8 DE
FEVEREIRO
A minha dor! Nem
eu sei dizer. Que noite tão tenebrosa e triste! Que horrores dentro
em mim! Sinto que não posso resistir a tanto. Ó dor, ó dor, horrível
tormento! Não posso demorar aqui mais tempo. Assim o disse ontem a
Jesus:
Não posso, não
posso, meu Amor, demorar-me aqui!

Quero deixar o
mundo e quero levá-lo comigo; não o quero e amo-o; não lhe pertenço
e ele é meu; aborreço tudo o que é do mundo e quero prendê-lo,
abraçá-lo a ponto de não mais o deixar.
Ó mundo, o que
hei-de fazer por ti! Quero voar para o céu, quero partir para fora
deste desterro, quero ir para a minha Pátria e quero levar-te comigo;
quero entrar no céu, mas com toda a humanidade.
Ai, meu Jesus, o
que hei-de eu fazer? Ó meu Jesus, deixai-me ir ao Limbo, não Vos
esqueçais que são Vossas as almas que lá estão! Quero ser vítima,
levai-me ao sacrifício por elas! Dai-lhes o Céu, o Céu, meu Jesus,
dai-lho pela Vossa morte, pelas dores da Mãezinha querida!
Eu não queria
ter um minuto de sossego para o meu corpo enquanto o mundo existisse,
queria que a minha vida fosse percorrê-lo todo dum lado ao outro,
sem parar um momento, sempre de rasto, sempre a pisar espinhos, num
banho de sangue, numa só chaga, para libertar da escuridão as almas
queridas, filhas do Vosso sangue, meu Jesus! Não sei que mais
sofrimentos possa desejar para o meu corpo.
Ouvi o meu brado,
meu Deus e Senhor! Eu aceito tudo o que seja dor, eu aceito tudo o
que seja o martírio, mas quero o mundo salvo e na Vossa glória as
almas do Limbo! É pelo amor com que Vos quero amar, é com a ânsia de
Vos dar a maior das consolações que eu quero salvar e levar ao céu
todas as filhinhas do Vosso Divino Coração. Amo-as, porque em todas
Vos vejo a Vós; amo-as, porque primeiro de tudo e acima de tudo sois
o preferido, ó meu Amor.
Sim, parece-me
estar louca por Vos amar! Não sinto o amor que Vos tenho, mas sinto
a loucura por Vós. Sim, meu Jesus, fazei-me perder e desaparecer
para sempre no Vosso amor infinito!
O demónio odeia-me,
atormenta-me. Apresentou-se na minha frente na figura dum monstro
aterrador; era grande como uma casa. Saíam dele tantas serpentes da
grossura de pessoas, de bocas abertas e as línguas de fora alguns
palmos; estendiam-se até perto de mim. Passado algum tempo, caiu
sobre o meu corpo a manha maliciosa desse maldito. Arrumou de mim o
terço: não o queria. Ele dizia-me: “vamos ao prazer”, acrescentando
palavras do que há de pior.
- Vale mais um
momento de prazer – dizia ele – do que milhões e milhões de céus.
Só quando me
pareceu ele ter conseguido o que desejava é que eu, de olhos fitos
no céu, clamei muitas vezes:
- Valei-me,
valei-me, ó querida Mãezinha!
Senti a dor que
já expliquei ao reverendíssimo Padre. Não era dor de tirar só uma
vida, era dor de tirar todas as vidas, eu parecia-me perder a minha.
Quando esta dor caiu tão fortemente sobre mim, o maldito mais se
enfureceu, não gostou que eu a sentisse. A raiva dele ainda mais
consumiu o meu corpo. A Mãezinha veio a socorrer-me, tomou-me nos
seus santíssimos braços e disse-me:
- Aqui estou,
minha filha, a defender-te! Vem para os meus braços, vem descansar.
É a Mãe a defender a sua filhinha, é a Mãe a defender e a consolar a
esposa mais amada de Jesus. Não pecaste, filhinha! São momentos de
tanta reparação, de tanto amor para Jesus! Coragem, sofre contente!
- Ó Mãezinha,
que martírio que me custa tanto, tenho receio de pecar! Tenho
vergonha de estar na vossa presença e na de Jesus.
- Oferece-nos
tudo isto, sossega, não pecas. Recebe graça, pureza e amor.
Estreitou-me ao
seu santíssimo Coração com tanto carinho, cobriu-me de beijos e
mimos e retirou-se. Apesar da vida e conforto que recebi, fiquei por
muito tempo a sentir a dor de que acima falei. Custou-me a resistir.
Contudo, confiei na Mãezinha, Ela não vinha enganar-me. O que teria
sido de mim e o que será ainda sem este conforto do Céu!
Ó vida triste e
amargurada! Sofro com tudo. Continuo a sofrer os remorsos, essa
traça que vai roendo nas almas de alguém. Quero-lhes tanto em Jesus
e receio tanto a presença delas. Sofro com as infelicidades de
alguém que me tem ferido tanto. É tão grande a dor que sinto por
saber que sofrem, entristeço-me por eles.
Lá vem a morte
para mim. O que vejo em mim! O que sinto na minha alma! Que tristes
recordações! Sinto e vejo os tormentos que me esperam. Sinto que sou
apedrejada, as pedradas batem em meu coração. Sinto que me retiro do
convívio das pessoas, fujo para a solidão para em silêncio poder
chorar.
Oh, quantas
lágrimas de perda, oh, quantas lágrimas de vergonha por me ver
revestida de todas as maldades e estar assim na presença do Eterno
Pai! O amor obriga-me à dor. De lábios mudos, olhos cerrados,
entrego-me a tudo: lá vou para a morte. Uma chuva de espinhos cai
sobre mim, o meu corpo vai ser um leproso. Mas estou de braços
abertos, com um terno sorriso e uma mansidão sem igual, escondendo e
disfarçando tudo.
- Ai, meu Jesus,
eu só queria para maior honra e glória Vossa saber dizer o que vai
dentro em mim, o que sofrestes por nós! Ó que ternura, ó que bondade!
O inocente, o inocente Jesus! |