16 DE
MARÇO, SEXTA-FEIRA
Fere-me tudo
o que é do mundo, tudo me causa dor e agonia. As consolações e
alegrias são para mim amarguras, são espinhos que me ferem. A
dor uniu à morte; é o que vejo, é o que sinto unido à minha
miséria.
Que mais
quereis de mim, meu Jesus? Poderei sofrer mais ainda? Eis aqui a
escrava do Senhor. Sou, ó Jesus, e quero ser sempre a vítima do
Vosso divino amor, a vítima das almas.

Durante a
noite, cheguei a escutar se tinha o fogo pegado no soalho do meu
quarto e na minha cama. Sentia os efeitos das chamas e os meus
ouvidos ouviam rumores de labaredas. Decorreram já muitas horas
e o meu corpo ainda parece arder por dentro e por fora. A sede é
negra, é abrasadora. O que será arder sempre no inferno, meu
Deus! O que será a sede de Jesus pelas almas, quando a mais
miserável das criaturas sofre assim!
Na
manhãzinha de hoje, foram-me buscar à prisão; vinha de mãos
atadas, mas mais atado ainda vinha o meu coração: nem podia
palpitar nem os lábios abrirem-se-me para pronunciar palavra.
Senti que
alguém, com amor louco, com amor de mãe, andava rua em rua, cega
de dor, à minha procura, a ver onde podia encontrar-me. A
algazarra era medonha. Vestida com vestes de rei, mas vestida
por escárnio, puseram-me na mão uma cana. Que barbaridade contra
mim! Era tão grande o número dos que procuravam inventar maior
proeza nos sofrimentos, tratando-me mais cruelmente.
No caminho
do calvário, tudo eram gritos e vozearias atrás de mim. Não eram
gritos de dor, mas de ódio e afronta.
Havia alguém
que chorava e se entristecia de mim; havia quem quisesse
consolar-me, aliviar-me e curar-me as minhas chagas. Esse alguém
causava-me ainda mais dor; era uma dor unida à minha dor, era
uma dor que não podia suavizar a minha.
Mãezinha, a
Mãezinha, quanto sofreu com Jesus! Na cruz, no calvário, era Ele
com Ela um só Coração, uma só alma, uma só dor, um só amor.
Jesus abandonado, a Mãezinha abandonada por abandonado ver seu
Filho. Se o mundo conhecesse e compreendesse isto, não pecava…
Jesus estava
na cruz, mas era dentro do meu coração. Ao bradar “Meu Pai,
porque Me abandonaste?”, dizia dentro em Seu Coração:
— Vê,
ó mundo, com as tuas maldades a que estado Me reduziste!
Senti-O
entregar a Sua alma ao Eterno Pai. Com que alegria ela deixou o
Seu Santíssimo Corpo e com que alegria foi recebida no Céu!
Já em união
com o meu Jesus, vi-O na cruz, mas dentro em mim a derramar do
Seu Divino Coração, já então aberto, o resto do Seu
preciosíssimo Sangue e por fim gotas de água. Principiou a dizer-me:
— Arredado
de Mim, minha filha, longe, muito longe, está o pecador
endurecido e louco pelas paixões. Longe, muito longe vivem os
pecadores entregues ao vício e à carne, loucos e cegos de todos
os vícios.
Vem cá,
minha filha, vem, minha pomba branca, receber do teu Jesus, Pai
e Esposo, o remédio, a vida e a luz para os conduzires a Mim.
Jesus uniu o
Seu Divino Coração ao meu, assim como o Seu rosto santíssimo e
lábios aproximou também dos meus. Acariciou-me e passou dele
para mim luz, amor, conforto e vida. Dava-Me tudo o que possuía.
E continuou:
— Vai,
filhinha, medicina das almas, vai dar tudo isto; escolhi-te para
a salvação delas, escolhi-te para amparo delas, escolhi-te para
seres a sua luz.
Dá-lha,
arranca-as das trevas. Vai com o meu amor e a tua dor
inigualável arrancá-las das garras de Satanás; estão presas no
lodo e enleadas nos espinhos. Tu és a luz das luzes, a loucura,
o amor dos amores.
— Ó
meu Jesus, dai-me o que quiserdes, dai-me o que é Vosso, só com
o que é Vosso eu posso roubá-las ao demónio, só com a luz do
Vosso divino amor eu posso dar-lhes luz. Tenho sede, tenho sede,
Jesus, de Vos dar almas, todas as almas.
— A
tua sede é a minha, meu encanto: sacia-ma, tenho sede e fome de
almas, é sede e fome do que causa a morte. Olha,
estão tantas presas, enleadas naqueles espinhos! Se não fores lá
tirá-las, lá morrem, de lá passam para o inferno.
— Já,
já, meu Jesus, vou, quero ir lá desprendê-las, custe o que
custar.
— Minha
filha, mas deixas lá tuas carnes…
— Não
importa, meu Jesus, quero salvá-las.
— Minha
filha, perdes lá o teu sangue…
— Deixá-lo,
meu Jesus, também Vós o perdestes até à última gota. Eu quero ir
lá, custe o que custar, perca o que perder. Eu vou, Jesus, eu
vou ainda que naqueles espinhos se desfaçam e fiquem lá meus
ossos. Pelo Vosso divino amor dou tudo e tudo dou pelas almas.
Que
tormentosa foi a visão destes espinhos! Sem um grande auxílio,
sem a força do Céu, nunca, nunca se desprenderiam de lá tantas,
tantas ovelhinhas.
- Ó pura, ó
bela, ó vencedora das almas, tu ostentas a bandeira da vitória!
Tu és o lírio dos vales, flor mimosa dos prados! As tuas
virtudes são lírios, são açucenas, flores do jardim angélico que
adornam o trono da Majestade divina!
Que bem fará
às almas, quando a tua vida for conhecida, pregada e lida, a tua
vida celeste, a tua vida sem igual!
Oh, quanto
eu anseio que a luz que de Mim recebeste vá penetrar nos
corações de toda a humanidade! Oh, como eu anseio que ela
aprenda neste livro de virtudes e ciências divinas!
Tenho, minha
filha, um meio ainda, um remédio salutar para salvares muitas
almas. Não o aplico já; devia-o aplicar para confusão e punição
daqueles que se opõem à minha divina causa, prolongando por
muito tempo o brilho da luz que escolhi para as almas. Mas para
isso esperarei que venha o teu paizinho, porque necessitas de
todo o amparo e conforto amiudadas vezes. Para eu Me esconder é
preciso que venha para junto de ti quem te ampare e guie. Todo o
amparo da terra será pouco na última fase da tua vida.
Recebe,
minha filha, novamente, a luz e vida do Divino Espírito Santo.
Veio Ele,
poisou sobre a minha cabeça; a minha alma viu-O bater as asas.
Era uma pomba branca mais branca do que a neve. Toda a minha
cabeça era luz, veio à minha boca e, como os passarinhos a
alimentarem seus filhos, meteu nela seu bico, batia as asas e
esforçava-se por passar para mim tudo quanto possuía.
— Minha
filha – dizia Jesus – é a tua vida, é a vida divina, a vida de
que vives, a vida que eu quero que as almas vivam! É a vida da
graça, da pureza e do amor! É luz que te ilumina, é a luz com
que iluminas o mundo! É o brilho do céu, é a riqueza e o tesouro
das almas!
— Obrigada,
meu Jesus. Dai-me a graça de Vos ser fiel, dai-me a graça de
corresponder ao Vosso divino amor. Dai-me a força que preciso
para combater o demónio e salvar-Vos as almas. |