11
de Janeiro de 1945
Continuo a sentir na minha alma e mais forte ainda uma grande
traição, negra, cruel traição.
– Serão, meu Jesus, ciladas armadas para mim, ou será a traição
que para Vós foi preparada e por amor dos filhos Vossos Vós tudo
sofreste? Ó meu Deus, valei-me, tende dó de mim; mal posso
respirar com a minha dor. Será por hoje ser quinta-feira?
Será a traição que traz a morte. Sinto o martírio que me espera,
sinto que o brado dos que se compadecem da minha dor é abafado
pela multidão contrária e revoltosa contra mim.
– Eis aqui a escrava do Senhor. Sim, Jesus, sou a Vossa escrava.
Se eu pudesse passar de hoje para amanhã no inferno, não para
fugir à dor, mas sim aos colóquios que tenho conVosco…
Perdoai-me, por quem sois, ó Jesus. Perdoai-me pelas dores da
querida Mãezinha. Tenho tanto medo desta vida, vida que sinto
não ser minha. Passa o tempo, vem a eternidade e eu sem dar um
passo para o céu, sem aumentar no Vosso divino amor. Jesus,
Jesus, o dia não raiou, mergulhei-me nas trevas para sempre,
para sempre. Vem um espinho, vem outro espinho, eu tudo aceito,
tudo sofro com o fim de Vos consolar e dar almas e sou sempre a
mesma; sempre a mesma frieza, sempre a mesma miséria, sempre a
mesma morte.
É
dor que destrói o coração. Eu, sem dar a conhecer o que sinto,
ofereço a Jesus o meu sacrifício e vou murmurando sozinha:
– Comprai com ele, Jesus, comprai com ele as almas. Poderá esta
minha dor servir de utilidade para elas? Vede, Jesus, é dor que
só o Vosso divino amor pode vencer. Ai, meu Jesus, tenho tanta
vergonha de Vós! É tão grande a minha miséria! Quero viver na
Vossa divina presença e não posso, tenho vergonha, tenho medo,
medo das criaturas que me são mais queridas, a quem mais amo.
Tenho medo de todas e de todas vivo separada.
É a
guerra do demónio. Ó tormento, tormento aterrador. Que raiva
infernal. Se lhe fosse possível tirar-me a vida, quantas ele já
me tinha tirado, se eu mais do que uma possuísse. Depois de
principiar com as suas manhas, diz-me:
– Queres escrever e não tens quê. Fazes isto quando queres e
dizes que sou eu para teres que escrever. Mil demónios num só
pecam contigo. Dá-te a mim como te deste a Deus, beija-me com
amor como beijas o crucifixo. Olha que eu não te faço como Ele,
não te dou que sofrer. Olha que Deus não tem céu para te dar.
Goza, goza comigo, goza os prazeres do mundo.
E
não me deixa bradar ao céu. Mete-se entre mim e Jesus, para Ele
não me ouvir, e dança à minha frente. Dá-me as suas ordens
criminosas e, quando não cedo prontamente, enraivece-se e sinto
como se ele estrancinhasse e patanhasse toda. O meu corpo parece
ficar todo esmigalhado por ele. São só os efeitos, porque ele
não se aproxima de mim a ponto de me tocar. As palpitações do
coração não dão vez umas às outras, as pancadas fazem grande
barulho. Depois das lutas, umas vezes sinto que passa uma aragem
que me levanta e põe na minha posição. Nesta noite não foi
assim; estava caída ao lado das almofadas e sem poder
levantar-me nem ao menos mover-me para nada, já não podia mais
estar naquela posição. Muito triste, só repetia:
– Valei-me, valei-me, Jesus.
Senti-O a meu lado.
– Minha filha, esposa querida, amor do Amor, esposa que conhece
nem quer outro amor, outro amado. O meu sopro divino basta para
levantar-te às alturas, transportar-te ao teu lugar.
Senti o sopro de Jesus e, no mesmo instante, estava nas minhas
almofadas. Continuou Jesus:
– Diz, minha filha, o que queres de mim?
Respondi:
– O
Vosso amor.
– Que queres que eu faça?
– A
Vossa divina vontade.
Jesus estreitou-me ao seu Divino Coração docemente e
acrescentou:
– A
minha vontade é que tenhas coragem nos sofrimentos que te peço,
é que me desagraves assim desta forma. Repara, repara, minha
virgem pura, minha virgem louca de amor por mim.
Pouco depois, adormeci num leve sono e ligeiro. Vi S. José, vi a
Mãezinha com uma criancinha ao colo agarrada ao seu pescoço
santíssimo. Ela sorria alegremente para mim. Por detrás dela e
acima um bocadinho estava um quadro riquíssimo cheio de luz.
Continha duas pessoas no meio e em cima uma pomba branca. Aos
lados, umas cabecinhas pareciam-me anjos. Com esta visão não me
parecia viver na terra. O que será a vida do céu sempre, sempre
a ver a Deus! |