A vida da Beata
Alexandrina é já bem conhecida dos portugueses e brasileiros, como é sabido,
graças ao Sítio oficial onde estão publicadas não só biografias da “Doentinha
de
Balasar”, mas também grande quantidade dos seus escritos e particularmente,
nestes últimos tempos, muitas páginas do seu Diário, “Sentimentos da alma”.
Lá se encontra
igualmente a sua Autobiografia já traduzida em diversas línguas. É deste
documento importante, escrito pela Beata em 1940 por ordem expressa do seu
Director espiritual de então, o Padre Mariano Pinho, que vamos tirar a “matéria”
para este curto trabalho que de antemão lhe oferecemos, pedindo-lhe igualmente
que interceda o divino Espírito Santo de nos iluminar com a sua luz penetrante,
de maneira que prestando homenagem à esposa, possamos pela mesma ocasião prestar
ao Esposo celeste uma vibrante e fervorosa prece de acção de graças.
Estamos no
período mais critico, da vida da Alexandrina, quanto à sua saúde e cura
eventual.
Na verdade,
depois do salto que dera da janela da sala para o quintal, nunca mais tivera
saúde, mesmo depois de ter consultado numerosos médicos e até ter mesmo feito
diversas promessas: o Senhor queria-a para Ele.
Na Autobiografia
ela escreve:
« Nosso Senhor
aliviou-me de um, mas deu-me outro sofrimento maior ainda. Só dele teve
conhecimento Jesus e, alguns anos mais tarde, o meu Pai espiritual. »
Do sofrimento
“maior ainda” de que aqui fala, não falaremos nós, por que não está no âmbito
deste humilde trabalho, por isso mesmo recomendamos aos leitores de consultarem
a dita Autobiografia.
« Passaram-se
seis anos de doença ― continua ela de explicar no
referido documento ―, um pouco a pé, outro pouco na cama. Durante este
período cheguei a estar cinco meses sem me levantar, continuando no mesmo
sofrimento moral por espaço de doze anos sem nunca, nunca dizer nada a ninguém.
Quando me encontrava sozinha e presa no meu leito, voltava-me para o quadro da
entronização do Sagrado Coração de Jesus, pedia-lhe que me libertasse de tal
sofrimento, que me desse luz para conhecer o que havia de fazer, enquanto ia
chorando muitas lágrimas.
Não deixei de
pedir muito à Mãezinha para que intercedesse por mim nas mesmas intenções. »
Como é hábito
dizer-se: “Só Deus sabe escrever direito por linhas tortas”. Alexandrina devia
conforma-se e aceitar humildemente este estado de debilidade para melhor
enfrentar o que Jesus tinha para ela preparado.
Como os ares de
Balasar não pareciam trazer-lhe qualquer alívio, ela foi enviada para a Póvoa de
Varzim onde anos antes tinha sido escolarizada durante dezoito meses.
« Com os meus
dezasseis anos ― conta ela ―, pouco mais ou menos,
fui continuar o meu tratamento para a Póvoa de Varzim. »
Os ares marítimos
da vila balneária parecem ter tido qualquer efeito “curativo” visto que desse
tempo Alexandrina nos conta a sua primeira “aventura” amorosa, assunto que é na
verdade aquele que escolhemos para uma vez mais termos ocasião de louvar a sua
pureza e o seu desapego às coisas do mundo.
O rosto
simpaticamente encantador da Alexandrina, os seus olhos negros como amoras, o
seu sorriso permanente e a sua natural jovialidade, não podiam deixar de atirar
sobre ela os olhares dos rapazes da sua idade, o que nos parece coisa normal.
Como a esposa do
Cântico dos Cânticos, também Alexandrina poderia dizer: « Eu sou morena,
porém for-mosa! » (Cant. 1, 5).
Mas deixemos que
ela mesma nos conte como isso se passou:
« Numa manhã,
quando me dirigia para a igreja, percebi que alguém apressadamente se aproximava
de mim. Era um militar que se dirigia a mim a pedir-me namoro. Recusei
imediatamente, mas como ele insistisse e não deixasse de me acompanhar,
disse-lhe que se retirasse, que ia para a igreja. Pediu-me licença para estar
comigo quando voltasse da igreja. Prometi-lhe que estaria, só para me livrar
dele, com a ideia de trocar o caminho. Ao voltar, pus-me a ver se o via e, como
nada enxergasse, vim pela mesma rua. A certa altura surgiu-me ele, não sei de
onde, e disse-me:
― “Ó menina,
você que me prometeu?”, e tratava de me acompanhar a casa.
