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DE JANEIRO
Lembro-me
do tesouro que Jesus e a Mãezinha guardaram no meu coração,
mas já não tenho aquelas ânsias de o guardar e de
tudo fazer por ele. Agora já não me preocupa. Estou
como que cansada de tudo por ele ter feito. O
que agora me faz
sofrer, e sofrer deveras, é sentir que tudo o que podia fazer
fiz e agora mais nada posso fazer para o salvar.
Ó
meu Jesus, que hei-de eu fazer, que hei-de eu sofrer? Eu quero a todo
o custo salvar a humanidade, e a minha alma sente que não tem
mais que dar, que não tem mais que fazer, que não há
sofrimento o qual não sofresse por ela.
Ó
meu Deus, que penoso martírio! Remediai Vós, meu Jesus,
remediai este mal. Tendes o meu corpo, tendes o meu sangue, é
Vosso, utilizai-Vos, para que o mundo seja salvo. Não o
deixeis mais sair do meu coração. Não me deixeis
ter mais um momento de vida que não seja para Vos amar e para
o amar a ele.
O
mundo, Jesus, as almas, o preço do Vosso sangue, não
quero que ele seja calcado aos pés, não quero que sirva
de condenação para as almas. Estou pronta, meu Jesus, a
dar a minha vida a cada momento, enquanto o mundo for mundo, se isso
for possível, para as salvar.
Jesus,
sou vítima do mundo, primeiro que tudo do Vosso divino amor.
No
dia 13, entre visitas de muita estima, veio uma que eu já
esperava e que muita falta tinha feito à minha alma (foi
o P.e Humberto, como se diz mais adiante). Esperava-a e recebi-a
friamente; tudo me era indiferente. Olhava-a e por vezes parecia-me
não a ver, não ser a realidade. Era um preso, saído
da prisão, visitar um cadáver que lhe pertencia.
Ó
dor, ó amargura, ó trevas aterradoras! Já é
tarde para me darem alegria, já é tarde para receber
consolação a minha pobre alma. Os meus olhos pareciam
não ver o segundo roubo que me foi feito. O que será ao
ser-me restituído o primeiro?
— Jesus,
sou a Vossa vítima, o Vosso amor, a salvação das
almas a todo o custo, a todo o custo. Agora sofro pela minha frieza,
a minha indiferença por essa visita a quem tanto devo.
Parece-me que a desgostei, que a feri. Ó Jesus, sempre tudo
pelo Vosso amor.
Durante
a noite, que passei quase sempre alerta e unida a Jesus e no meio dum
mar de dores de corpo e da alma, fui assaltada cruelmente pelo
demónio. Lutei com ele perto de duas horas. Nuns momentos,
dizia-me pecar com um, noutros, dizia-me pecar com outros. Chamava
pelos camaradas para virem pecar comigo. Quando eu conseguia não
dizer nem fazer aquilo que ele queria, enraivecia-se muito mais ainda
e, para despedaçar-me, formava saltos desesperados. Quando
podia, bradava ao Céu; quando não podia, lutava só.
Nuns momentos muito assustadores, disse:
Mãezinha,
Mãezinha, vede o perigo em que estou, valei-me, não me
deixeis pecar nem manchar o meu corpo nem a minha alma!
Só
se morre quando Jesus quer. Se assim não fosse, neste combate
teria morrido. Fiquei caída, banhada em suor e sobre um abismo
medonho sem um pequenino fio que me sustentasse. Olhava-o assustada,
ouvi Jesus a dizer-me assim:
— Este
abismo, minha filha, é o abismo dos viciosos, entregues ao
prazer e à carne. Ai deles sem a tua reparação!
Anjo
meu, anjo querido, apressa-te a desempenhar a tua missão!
No
mesmo instante, uma suave aragem levou-me às minhas almofadas.
Continuou Jesus:
— Vamos,
minha filha, desabafar os dois. Eu contigo as minhas mágoas e
tu comigo as tuas.
Coragem,
tu não Me ofendes. Sais destes combates com a tua alma cada
vez mais pura e mais brilhante aos meus divinos olhos. Que grande
consolação dás com isto ao meu Divino Coração
tão ferido!
— Ó
meu Jesus, custa-me tanto este sofrimento! Tenho tanto medo de pecar!
Velai por mim, eu quero só o que Vós quiserdes. Vede
todo o sofrimento que me vai na alma. Que triste agonia!
— Anima-te,
minha amada. Tiro da tua agonia toda a consolação para
Mim. A tua morte dá a vida às almas. Não te
deixei sentir consolação da visita do meu querido Padre
Humberto nem a ele de te ver consolada; foi para tirar todo o
proveito para as almas. Foi para que os homens vejam o que é a
alma abraçada à cruz e firme no amor de Jesus, para que
não levem as coisas pelo lado do entusiasmo.
Dá
ao meu Padre Humberto os meus agradecimentos por ter vindo dar vida à
alma da minha esposa, da minha vítima amada. Dá-lhe as
minhas graças, bênçãos e amor, a ele e a
toda a congregação. Ele está preso duma só
asa, só um voo lhe foi cortado. Eis porque lhe mando bênçãos
e graças para toda a congregação. É o
prémio que lhe dou com minha Bendita Mãe a quem ele
ama, e Ela o ama tanto. Com os seus olhares, em união com ele,
tanto bem tem feito às almas! Quero que te ampare, já
que te não pode amparar aquele que anseia voar junto de ti, o
teu paizinho, a quem cortaram os voos e, não satisfeitos, por
todos os lados o ataram. Quanto isto tem ferido o meu Divino Coração!
Mas, oh quanta consolação para o meu Divino Coração
e proveito para as almas do sofrimento dele eu tenho tirado!
Coragem,
pois, para combater tudo o que vier. Coragem e firmeza, como os
soldados que no meio do maior combate nem ao menos estremecem.
Dou
a todos os que cuidam da minha divina causa a certeza da vitória.
Minha
filhinha, eu não demoro a vir com minha Bendita Mãe a
dar-te a nossa vida divina. Necessitas dela, é dela que vives,
a tua é-te roubada pelos pecadores e pelos perseguidores da
minha causa divina.
— Sinto-me
desfalecida, Jesus, sinto-me inclinar para a morte, não para
esta morte que sinto, mas para a morte que é a vida que me dá
a eternidade, que me dá o Céu, onde não poderei
ter receio de Vos ofender. Venha a dor, venha o amor, eu bendirei
tudo o que vier das Vossas mãos divinas. Conto só
convosco, por mim só tenho dúvidas e receios.
Retirou-se
Jesus ou escondeu-se; ficou silencioso na minha alma, na minha alma
tão ferida, tão receosa de ter pecado. Aproximava-se a
hora da visita de Jesus Sacramentado e não se apagava da minha
memória a luta de Satanás.
Que
tristeza receber a Jesus depois de ter passado por tão feias
coisas!
Passei
o dia morta para tudo, só viva para a dor. Ai, meu Jesus, como
é triste a minha vida; só seria alegre, muito alegre,
se, no meio de tudo isto, eu Vos amasse, e as almas fossem salvas! |