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ESCRITOS DA BEATA ALEXANDRINA

“SENTIMENTOS DA ALMA”
— 1945 —

22 DE FEVEREIRO

 

De manhã cedo, comecei a sentir a minha alma atormentada pela dor que me causava a viagem que a Deolinda ia fazer. Ia com pessoas que tanto estimava e visitar pessoas que tanto amava. Fazia muito gosto que ela fosse, mas gostava de eu ir também. Ofereci a Nosso Senhor o sacrifício de não manifestar os sentimentos que me iam na alma. Mas, por fim, não fui capaz de me vencer, mostrei a minha pena e saudade.

Fiquei na minha cruz, aumentada pela preocupação do que se passaria na viagem pela fraqueza da minha irmã, e que correria mal a viagem para todos, e pelo paizinho que eu esperava fossem visitar, o que teria dado a ele um grande gosto, coisa que se não pôde realizar. Senti-me também mais pequenina por ver que pessoas de respeito tanto se incomodavam por nós. Este sentimento persegue-me nestes dias, sentindo cada vez a minha indignidade diante de qualquer pessoa que me vem visitar.

Na noite deste mesmo dia, sofria amarguradamente as consequências daquela tarde. Sem querer, recordava o que se tinha passado. Nem ao menos Jesus deixou a minha alma sentir o conforto da confissão. Oh, não! O bondoso sacerdote não me deu conforto; já não foi a primeira vez. Vejo que Jesus até isso tirou para Ele. Anseio sempre a visita do confessor para mais purificar a minha alma e depois confessar-me.

Meu Deus, que amargura! Amargura, sim, grande, muito grande, mas estava em paz, tinha a tranquilidade da alma, porque não menti nem pensei em enganar. Aceitai, Jesus, a minha amargura; eu quero-a, eu amo-a, porque Vos amo e amo as almas.

Estavam duas noites em contacto uma com a outra: a noite que ia lá fora e a noite dentro de mim. O demónio afirmava-me ter havido desastre na viagem dos que eram tão queridos. É o pai da mentira, queria atormentar-me. Pouco depois, acabavam de chegar. A alegria não foi para mim, Jesus não permitiu que eu a sentisse.

Estive algum tempo com o santo sacerdote que veio para dar luz à minha alma e tirar-me das minhas dúvidas. Parecia-me mentira ele estar junto de mim; sentia-o a uma distância tão longe que nada havia que pudesse alcançá-lo. O seu rosto parecia-me apenas uma casca de ovo.

Ó meu Deus, como são variados os Vossos sofrimentos!

Ia alta a noite, eu estava sozinha, veio o demónio, insultou-me, convidou-me ao mal, à carne, ao prazer. Lutei tanto, tanto, estava num banho de suor. O coração de momento para momento parecia perder a vida. O maldito, sem conseguir de mim o que desejava, disse-me:

— Hei-de levar-te ao prazer. Já que eu não basto, chamo a minha tropa. Vêm já, eu sou chefe de comando.

Chamou pelos camaradas: principiaram a subir dum profundo abismo por entre chamas muitos demónios em forma de esqueletos. A minha aflição era grande, temia que fossem ouvidos os meus gemidos. O maldito dizia-me:

— Caladinha, que não venha aqui aquele fulano! - e chamou um nome feio ao santo sacerdote. Desde que me satisfizer em ti, vou matá-lo, vai morrer debaixo do meu pé, ao fio da minha espada.

Eu estava sobre abismos assustadores. Meu Jesus, que escuridão!

Só de longe a longe caíam sobre eles umas folhas brancas que mais faziam mostrar os seus horrores, as suas negras trevas. Ou porque os demónios se satisfizessem de me atormentar ou porque Nosso Senhor assim o permitisse, deixaram-me. Já não podia mais; era tão violenta a minha posição! O que fazer, se eu não podia mover-me? Triste, muito triste, na dúvida de ter pecado, clamei, clamei por Jesus. Enquanto isto fazia, corriam os demónios, virados ao quarto do bondoso sacerdote, dizendo-me, já de longe, que o iam matar. Levavam nas mãos espadas ou não sei o quê. Ainda com esta visão, ouvi Jesus dizer:

— Anda, meu anjo, desempenhar a tua missão.

Fiquei logo direitinha nas minhas almofadas. Jesus disse-me então:

— Não pecaste, minha filha. Coragem! Viste as pétalas brancas que sobre os abismos caíam? São pétalas da tua reparação. Com a sua alvura, iluminam as almas que neles estão, atraem-nas a si e vêm ao meu Divino Coração.

Mais confortada com Jesus, o ferimento de todo aquele passado continuou a causar-me imensa dor. Não tinha susto que os demónios tivessem feito a morte que tinham dito. Só de manhã, como achava que ele estava muito em silêncio, veio-me o temor que ele estivesse morto. Nosso Senhor nada disso tinha permitido. Recebi o meu Jesus, desprendida dele, despreocupada, só de momentos a momentos é que Lhe dizia:

— Ó meu Jesus, como eu estou, não Vos amo, não Vos dei graças. Perdoai-me, tende dó de mim!

Veio o sacerdote para falarmos das coisas da minha alma e eu continuei a sentir-me longe, sempre longe, mergulhada num mar de dores na alma e no corpo. De vez em quando, sentia dentro de mim estremeções, horrores, grande repugnância por ter de dizer o que se passava em mim, por me sentir pequenina e miserável, tímida e envergonhada diante das pessoas queridas, por não compreender a minha vida e não amar Jesus, e atormentada a mais não poder com a lembrança de ser quinta-feira. Oh, se desaparecessem estes dias!, dizia eu. Sinto que se aproximam de mim todos, todos os sofrimentos e que estão a armar-se laços para me prenderem.

Era já noite e eu sentia na minha alma a intimidade dos que me eram tão queridos, dos que junto a mim estavam reunidos. Tinha de deixá-los, tinha de partir para o Céu, mas de alguma forma ficar entre eles, não me separar deles.

Ó sofrimento amado, quem te compreenderá?!

 

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