Parei e
falei-lhe, dizendo que era doente e que minha mãe não consentia que eu
namorasse. Custou-me muito a convencê-lo. De repente, apareceu a minha irmã e
ralhou-me, pensando que eu estava a namorar. Não voltei mais por aquele caminho,
com receio de me encontrar com ele. Com isto, tudo terminou.
Várias vezes
me vi apoquentada por rapazes a pedirem-me namoro, mas nunca aceitei. Cheguei a
dizer a um que me falava em casamento:
― “Não deixo a
minha família por causa de um homem.” »
Que simplicidade,
mas ao mesmo tempo que têmpera forte e resposta que não permite insistência,
mesmo se legítima.
Esta situação e,
porque a saúde da Alexandrina parecia, aos olhos de muitos que a conheciam,
normalizar-se, até mesmo o Sr Abade se meteu no assunto, parecendo querer tirar
o lugar a S. Gonçalo de Amarante...
« Sendo do
conhecimento do Senhor Abade que um outro me pretendia, Sua Reverência falou-me
assim:
― “Se queres o
rapaz, isso é tudo comigo.”
Eu
respondi-lhe:
― “Eu estou
boa para casar!”, pois já me sentia bastante doente e, além disso, não tinha
inclinação nenhuma para o casamento.
Às vezes
pensava, se um dia fosse casada, como educaria os filhinhos para serem todos de
Nosso Senhor. »
Alexandrina não
melhorará jamais e, quando isso compreendeu, uma só solução se apresentou a ela:
acomodar-se à vontade de Deus sobre ela.
Eis o que
escreveu na sua Autobiografia:
« Como não
consegui nada, morreram os meus desejos de ser curada e para sempre, sentindo
cada vez mais ânsias de amor ao sofrimento e de só pensar em Jesus.
Um dia em que
estava sozinha e, lembrando-me de que Jesus estava no sacrário, disse:
“Meu bom
Jesus, Vós preso e eu também. Estamos presos os dois: Vós preso para meu bem e
eu presa das Vossas mãos. Sois Rei e Senhor de tudo e eu um verme da terra.
Deixei-Vos ao abandono, só pensando neste mundo, que é das almas a perdição.
Agora, arrependida de todo o coração, quero o que Vós quiserdes e sofrer com
resignação. Não me falteis, bom Jesus, com a Vossa protecção.” »
Mais adiante, no
mesmo documento, ela afirma ainda:
« Sem saber como,
ofereci-me a Nosso Senhor como vítima, e vinha, desde há muito tempo, a pedir o
amor ao sofrimento. Nosso Senhor concedeu-me tanto, tanto esta graça que hoje
não trocaria a dor por tudo quanto há no mundo. Com este amor à dor, toda me
consolava em oferecer a Jesus todos os meus sofrimentos. A consolação de Jesus e
a salvação das almas era o que mais me preocupava.
Com a perda das
focas físicas, fui deixando todas as distracções do mundo e, com o amor que
tinha à oração – porque só a orar me sentia bem – habituei-me a viver em união
íntima com Nosso Senhor. Quando recebia visitas que me distraíam um pouco,
ficava toda desgostosa e triste por não me ter lembrado de Jesus durante esse
tempo. »
Assim era bem
verdade, o que ela dissera ao Sr Abade de Balasar:
“Eu estou boa
para casar!”
Salvo que o
Namorado não era aquele que esperavam, mas Jesus, o Esposo das almas virgens, o
Eterno Amoroso que melhor do que ninguém sabe falar às almas que por ele
aspiram.
« Eis que és
formosa, ó meu amor, eis que és formosa; os teus olhos são como os das pombas »
(Ct. 1, 15)
« Pomba minha,
que andas pelas fendas das penhas, no oculto das ladeiras, mostra-me a tua face,
faz-me ouvir a tua voz, porque a tua voz é doce, e a tua face graciosa »
(Ct. 2, 14).
« Os
teus lábios são como um fio de escarlate, e o teu falar é agradável; a tua
fronte é qual um pedaço de romã entre os teus cabelos »
(Ct. 4, 3).
Assim fala o
Senhor às almas suas amadas, particularmente aquelas que inteiramente se
ofereceram a Ele como vítimas, como consoladoras et participantes no mistério da
Redenção.
Cada uma delas e
também a Alexandrina de Balasar, que o Senhor amou dum amor exclusivo, pode
dizer, dirigindo-se ao Esposo celeste:
« Eu sou do
meu amado, e o meu amado é meu » (Ct. 6, 3) ; “eu
estou boa para casar!”
O desposório
espiritual acontecerá alguns anos mais tarde e a Beata Alexandrina receberá de
Jesus o anel destinado às esposas mais queridas!
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