O texto
que a seguir vamos ler é certamente um dos mais “delicados” da
Alexandrina, porque nele ela nos revela uma faceta dos seus
numerosos carismas, particularmente, aqui, o de profecia.
O texto
foi escrito em 12 de Abril de 1945, cerca de vinte anos antes do fim
do Concílio do Vaticano II, convocado pelo Papa João XXIII, que a
Igreja inscreveu depois no catálogo dos Santos.
Alexandrina não podia inventar o que aqui escreveu: só o pode fazer
porque ALGUÉM lhe disse, porque ALGUÉM lhe mostrou,
porque ela VIU. De facto, a justeza das afirmações, as
imagens sugeridas pelo texto não podiam ser inventadas pela
“Doentinha de Balasar”, cuja cultura era conhecida de todos, como
simples, limitando-se a dezoito meses de escola primária, na Póvoa
de Varzim.
Para que
melhor se compreenda todo o contexto, damos o texto inteiro do
Diário desse mesmo dia, mas vamos por em evidência o texto que
mereceu esta página.
Contrariamente ao que habitualmente faço para estas “Folhas soltas”,
vou incluir um outro comentário, no fim do mesmo trecho.

*****
Que
fogo no meu coração! Queima-me tanto, parece destruí-lo! Quanto
daria eu, quanto sofreria eu para conseguir que este fogo me
pertencesse e fosse fogo de amor a Jesus. Quero amor, quero amor.
Quero amor para dar ao mundo, para que ele ame todo, só a Jesus.
Pobrezinha, não tenho que lhe dar, não sei como conquistá-lo, não
sei como entregá-lo a Jesus. Lá o vejo fugir, foge deste mundo para
outro mundo predição. Eu fico de braços abertos e olhos no céu.
— Meu
Jesus, como remediar este mal? Olhai o mundo que me destes, o mundo
que me entregastes; olhai o mundo que é Vosso, só Vosso, Jesus.
Dai-me o Vosso amor, só com ele poderei prendê-lo. Que ânsias tão
grandes chegam da terra ao céu! Meu Deus, vejo as almas tão cheias
de podridão! E os corpos a desfazerem de lepra, consequências do
pecado. Que luz esta, que me obriga a ver tudo! Como está o mundo! E
Vós, doce Jesus, o Vosso Divino Coração já não pode mais.
Lá
estou entre o mundo e Jesus, para evitar que as maldades dos homens
vão ferir mais o Seu Coração tão amante. Vêm bater a mim os açoites,
os espinhos, todos os maus-tratos. Eu não O vejo, mas sinto como se
Ele estivesse abatido, cheio de medo, e ver quando cai sobre Ele
esta chuva de maldades. Que pena eu tenho de Jesus! Que agonia a
minha por não poder fazer terminar o pecado! Sinto-O como um mendigo
a tiritar de fome e de frio. A causa de tudo isto somos nós, é o
pecado.
— Ó meu
Deus, ó meu Deus, que grande é a minha dor por não poder
aliviar-Vos, por não poder saciar a Vossa fome e aquecer-Vos ao
calor do meu amor!
Nesta
tarde, veio o demónio. Parece transformar-me a mim em demónio
também. Maldito ele seja! Que inferno de maldade! Muito sorridente e
a afirmar-me que eu tinha pecado, dizia-me, entre outras coisas, que
eu era dele, estava nas mãos dele. Parece-me que ele me tapou a boca
para eu não poder invocar o nome de Jesus e dizia-me: “chama por
mim, ama-me”. Ao terminar o perigo tão horroroso, senti que podia
mover os meus lábios e fiquei por muito tempo a repetir: “valei-me,
Jesus, valei-me, Mãezinha”. E ele, mais ao longe, bailava e dizia:
“chama-Os agora, desde que pecaste, desde que estás satisfeita”. Com
uma gargalhada repetiu: “estás nas minhas mãos”. Veio o meu Jesus a
confortar a minha alma.
— Não
pecaste, minha filha, não estás nas mãos do demónio, mas sim nas
minhas divinas mãos. Sempre te trouxe em meus braços, como a
criancinha nos da sua mãe, meiga e carinhosa. Estiveste sempre nas
minhas mãos nos perigos, estás sempre nas minhas divinas mãos nas
lutas com o demónio e nelas estás na tua contínua imolação.
Anima-te, continua a reparar. És mártir de dor, és mártir de amor,
és mártir de toda a humanidade. Diz, minha filha, ao meu querido
Padre Humberto que dele recebi muita consolação. É assim que eu
quero: para acudir às almas vencem-se todas as dificuldades,
suportam-se todos os sacrifícios. Como recompensa de tudo e prova do
meu grande amor, diz-lhe que ele é do número dos que vão para o céu
sem penar no Purgatório.
— Recompensai-o a ele, meu Jesus, e a todos os que sofrem pela minha
causa.
— Não é
por tua causa, minha filha, fui eu que assim o permiti. Escolhi
aqueles a quem mais amo, para os associar à tua dor, e cuidarem da
minha divina causa. Associei os que me são queridos ao martírio da
que tenho na terra de mais querida.
Deixei
de ouvir a Jesus e logo continuei abraçada à minha cruz, arrastada,
ou como que arrastada por fortes cadeias de amor, amor que me
sujeitava ao maior do sacrifício.
