No Diário de 9
de Novembro de 1943, a Beata Alexandrina não só nos dá o seu sentimento sobre a
guerra que ainda continua a devastar o mundo, mas explica-nos porque escreveu ao
Santo Padre Pio XII para o encorajar e o assegurar que nada sofreria
fisicamente, sobretudo depois que lhe “chegou aos ouvidos de que o Santo Padre
tinha sido preso”.
Neste mesmo
Diário está a cópia exacta dessa mesma carta.

* * * * *
« O que penso sobre
a guerra e a minha confiança em Deus.
Quando me falam da
guerra e do perigo em que Portugal está, sorrio a tudo, pois o meu coração
redobra de confiança chegando a dizer a Jesus : Jesus, confio em vós ! E digo
para quem me fala : Não será tanto assim, Nosso Senhor é de infinita
misericórdia ! Não é porque nós merecemos mais do que as outras nações. Não têm
os pais muitas da vezes as sua predilecções para com um dos seus filhos ? Assim
acontece com Nosso Senhor. Muitas vezes estas conversas faziam-me sofrer pelo
que ouvia do mundo e pelo que sentia de Nosso Senhor e ouvia, quando ele me
dizia repetidas vezes : “Confia, confia, minha filha”. Temia muitas vezes ser o
demónio, mas os efeitos dele não se faziam sentir na minha alma. Ao ouvir as
palavras “confia, confia, minha filha”, sentia muita paz e força capaz de vencer
a guerra.
Chegou-me aos
ouvidos de que o Santo Padre tinha sido preso, e eu não me convenci disso, tomei
por confusão do povo. Desde pequenina que rezo pelo Santo Padre, mas desde há
muito que venho rezando mais, compadecida do muito que ele sofria. Agora que
ouço isto, rezo mais. Apoderou-se de mim uma dor tão grande e uma compaixão por
ele que por vezes me parecia não resistir. Sentia na minha alma um luto, como
quando morre um pai de família que deixa todos os seus filhos órfãos. Os dias
foram passando e nesta luta constante não me canso de oferecer a Jesus todos os
meus sofrimentos e por eles peço a paz. Queria aliviá-lo e confortá-lo,
libertá-lo de todo o seu sofrimento e não sabia como. Um dia, depois de
comungar, senti um grande desejo de escrever a Sua Santidade. Sem poder resistir
a ele, disse para minha irmã: Vou escrever ao Santo Padre. Dá-me a caneta e o
papel. E tratei de o fazer, pedindo a Nosso Senhor toda a luz e força e de novo
ofereci o sacrifício que fazia. Escrevi o Seguinte :
Santíssimo
Padre :
Sei
que nestas horas trágicas que passam pela humanidade, depois de Jesus o
coração que mais sofre é o de Vossa Santidade. Jesus sofre porque é
ofendido, e Vossa Santidade sofre por ver o mundo em guerra, em ódios,
em crimes. Ai, quanto sofre também o coração da mais pobre, da mais
miserável e indigna das vossas filhas por não livrar o Coração divino de
Jesus dos crimes da humanidade, para não ser mais ferido, e por não
poder aliviar dor tão dolorosa e profunda que aniquila e trespassa o
coração do meu querido Pai espiritual e pai de todo o mundo.
Ó
meu querido Paizinho, eu nada valho, eu nada posso, sou pobrezinha e
miséria, mas Jesus pode fazer-me forte e poderosa e é com Jesus e com a
querida Mãezinha que estou ao lado de Vossa Santidade para com os meus
sofrimentos o ajudar a levar tão pesada cruz.
Queria
beijar a terra onde Vossa Santidade põe os pés, queria andar de rasto
por onde quer que passasse o meu querido Paizinho como sinal da minha
dor por o ver sofrer e do meu profundo respeito.
Coragem,
coragem, Santíssimo Padre, Jesus não falta, a força vem do Alto, a
guerra acaba, a paz reinará entre os homens, mas sempre com dor e
sacrifício e o reinado de Vossa Santidade continuará sempre por entre
espinhos, mas Jesus nunca faltará com toda a sua graça e amor para o meu
querido Paizinho poder subir alegre tão doloroso calvário. Foi ele quem
escolheu tão terno filho para pai de tos nós, para nos dar as santas
luzes do divino Espírito Santo. É triste o reinado na terra, por causa
da malícia dos homens, mas será alegre e glorioso no Céu, como prémio de
tanta dor e de tanto amor a Jesus.
Santíssimo
Padre, sou uma filha vossa, doente há vinte e seis anos e paralítica há
quase dezanove. Esta minha carta representa um enorme sacrifício, pois
estou deitada na cama, com o meu pobre corpo trespassado das mais agudas
dores, mas é uma prova de amor, santo amor ao meu querido Santo Padre.
Ai,
meu Pai, se fosse possível eu dizer quanto sofro no corpo e na alma! Que
triste e dolorosa tem sido a minha vida ! É só alegre com os olhos em
Jesus. Pai, meu Pai, dai-me a vossa bênção apostólica, suavizai a minha
dor, tende dó de mim e perdoai-me o meu atrevimento. Eu não tomei
conselho com ninguém, pois já vai para dois anos que não tenho director.
Manda quem pode e obedece quem deve. A bênção, a bênção, meu Pai, e o
perdão para o mal escrito, mas eu não sei escrever melhor.
Nunca
esqueço Vossa Santidade, nem na terra, menos no Céu. Eu não sei falar
para o meu querido Paizinho. Perdão, perdão !
Sou
a pobre
Alexandrina
Maria da Costa.
Terá de certo o
Santo Padre ficado enternecido com a simplicidade desta carta e o sentimento
filial que a inspirou. Pie XII era o Papa da consagração do mundo ao Coração
Imaculado de Maria, consagração tão querida da Beata Alexandrina.
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