26 de Fevereiro de 1945
Custa-me tanto falar da dor! É tão grande o meu sacrifício! Se eu
pudesse encobrir as minhas amarguras!
— Meu
Deus, não me deixes, tenho de obedecer, tenho de falar dela; é a dor
a minha vida contínua.
Sofro
de dia, sofro de noite, sofro a toda a hora e momento. Sinto-me
rolar pela terra; rolo, corro mundo sem parar, e é a dor que me
obriga. Rasga-se-me o coração e a alma e todo o ser. Sinto que um
mundo de feras cai sobre mim, todas com trombas como elefantes, que
penetram no meu corpo, me chupam todo o meu sangue; estou
esgotadíssima, não tenho mais para lhes dar. De boa vontade eu mesma
lhes abro as veias para elas chuparem. Mas, pobre de mim, estou como
um rio que secou, e só se encontram nele areias espessas e
ressequidas.
— Ai,
meu Jesus, que hei-de eu fazer mais por Vós? Que mais hei-de fazer
pelas almas? Ai, o mundo que não vê, e eu não tenho luz para lhe
dar. Ai de tantas almas que têm sede, e eu não posso saciá-la.
Deixai-as, meu bom Jesus, fazei que elas entrem todas no Vosso
Divino Coração: aí encontram luz, nele podem saciar-se. De Vós podem
receber toda a vida que necessitam e que eu não tenho para lhes dar.
A minha
preocupação é Jesus, a minha preocupação são as almas.
— Ó
dor, triste dor, eu quero-te, eu amo-te; vens de Jesus, beijo-te,
abraço-te, sorrio-te de alma e coração. Mas, meu Deus, como viver
esmagada debaixo deste peso universal?
Os
olhos do meu corpo não podem ver o sol que com os seus raios teima
entrar pela janela e vir até junto do meu quarto. Os meus olhos não
podem vê-lo nem o meu espírito recordar que ele existe, porque os
olhos da minha alma só vêem noite, tremenda noite dentro e fora de
mim. Os meus ouvidos não podem ouvir os gorjeios das avezinhas que,
com os seus trinados, fazem lembrar a primavera que se aproxima. Não
posso ouvir o mar com o seu barulho estrondoso, porque o mar sem
fim, ameaçador, sempre ameaçador, com ameaças destruidoras, está
sempre sobre a minha alma. Tudo isto me faz lembrar a grandeza e o
poder do meu Deus e obriga-me a entrar dentro de mim, a viver dentro
em mim, a não sair fora de mim, juntando Jesus com Sua grandeza, com
o Seu poder, com o Seu amor à amargura, à dor, à noite da minha
alma. Vivo na presença do meu Deus sem O amar, sem O conhecer, sem
nada Lhe dar. É a grandeza sobre o nada, é o fogo no gelo, a vida na
morte. Jesus assim o quer.
— Ó
vontade do meu Senhor, só a ti quero também.
Mais
uma noite em que o demónio veio duas vezes, com os seus penosos e
tremendos ataques. A princípio, lutei só com ele. Como demorasse a
conseguir de mim o que desejava, disse-me que ia chamar mais
demónios para satisfazer-me. Assim o fez: vieram mais. Combati por
muito tempo ainda. Nova ameaça:
— Não
vais ao prazer por tua vontade, convido mais para te levarem ao
pecado, ao crime.
Tudo
isto era acompanhado de palavras e nomes horrorosos. Pobre de mim. O
suor escorria-me, o coração palpitava aflitivamente. Só depois do
mal feito, ou que a mim me pareceu que foi mal feito, coberta duma
dor sem igual, bradei, afirmei:
— Valei-me, Jesus, não quero pecar.
Era
impossível eu mover uma aresta. Meu Deus, que posição violenta! Ouvi
Jesus que falava a meu lado, enquanto eu estava sobre um abismo
cercado em toda a volta dum enleio de espinhos. Vi-os claramente,
porque, por entre os espinhos, brilhava mais branca que a neve não
sei o que era, pareciam pedacinhos de nuvens; com a sua alvura,
brilhavam e apareciam os espinhos agudíssimos, enleados uns nos
outros. Era tão grande o abismo, não tinha fundo. Era negro, negro,
assustador. Só me encantavam os espinhos com a alvura daqueles
pedacinhos brancos. Quando Jesus chamava: “anjo, meu querido anjo,
anjo da minha esposa e vítima, leva-a ao seu lugar, com todo o amor
e carinho”, no mesmo instante tomei a minha posição, fiquei nas
minhas almofadas. Principiei a ver o fundo do abismo que vinha
subindo, subindo quase até cima como se fosse uma enchente de água.
Jesus cobriu-me de carícias e disse-me:
— Não
pecaste, não pecaste, minha amada. A tua reparação, as raízes
fortíssimas do teu amor arrancam deste medonho abismo as raízes do
pecado das almas que nele estão. Vêm subindo para mim, embora caiam,
não voltam a cair tão fundo, caem para se levantarem e, a pouco e
pouco, ficarão firmes. Coragem, filhinha! Não tens nisto consolação?
— Meu
Jesus, não tenho outra senão a de Vos ter consolado. E Vós estais?
— Muito, muito, minha pomba bela. Espremo, espremo o meu cachinho de
uvas, consolo-me, delicio-me nos preciosos licores que ele me dá.
Chupo tudo para minha consolação e alegria, tudo aproveito para as
almas. É por isso que não te dou alegria nem consolação com a
presença daqueles que ta podiam dar, privando-os a eles de se
consolarem e alegrarem de te verem alegre e consolada.
— Obrigada, meu Jesus, seja feita a Vossa vontade.
Horas
depois, voltou o demónio, principiou com as mesmas manhas e actos
feios. Logo que o pressenti, ofereci-o a Jesus em reparação pelas
almas que Ele me pediu. Fi-lo depressa, enquanto o maldito mo
deixava fazer. Quase nos mesmos momentos, dizia:
— Jesus, Jesus, não quero pecar.
No
mesmo instante, repetia em mim sem eu querer:
— Quero, quero pecar, quero o prazer, quero gozar.
Imediatamente, voltava a dizer:
— Jesus, Mãezinha, valei-me, não quero ofender-Vos.
Logo
repetia, sem minha vontade:
— Quero
ofender-Vos o mais gravemente.
Pobre
de mim, parecia-me estar toda, toda entregue a Satanás, toda em
ânsias de satisfazer paixões. O meu coração já não podia com tanta
luta. O meu corpo não era cinza, não era outra coisa a não ser dor,
dor que só pode ser conhecida por quem a experimentar. Parecia-me
que o demónio tinha realizado os seus desejos. Voltei a chamar por
Jesus. O maldito dizia-me:
— Chama-O agora, depois de satisfeita, depois de teres pecado.
Veio
Jesus, colocou-se ao meu lado, não fez outra coisa senão levantar a
sua bendita mão à frente de Satanás; deu-lhe sinal de paragem, e,
imediatamente, cessou o ataque, e o maldito fugiu.
— Ó meu
Jesus, em que agonia me preparei para Vos receber. Que grande
confusão a minha. Que vergonha ao dar-Vos entrada no meu coração.
Não posso pensar na Vossa bondade infinita.
Durante
o dia, surgiram-me espinhos dum lado e do outro. De boa vontade, sem
tentar desviá-los, com os olhos em Vós e por amor às almas, todos
deixei cravarem-se em meu coração. Ou sofrer ou morrer. Se não
consolo o meu Jesus, se não salvo almas, que estou aqui a fazer,
para que serve a minha vida? Para nada, nada. |