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Era já noite. Oh! quem me dera que Jesus falasse por mim
agora, para honra e glória Sua e bem das almas. Oh! Quem me
dera que nestas linhas ficasse bem gravado o que se passou
na minha alma. Sem pensar na Ceia de Jesus com os Seus
apóstolos, sentei-me à mesa. O meu coração era o cálice, era
o vinho, era o pão. Todos vinham comer e beber a este
cálice. Dali em diante, toda aquela cena seria renovada.
Mas, oh! que horror o que eu vi! Tantos Judas a comerem e a
beberem indignamente! Que línguas tão sujas! Mas mais horror
ainda: mãos tão indignas a distribuírem este pão e este
vinho! Mãos indignas, corações cheios de demónios. Que
horror, que horror de morte! Senti tanta dor que de dor e
horror parecia-me rasgar a alma e despedaçar o coração. Não
sei exprimir-me melhor, o que sei é dizer que de tudo quanto
tenho visto, sofrido e sentido, é este caso o mais tremendo
e aterrador. E, sobre tudo isto, o amor de Jesus, amor
indizível, amor que, só sendo sentido, se pode avaliar! |
|
— Meu
Jesus, perdoai-me, que nada disse. (Sentimentos da alma, 12 de Abril
de 1945.)
*****
Como
prometido acima — e vai ser a primeira vez que aqui tomo posição
sobre um assunto delicado! — vou comentar algumas frases deste texto
importantíssimo.
Quando
lemos que ela diz: “O meu coração era o cálice, era o vinho, era
o pão”, não é difícil imaginar que ela é “Jesus”, ou ali o
representa de maneira particular, porque ela diz ainda que “todos
vinham comer e beber a este cálice” e que esta “cena seria
renovada”, pelos séculos fora, portanto ela fala da divina
Eucaristia.
Como
disse acima, ela não podia inventar, mas podia transmitir, não só
aquilo que nesse momento sentia, mas aquilo que nesse momento VIA.
E a “vivência” da visão incomoda-a, atrista-a, causa-lhe horror, por
“ver” que tantos Judas iriam comer e beber indignamente o celeste
manjar. Estes Judas têm “línguas tão sujas”!
Actualmente, em todas as igrejas da terra, quantas pessoas se
aproximam da divina Eucaristia e a recebem sem se terem confessado?
Quantos japoneses e chineses, visitando as grandes catedrais, se
aproximam da Sagrada Comunhão, porque vêem que todos ali vão receber
“qualquer coisa” (na mão)... Isto aconteceu na Catedral Nossa
Senhora, em Paris!
Mas o
horror que sente a Alexandrina ainda não chegou ao seu paroxismo,
porque logo a seguir ela escreve com o mesmo horror, ou talvez um
horror ainda maior, porque ela vê “mãos tão indignas a
distribuírem este pão e este vinho! Mãos indignas, corações cheios
de demónios”.
O
Sacramento por excelência foi instituído por Jesus na noite do
“maior amor”, na noite da quinta-feira, noite em que Ele sofreu uma
inexplicável agonia e aceitou humildemente a vontade do Pai:
oferecer-se pela nossa salvação, dar a vida por nós!
Só os
sacerdotes, cujas mãos foram ungidas pelo Bispo aquando da
ordenação, estão aptos e autorizados a segurar entre seus dedos as
hóstias consagradas, só eles podem portanto distribuir a Sagrada
Comunhão, como o estipula o Concílio de Trento e o último Concílio,
o do Vaticano II. Sim, o Concílio Vaticano II — mesmo que esta
afirmação possa parecer estranha e inverosímil — não dá qualquer
informação, nem instrução sobre a distribuição da Sagrada Comunhão,
o que significa que tudo continua como dantes.
Com
efeito, nenhum dos documentos do dito Concílio, incita ou aconselha
a Comunhão na mão. Depois, quando esse assunto foi abordado por uma
comissão de liturgistas, uma maioria esmagadora votou contra… Mas
algumas Igrejas “nacionais”, tais como as Igrejas da Alemanha, da
Holanda e da França, entre outras, decidiram fazer “à maneira delas”
e “legalizaram” a Comunhão na mão, baseando-se para isso num texto
dos primeiros séculos, em que se descrevia a Comunhão dada na mão,
apresentada ao celebrante em forma de “concha”. O que é certo, é que
o santo Papa, João Paulo II, en seu tempo, e agora o actual Papa
Francisco, procuraram e p^rocuram corrigir esse erro, como já se viu
em diversas “Eucaristias” celebradas pelo actual Pontífice.
Esta é
a verdade e, perdoem a minha ousadia: desafio seja quem for a
provar-me o contrário.
Depois
deste “depoimento”, torna-se mais fácil compreender o que logo a
seguir a Alexandrina escreve:
“Que
horror, que horror de morte! Senti tanta dor que de dor e horror
parecia-me rasgar a alma e despedaçar o coração”.
Esta
visão marcou a alma da Alexandrina para sempre e ela termina o seu
Diário desse dia com estas palavras reveladoras:
“Não
sei exprimir-me melhor, o que sei é dizer que de tudo quanto tenho
visto, sofrido e sentido, é este caso o mais tremendo e
aterrador”.
Afonso
Rocha |