pertence ? Tudo morreu, Jesus, tende dó de mim.
A minha vontade é a Vossa, só Vossa, bem o sabeis, bem o sabeis, meu Amor. Vede
que sou miséria, que sou nada e nada posso sem Vós. Vede lá, Jesus, não me
falteis, Jesus, espero em Vós, confio em Vós. A luta é tremenda, não me bastam
as vezes que oiço a Vossa doce voz a infundir-me voragem e a dizer-me que é por
Vós, que é para Vos consolar. Quero mais, Jesus, necessito de mais, muito mais.
O demónio lança-me em rosto que é só para minha satisfação que eu me submeto aos
tratamentos mandados por Vós e pela obediência. Ainda que fosse pelo mundo
inteiro, Vós o sabeis, ó Jesus, eu não me submeteria a um só tratamento.
O demónio
aparece-me em diferentes alturas do dia e da noite em forma de homem acorrentado
pela cinta ; outras vezes em forma de leão também então preso, mas pelo pescoço,
fingindo assaltos tremendos, mas sem conseguir tocar na minha pessoa. Sinto-me
ao pé dele como uma criança que está aterrada, mas que não mede o perigo que
podia causar.
Sob a forma de
homem cospe na terra e me insulta a fingir nojo por mim ; outras vezes bate
palmas e dá gargalhadas a fazer troça por sentimentos maldosos que ele julga e
quer convencer-me terem-me levado aos tratamentos ; outras vezes ainda toma
atitudes provocantes a convidar-me ao mal. Desde o começo destas perseguições
sinto o meu corpo rasgado, as minhas entranhas e o coração como que a sair
violentamente do meu ser.
O meu brado a
Jesus, o meu único brado contra o inimigo é : “Meu Jesus, sou a Vossa vítima”.
Nestas alturas, o
demónio, em forma de leão, redobra os uivos e os assaltos e, quando em forma de
homem, pronuncia as palavras mais indecentes contra a minha pessoa, a do médico
e a de outras pessoas.
Depois da
Sagrada Comunhão :
Sentia-me tão
desanimada, tão abatida e nada sabia dizer a Jesus. Esforçava-me por repetir
muitas vezes : “Ó meu querido Jesus, meu Amor, ó meu querido Amor, eu sou
Vossa”. Passaram-se alguns momentos sem eu nada mais dizer a Nosso Senhor. Veio
Ele :
― “Gosto tanto,
minha filha, consola-me tanto, minha pomba amada, o tu dizeres-me: “Meu Jesus,
meu querido Amor, eu sou Vossa!” Que alegria, que consolação e que glória para
Mim! Repete-o muitas vezes. Coragem ó minha amada. Não temas os assaltos do
demónio. Tem coragem. Só assim, pedindo-te este sacrifício, Eu posso ser
reparado de tão graves crimes. Dá-me tudo o que te peço para glória minha e
salvação das almas. Foi por isso que te escolhi o médico muito querido do meu
divino Coração. Diz ao meu querido Padre Humberto que ele foi escolhido por Mim
para vir junto de ti. Não venho com a pressa que ele quer para seu estudo, mas
depois de receber as minhas divinas luzes, quero que ele vá junto do teu
Paizinho e querido do meu divino Coração, para quem mando todo o meu amor e em
união com ele ampararem e defenderem a minha divina causa, ajudados com aqueles
que são amigos meus e cuidam dela e daquilo que é meu. Vai, filhinha, dar ao meu
querido Padre Humberto a abundância do meu divino Amor, dá-o aos que te rodeiam
e amparam : são todos queridos meus. Diz ao meu querido Padre Humberto que o
perfume, é perfume divino, é o perfume das tuas virtudes. Digo isto, porque ele
precisa para estudo dele”.
Neste colóquio com
Nosso Senhor, por duas vezes me senti obrigada a deixá-lo, chamada por quem me
estava ao lado, com a impressão de quem desperta de um sono... esforçada, mas
sem ligar a quem a chamava... Senti-me obrigada a ajoelhar, levantar as mãos ao
Céu para assim melhor louvar a Nosso Senhor. Sentia umas ânsias de me desfazer
em fogo divino e nesse amor infundir os corações e as almas, mas com abundância
maior nessas que Jesus chamou queridas do Seu divino Coração. Jesus repetia
palavras de loucura, de amor por mim.
O demónio, durante
os tormentos, continua a estar longe de mim. Sempre sinto a união com Nosso
Senhor ; durante esse tempo, ainda mais me sinto unida a Ele. Hoje, nesse
transe, senti como que uma aragem acariciadora e Jesus disse-me:
― “Paz, paz, a
minha paz, minha filha, é contigo. Eu estou bem unido a ti : só a tua força não
me separa de ti”.
Senti em mim um
novo alento, embora por poucos instantes . »
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