23 DE
FEVEREIRO, SEXTA-FEIRA
Na madrugada de
hoje, quando me despertei do meu leve sono, logo me senti numa
escura prisão. Senti o corpo tão magoado e cansado! A minha tristeza
era tão profunda! Sentia tanta dor de ser tratada como louca! Essa
loucura era amor, era a loucura das almas.
Pouco depois,
veio o demónio para acabar de consumir o meu pobre corpo. Manhoso
como sempre, tentou levar-me a praticar acções criminosas e feias.
— Hei-de
satisfazer-me em ti, hei-de deliciar-me em ti apesar de me causares
nojo.

Encheu-me de
insultos e mostrava-se enojadíssimo de mim mesma. Foi dolorosa a
luta, foi triste e triste me deixou. Chamei por Jesus e pela
Mãezinha, afirmei-Lhes não querer pecar. Parecia-me chamar por Eles
só depois do mal feito. Invoco os seus santos nomes sempre que posso,
mas é quando o demónio deixa.
Uma aragem suave
veio apagar os meus suores e suavizar a minha dor. Fui suavizada por
pouco tempo. Não sabia como preparar-me para receber o meu Jesus.
Apoderou-se de mim a vergonha de O receber em meu coração, de viver
na presença de Deus depois de passar por coisas tão feias.
Jesus, que
sofrimentos tão grandes, os ataques do demónio, as sextas-feiras!
Aceitai tudo, é pelas almas, é uma prova do meu amor.
Veio Jesus, e,
por Sua grande misericórdia, só um pedaço depois de O ter recebido é
que me lembrei da triste cena que com o demónio tinha passado e logo
de novo continuou essa dor juntamente às dores horríveis da minha
cabeça, causada pelos espinhos. Sentia-a toda cercada deles e bem
profundos. O sangue que dela corria, ou antes, que eu sentia como se
ele corresse, passava-me aos lábios, sufocava-me, por vezes perdia a
respiração.
Logo que cheguei
ao calvário, cravaram-me na cruz. Era tal a violência que sentia
fazerem-me ao meu corpo, parecia-me os ombros deslocarem-se do
corpo. O sangue das chagas corria a jorros, banhava o pé da cruz e
corria pelo chão. A Mãezinha, ao pé, unia à minha a sua agonia.
Abandonada, completamente abandonada, ia a expirar.
Veio Jesus.
Senti-O entrar no meu coração e nele se sentar ainda antes de O
ouvir. Sentou-se e, como para descansar, inclinou nele a Sua
santíssima cabeça e disse:
— Minha filha,
desce o amor à dor, a luz à noite, à escuridão, às densas trevas.
Dor, noite, escuridão e densas trevas permitidas por Mim. É o
remédio, é a medicina das almas. Aqui posso descansar, aqui não pode
o mundo ferir o meu Divino Coração, aqui recebo tudo, tudo o que
pode dar uma criatura ao seu Deus; aqui consolo-Me, delicio-Me.
— Meu Jesus,
custa-me tanto, tanto ouvir-Vos falar assim. Sou tão miserável, sou
só miséria! Como podeis dizer isso? Como podeis consolar-Vos depois
de tanta maldade e ingratidão que encontrais em mim, para me
falardes desta forma?
— Escuta,
filhinha amada, não quero, não posso consentir que voltes a dizer-Me
o que encontro em ti para assim te falar. Não posso eu honrar-te com
honrosos títulos, levar-te à maior altura, à mais alta dignidade?
És minha filha,
falo do que é meu. És minha esposa, esposa que possui as qualidades
do seu Esposo, esposa que só ao Esposo se assemelha. Enriqueci-te
das minhas riquezas, elogio e honro as minhas coisas, o que é meu.
Tu és a minha pomba bela, um coração de fogo, fogo que queima, fogo
que purifica, fogo que atrai a Mim os corações, fogo que é capaz de
incendiar o mundo, o mundo que te confiei, o mundo que é teu.
Pede, pede,
minha filha, pede oração e penitência e emenda de vida, pede, e que
peçam aqueles que desejam ver o reinado do meu Divino Coração!
