2 de
Março de 1945 – Sexta-feira
De
noite ainda, sem me lembrar o dia que era, lembrou-mo a minha alma.
Senti-me na prisão, muito triste, sozinha, cansada e em grande
abatimento. Sofria por me terem vendado os olhos, sofria por tanta
ingratidão.
Principiei a minha preparação para receber a visita do meu Jesus.
Durante a preparação, já de dia, foram buscar-me à prisão. O meu
rosto, sentia nele grandes escarros. Cá fora esperavam-me grandes
multidões de gente. Meu Deus, o que ouvia de gargalhadas. De rua em
rua, de casa em casa, no meio de grande algazarra, coberta de
maus-tratos e interrogada por senhores absolutos, cheios de soberba,
convencidos de que tudo podiam fazer. Em frente de tanta grandeza,
oh! como eu era pequenina! Fui condenada, tomei a cruz; inclinada
debaixo do seu peso, já quase só de rastos podia mover-me. E quantas
vezes fui eu arrastada. Ai quantas lágrimas senti passarem-me no meu
coração. Ao ser tratada tão cruelmente, repetia muitas vezes o
coração: “amo-Vos, sofro por Vosso amor”. Levava a cruz e no cimo do
calvário via a de Jesus; era um farol que entrava dentro em meu
peito a iluminar tudo. Sentia-me atraída para ela; para a abraçar,
para a possuir, ia caminhando. Cheguei ao calvário, estenderam-me
nela. Quando me esticavam os braços e pernas para serem cravados,
quando sentia que das feridas dos cravos corriam fontes de sangue,
veio o demónio para mim, a correr desastradamente; veio redobrar o
meu sofrimento. Disse-me que íamos gozar por palavras feiíssimas e
depois calou-se, deixando-me a lutar com as suas falsas artes. Eu,
cravada na cruz de pés e mãos, sem poder mover-me. Ai quanto sofri.
Não podia lutar; fitava o meu Jesus crucificado.
— Meu
amor, sofro por Vosso amor. Meu amor, sofro para Vos dar almas.
Valei-me, Jesus, tende dó de mim. Mãezinha, eu não quero
ofender-Vos.
Depois
de muito lutar, principiou novamente o maldito a encher-me de nomes
e a dizer-me:
— Eu
não te tocava e nada te disse; és tu que queres pecar, és tu que
queres o prazer.
Depois
de satisfeitos os seus desejos, ou porque Nosso Senhor o obrigasse,
ele deixou-me. Mas não me deixou a tristeza e a amargura; não me
deixou o abandono; não me deixaram as lágrimas e a agonia da
Mãezinha e os seus olhares dolorosos, cheios de compaixão por mim.
Com que aflição, com que agonia eu bradei ao céu, sempre, sempre,
até expirar: “Pai, meu Pai, porque me abandonaste?” Não era eu que
bradava, era o meu coração; não era eu que o queria fazer, mas a
força da dor e da agonia me obrigava. E, neste transe, veio Jesus,
descia do céu para a terra, embebido numa nuvem; deu entrada no meu
coração e disse-me:
— Minha
filha, sol da terra, fogo dos corações, honra e alegria do céu. Sol
que, com os seus raios brilhantes, aqueces e iluminas toda a
humanidade. Fogo que abrasas e purificas os corações. Honra e
alegria do céu, porque, ao ver a tua dor, ao ver o teu martírio, que
já lá está escrito agora e por toda a eternidade, alegra-me,
honra-me, glorifica-me. Todo o céu bendiz o meu santo nome, pela
vítima imolada, pela vida das vidas, pela vítima das almas. Vim do
céu, minha filha, desci do meu trono divino, vim ao meu palácio, ao
meu céu da terra, subi ao trono da minha rainha. Venho da minha
glória desabafar contigo as minhas mágoas. Diz-me, amada minha,
queres consolar-me? Queres alegrar o meu divino coração tão triste?
Queres dar-me tudo até a consolação que de mim devias receber?
Fala-me, fala-me com a tua língua de ouro, o teu coração de fogo.
— Jesus, que me pedireis que eu não Vos dê? Conto sempre com a Vossa
graça para com ela poder sofrer tudo e dar-Vos tudo o que de mim
desejais. Viva eu sempre na tristeza e na amargura, para Vós, meu
Jesus, viverdes só na consolação e na alegria.
— Ó meu
anjo da terra, tu falas aqui e o que tu dizes escrevem os anjos no
céu a letras de oiro e pedras preciosas. Vê o mundo, vê o lodo, vê a
lama. A maldade que vai por aí! Olha como sofre o meu divino
coração. Olha como está ferido. Já que de tão boa vontade, tão
alegremente dás tudo, privo-te da minha alegria, da minha
consolação, assim como te privei da consolação e alegria daqueles
que te são queridos. Só receberás o meu conforto para poderes
sofrer, para poderes vencer. Só receberás espinhos, de todos os
lados espinhos: foi a visão que te mostrei. Viverás entre eles e
entre eles expirarás. A tua alma pura romperá por entre eles, voará
ao céu a arder de amor. É um anjo seráfico que voa à sua pátria. Os
teus espinhos não são espinhos que secam, a tua dor cultiva o
terreno desse bosque imenso que eu te mostrei; o teu sangue rega-os;
são espinhos que brotam, são espinhos que dão rosas. Que jardim
brilhantíssimo deles vai nascer. O orvalho que sobre esse jardim cai
é orvalho de sangue, é maná celeste que vem abrilhantá-las,
conservá-las, dar-lhes a vida. Tu partes para o céu, mas a tua
graça, as tuas virtudes ficam na terra, é perfume que se estende a
toda a humanidade. Tu partes para a Pátria e ficas comigo na
Eucaristia; serás a pombinha eucarística que não abandona o seu
ninho. É como a pombinha e pastorinha das almas que te quero pintar
nas portinhas e cortinas dos meus sacrários. Assim o quero, minha
filha, rainha do mundo, rainha dos corações. Quero, minha filha,
tenho pressa, muita pressa que a tua vida seja conhecida; o mundo
necessita disso. É por ti, através de ti que eu mostro o meu amor, a
minha misericórdia, as ânsias que tenho de ver salvas as almas.
Custa tanto o Pai castigar o filho que erra e se revolta contra ele.
Como não há-de custar ao meu divino coração imolar, sacrificar a
minha filha amada, a minha vítima inocente? Vê, ó mundo, a minha
loucura e amor por ti. Aqueles que se opõem à minha divina causa, ao
que se passa em ti, opõem-se contra mim, opõem-se à salvação das
almas. Todo o teu martírio é por meu amor, é por amor às almas.
Depressa, depressa a salvar, pelo que opero em ti, o mundo inteiro.
Quando
Jesus dizia isto, dos Seus divinos olhos corriam lágrimas com toda a
abundância. Eu disse:
— Meu
Jesus, quero sofrer só eu e só eu quero chorar. Deixai-me na
amargura, na tristeza infinda e ficai Vós numa alegria e consolação
completa.
Jesus
deixou de chorar, estreitou-me a Ele fortemente e retirou-se. Eu
fiquei abraçada à minha cruz, mergulhada na minha dor.
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