1º de
Março de 1945
Não
tenho vida, não tenho sangue, tudo dei, tudo perdi. Dei tudo e
parece-me que foi inútil. Sinto uma perda tão grande! Meu Deus,
parece-me que não existo; existe a dor e é minha. Existe o mundo e
necessita dela. A minha alma sente uma fome tão grande, mas esta
fome é do mundo, é o mundo que vem alimentar-se à minha dor, é um
mundo de feras a apanharem quanto mais podem o meu sofrimento. Nada
é, nada sofro, em comparação do que a pobre humanidade necessita.
— Jesus, que sofrimento este!

Parece-me que estou a arrancar do meu peito o coração e a
transformá-lo em pequeninas migalhinhas para dar ao mundo, para dar
às almas. Queria levar a vida a mendigar corações para serem o
alimento, a salvação dos pecadores. Queria bradar alto, muito alto,
que a minha voz ecoasse em toda a humanidade:
— Ó
mundo, ó mundo ingrato, sou tua, dou-me a ti por Jesus e pela
querida Mãezinha. É por Eles que passo para ti o meu sangue, a minha
vida; é por Eles que te quero, é por Eles que sou tua, é por Eles
que te amo. Amo-te para te salvar, amo-te para a Jesus e à querida
Mãezinha te entregar.
Ai de
mim, não tenho que dar, não tenho mais que fazer. Que horrores se
passam em mim, causados pela loucura, pelas ânsias insuportáveis de
amar a Jesus e salvar a humanidade.
Na
noite de 27, tive uma visão de espinhos que me causou enorme
sofrimento e medo. Era um bosque de espinhos, só espinhos à minha
frente; era um bosque fechado. Subiam a tanta altura, enleados uns
nos outros que eu não lhes via o fim. Todos eles pendiam a cair
sobre mim, muito grossos e extensos. Não soube o significado disto,
nada compreendi. O que fiquei a sentir desde então é que estou toda
envolta neles. A minha cama é de espinhos, a roupa que me cobre é de
espinhos, a que visto são espinhos, eu mesma sou de espinhos. Tudo é
dor, tudo é sangue, dor que me não pertence, sangue que não é meu.
Estou no meio desse bosque, que ele mesmo é sangue, sangue que
floresce e dá a vida a todos os espinhos. E sobre eles continua a
cair sempre a mesma chuva orvalhosa de sangue. Que espinhos tão
reverdecidos! A minha alma sente que deles vão brotar uma nova chuva
de botões brancos. Além destes espinhos, tenho recebido tantos
cravados pelas criaturas e de quem menos esperava. Tem-me custado
tanto encobrir as minhas lágrimas! Gostava que só Jesus as visse.
Meu Deus, oh! quantas amarguras dentro em mim. Não posso ter nenhum
apoio na terra, nada posso esperar daqui. Ai, até mesmo os que me
são tão queridos, até desses tomou Jesus para Si a alegria e o
conforto que me podiam dar. Sinto-me diante deles envergonhada,
assustada como se os tivesse ofendido e contra eles praticado os
maiores crimes.
O
demónio continua a correr para mim como um cavalo sem freio. Vem
louco para me insultar e convidar ao mal. Ouço dele o que nunca ouvi
das criaturas, conheço dele o que nunca conheci do mundo. Não sei se
disse, parece-me que sim:
— Tu
não me satisfazes, convida mais demónios para pecarem comigo; quero
o prazer, quero gozar.
Que
horror, que horror parecer-me que dizia isto e que desviava para
longe de mim o terço e a Mãezinha, que lhes escarrava e os calcava
aos pés. Parece-me sempre que o maldito consegue de mim tudo quanto
deseja e que ofendo o meu Jesus. No auge da dor, mais libertada
dele, repeti muitas vezes:
— Não,
não, não, meu Jesus, não quero pecar.
E,
neste momento, veio Jesus tirar-me de sobre o abismo em que estava.
— Sim,
sim, minha filha, não queres o pecado, queres o meu divino amor, e
esse te dou na maior das abundâncias. Sim, sim, sim, minha filha,
não queres o pecado, mas a salvação das almas, e só assim com esta
reparação elas podem ser salvas, as que tão gravemente me ofendem
nesta matéria. Ordeno-te, meu encanto, que vás para as tuas
almofadas.
Uma
força, vinda não sei de onde, nelas me colocou. Cansada de tanto
lutar, banhada em suor, fui repetindo sempre: “amor, amor, sempre
amor, meu Jesus; almas, todas as almas”. Não sei como o maldito se
pode apresentar com caras tão feias, olhares aterradores e em forma
de bichos de tanta variedade. Vêm até junto de mim como para me
engolirem, alguns tão espraganudos! Ai, o que ele faz para nos
tentar, para nos perder. Que pena não conhecerem todos as suas artes
e manhas.
Hoje,
logo de manhãzinha cedo, senti na minha alma, ouvi aos meus ouvidos
fortes ruídos, grandes pancadas a abrirem-me a sepultura. Era tão
funda! Que horror, é quinta-feira. Corre para mim a morte, a
sepultura está pronta. Vem sobre mim o peso de todas as humilhações,
nada há de mau que contra mim não digam. A minha alma já vê tudo o
que vai tirar a vida do corpo. A minha sepultura é um poço, um
abismo. Nada há em mim de alegria, tudo o que é belo e poderoso para
mim é dor. Deitada na minha cama, pude admirar a grandeza do
Criador. Vi pela janela as árvores, cobertas de flores. Que
maravilha! A brancura delas transformava-se em noite na minha alma.
Todas as pétalas das mesmas flores serviram de setas para em meu
coração serem cravadas.
— O que
fazer, meu Deus? Aceitar o que vem de Vós, a Vossa vontade, Senhor!
Vou para a morte com os olhos fixos na Vossa cruz. |