12 de Janeiro, sexta-feira
Que dor a minha, ó meu
Deus! Se não sois Vós, quem poderá compadecer-se dela?
Que
horror aos sofrimentos e êxtases das sextas-feiras, que horror
aos ataques do demónio!
Já tive hoje momentos que
me parecia que a tudo ia dizer a Jesus que não.
Senti-me sozinha na prisão,
de mãos atadas, olhos cerrados na tristeza mais profunda, de
lábios mudos sem dar resposta a nada. Senti o meu corpo
despedaçado pelos açoites e as carnes calcadas aos pés. Ao
sentir-me assim, lembrei-me do sofrimento de quando Jesus
permitia a minha crucifixão. Sentia também o meu sangue a correr
e o coração como que calcado aos pés. Sentia na minha alma
olhares de terna compaixão pelos que me faziam sofrer. Era tal o
horror que me causava o inferno, a perda das almas eternamente
que, em vez de os aborrecer, queria-os, amava-os para salvar as
almas. Via que só a dor os podia salvar.
Veio o demónio ao encontro
destes terríveis sofrimentos. Combati com ele, banhei-me em
suor. Quando ele tentava instruir-me no pecado, pedia-me que lhe
desse o meu coração com amor, ao menos enquanto pecava com ele e
com quem ele lhe apetecia dizer-me.
Horror, horror, horror!
Momentos de tanto perigo!
Levantei os meus olhos ao
Céu a pedir socorro, e cessou a luta. Mas parece-me, se viesse
naquele momento todo o Céu a dizer-me que não tinha pecado,
quase não acreditaria.
Meu Jesus, estar tantas
vezes num fogo vivo e não me queimar!
Faltou-me a minha
respiração. A dor quase me desnorteou. Fiquei com os olhos
levantados e firmes no Céu a dizer a Jesus que não queria pecar,
e o meu corpo ficou na cruz, e ia murmurando sempre:
Jesus, sou a Vossa vítima.
Mas, se assim vou neste aumento de dor, de horror e medo, não
venço, não resisto a tanto. Tendes de sofrer e resistir só Vós,
meu Jesus, bem sabeis por mim que nada posso.
Veio Jesus, falou-me tão
meigamente:
— Minha filha, flor
solitária, mimo da humanidade, dor que salva, amor que tudo
vence… Minha filha, jardim do paraíso, em ti semeei, a ti vem o
mundo colher flores de virtudes, flores de amor. Minha filha,
tesouro escondido, em ti se encerram as riquezas divinas.
Tesouro escondido, porque
quase tudo desconhece o que em ti depositei. Minha filha, pomba
branca, pomba angélica, a tua vida é um trinado de louvor a
Jesus, a toda a Trindade Divina e à minha Mãe Santíssima.
Venho a ti, estou em ti,
deste palácio não posso ausentar-me. O Rei não deixa a sua
rainha. És porto de abrigo, és porto de salvação, és o abrigo
dos pecadores, a salvação da humanidade.
É aterradora a guerra? Nada
temas. O Rei com a sua rainha, rainha com o seu Rei poderoso,
tudo vence. Os soldados estão firmes, combatem pelo seu Rei,
obedecem aos seus mandados.
— Ó meu Jesus, sou tão
pequenina, como podeis encontrar-me? Sou só miséria, como podeis
fitar em mim os Vossos divinos olhares? Tenho vergonha, não
posso levantar os meus para Vós. Compadecei-Vos de mim. Eu sou
flor, eu sou jardim, sou tudo o que dizeis, porque Vós semeais,
Vós cultivais; sois Vós o jardineiro, sois Vós a flor, sois Vós
tudo, tudo, tudo, meu Jesus.
Sois o porto de salvação,
porque a mesma salvação sois Vós. Reparai e vede a minha dor,
tende dela compaixão. Quero amar-Vos e não sei como, quero
sofrer pelo mundo para o salvar e não sei sofrer. Temo o meu
desfalecimento, temo cair para não mais me levantar.
— Não temas, flor mimosa,
adorno do meu divino Coração, não temas, porque não estás só, os
Anjos acompanham-te dia e noite, fazem sentinela ao palácio da
minha rainha.
S. José veio visitar-te.
Viste-lo com a minha bendita Mãe? A criancinha que ela tinha ao
colo, de braços atados ao seu pescoço, eras tu mesma, minha
filha. És a criancinha de Jesus, és a mesma de Maria. Com Ela
salvarás o mundo que te foi confiado, o mundo que hás-de salvar.
Dei-to, é teu, não temas, que não te é roubado.
Viste o painel que por
detrás e acima da minha bendita Mãe e de S. José pudeste
contemplar? Era o da Trindade Divina, Trindade que te ama,
Trindade que se consola em ti. É o Céu a contemplar-te, é o Céu
a dar-te a vida, vida de que vives e para quem vives. É teu o
Céu e é de muitas almas a quem salvares, almas que sem os teus
sofrimentos nunca se salvariam. Vão gozar de Mim, vão gozar do
Céu: a ti o devem, à tua imolação, ao teu sacrifício, ó minha
querida redentora.
Recebe o meu amor, ó amor
meu, dá-o, distribui-o com abundância por toda a humanidade. Em
breve, será conhecida, em breve, será espalhada a tua dor, o teu
amor inigualável.
— Obrigada, meu Jesus. Que
todo o mundo se salve, que todo o mundo Vos ame louca e
apaixonadamente: são os meus desejos, são as minhas ânsias. É
essa e só essa a causa do meu sofrer. Tenho tantas, tantas
ânsias e saudades do Céu! Queria voar para lá e, quando não
pudesse entrar para dentro, queria ao menos arrancar do meu
peito o coração e metê-lo dentro do Paraíso e dizer:
Jesus, Mãezinha, aqui
tendes o meu coração, dentro dele está o mundo, guardai-o, que é
Vosso; vou para a terra sofrer e amar, enquanto esse mesmo mundo
for mundo.
Ah, se eu pudesse fazer
assim! Se eu pudesse dar esta consolação a Jesus! Entregar-Lhe o
mundo todo, todo salvo!
Ó meu Jesus, não deixeis ir
mais almas para o inferno: são Vossas, é o Vosso Sangue, não o
deixeis perder.
13 de Janeiro
Há dias que principiei a
ter um sofrimento indizível (embora diga alguma coisa, mas não
digo nada) pelas criancinhas que estão no limbo e que morreram
sem baptismo. Não posso pensar que elas passem uma eternidade
sem ver a Nosso Senhor, sem gozar d’Ele, e ao mesmo tempo não
sei se sinto pena ou saudade que Nosso Senhor tem pelas
criancinhas. Com os olhos no meu crucifixo, cheguei a dizer a
Jesus se me deixasse ir ao limbo baptizá-las; à falta de água,
abria o meu peito, tirava sangue do meu coração para um vaso;
depois de as baptizar a todas, deixava o restante do sangue. As
criancinhas iam para o Céu, eu voltava para a terra, enquanto o
mundo for mundo, para de vez em quando ir lá baptizá-las. |