Oh, o que espera
o mundo, se não se levanta e se reconcilia comigo!
Jesus levantou-se
do meu coração, ergueu as Suas santíssimas mãos e dos Seus
santíssimos olhos corriam lágrimas em grande abundância: pareciam
duas fontes. A soluçar muito, continuou:
— Vês o meu
Divino Coração aberto? É o pecado, é o prazer da carne; é o pecado,
é o mundo. Salva-o, salva-o, minha filha, não deixes perder o meu
Sangue!
Pede-lhe que se
converta, faz que as almas venham a Mim, reúne em meu divino Coração
as minhas ovelhas, todo o meu rebanho! Pede, pede em nome de Jesus!
Penitência, oração e sincera reconciliação!
— Jesus, Jesus,
basta, não façais isso.
Ofereço-Vos a
minha vida e a minha morte; ofereço-Vos todo o meu corpo e todo o
meu sangue; dou-Vos o meu amor, aceito quanto Vos aprouver dar-me,
toda esta vida de sofrimento, mas levantai-Vos já, meu Jesus, descei
as Vossas santíssimas mãos, estancai as Vossas lágrimas. Que horror,
meu Jesus, não posso ver-Vos assim! Como pode a grandeza infinita
ajoelhar-se diante da maior miséria, do mais pequenino nada?!
Jesus levantou-Se,
sentou-Se de novo em meu coração, estendeu sobre os meus ombros o
Seu santíssimo braço e uniu o Seu santíssimo rosto ao meu, apertou-me
fortemente, cobriu-me de beijos e incendiou no meu coração o fogo
que no d’Ele ardia.
— Quanto
consolou o meu Divino Coração a tua oferta, o teu amor! Vejo em ti a
graça, a pureza, a heroicidade das almas!
— Não é isso que
eu quero, Jesus. Dizei-me a razão por que procedestes assim? Sendo
Deus, ajoelhaste-te diante da criatura mais pobre e miserável. Só
Vós sabeis quanto isso me atormenta.
— Minha pura,
minha bela, maior é o sacrifício, mais tens que oferecer-Me. Escuta
então. Não é de joelhos, de mãos postas e com lágrimas que se movem
os corações à compaixão? É tão grande o amor que tenho às almas como
grande é o meu poder. O meu procedimento é a sede das almas. Não se
pode comparar a sede humana à sede divina.
Quantas vezes as
criaturas, para saciarem a sua sede ardente, ajoelham-se,
mergulhando seus lábios em água nojenta, lodosa e em lama. Eu, a
Grandeza sem igual, para saciar minha sede, para pedir a salvação
das minhas almas, ajoelhei-Me na minha esposa querida, revestida de
Mim, transformada em Mim, a pedir-lhe as almas, a pedir-lhe o mundo,
esse mundo que é lodo e lama nojenta. Assim transformada em Mim,
nada via em ti de miséria; vi as minhas maravilhas, a minha grandeza.
Não é verdade
que Eu disse “o que é grande faça-se pequeno”? Tu és o espelho que
tudo reflecte. Em ti, como quando passei no mundo, vou dando o
exemplo. Maravilhosa lição, ensina-a às almas! És tu, filha minha,
que lhe dás o passaporte para a eternidade.
Ai do mundo, ai
de Portugal, se não corresponderem às graças que lhes dou!
Ai do mundo, mas
ai mais ainda de Portugal, se não agradecer os benefícios que por ti
recebe!
Espalha pureza,
espalha a graça, incendeia amor, amor, amor!
E descansa,
vítima inocente, em meu Divino Coração, toma conforto para a tua dor
sem igual e inigualável martírio.
Inclinei-me eu
então para Jesus, descansei no seu Divino Coração, e nova efusão de
amor, vinda dele, abrasou o meu coração.
Já vai alta a
noite, sinto-o a arder, mas já mal posso dizer palavra.
— Tomai, meu
Jesus, tomai em conta o meu sacrifício. Se em mim houvesse querer,
preferia andar sempre, sempre de rosto em terra e nada dizer do que
se passa em minha alma. |