8 de
Janeiro de 1945
Sinto
na minha alma como se me estivessem a preparar alguma traição. Estou
cheia de medo e em tantas trevas que me parece que até o sol foi
encerrado numa nuvem negra para nunca mais aparecer, para nunca mais
brilhar.
– E
o dia, meu Jesus, o dia nunca mais raia para mim. Ah! E se mesmo
assim eu Vos amasse! Se eu fosse Vossa e vivesse só para Vós! Vede,
meu Jesus, o meu coração sequioso de Vós. Eu quero dizer ao céu que
caia sobre mim e me esconda e guarde e comigo esconda e guarde toda
a humanidade. Ai o mundo, meu Jesus, o mundo que tanto me preocupa.
Queria mares, universos de sangue para derramar por ele. Queria
mundos e céus de amor para Vos amar por ele. Não cesseis, meu Jesus,
a minha imolação, para que não cesse para ele a Vossa graça e o
Vosso perdão. Se me permitissem, meu Jesus, queria penitenciar o meu
corpo, queria fazer dele o mais doloroso escravo para toda a
humanidade salvar. Pobre de mim, temo fazê-lo sem licença e não
tenho um guia. Jesus, espero em Vós, em Vós confio, faça-se a Vossa
vontade; sede a minha luz, o meu caminho.
Que
tremendas são as manhas do demónio. Como posso eu dar honra e glória
ao meu Deus! Parece-me mentira, mas não quero duvidar das divinas
palavras do meu Jesus. Sofro tanto com estes ataques! Se o mundo
soubesse o que é o inferno e a maldade e a fúria do demónio, com
certeza não pecaria tanto. Veio esta noite numa fúria desastrosa
contra mim. Maldades, mais maldades, palavras e lições feias. O meu
corpo parecia já estar desfeito de tanto cansaço. Ele queria que eu
dissesse:
– Busco, quero e amo os prazeres; troco tudo por um só prazer, até o
próprio Deus. Não quero o céu, quero o mundo, quero pecar.
– Pecar
nunca – disse eu.
– Quero
o inferno, meu Jesus, prefiro uma eternidade de inferno e não quero
gozar um só momento, não quero o prazer, não quero o mundo. O que eu
quero é não perder um momento de consolação e reparação para Vós e
de salvação para as almas. Valei-me, Jesus, dai-me o inferno, mas
não me deixeis pecar. Amar-Vos, sim, só, só amar-Vos.
Tudo
isto disse a Jesus só com o pensamento, porque não podia mais. Foi o
bastante para a fúria do demónio aumentar. Lutei, murmurando sempre,
dizendo a Jesus que não queria pecar. A minha luta era sobre um
grande abismo, nem podia respirar. O meu coração tinha a aflição da
morte. O demónio fugiu à voz de Jesus, que disse:
– Desempenha, anjo meu, a quem sempre obedeceste, desempenha a
missão que eu dei sobre a minha Alexandrina, o meu anjo em carne;
leva-a ao seu lugar.
Senti-me levada como por uma aragem suave para a minha posição. E
Jesus continuou:
– Se
pudesses ver, minha filha, como sou ofendido nesta hora contra a
virtude da santa pureza, morrias de pasmo ou antes de dor. Mas a tua
reparação consolou-me, fez-me esquecer o muito que me ofendem. Esta
consolação só podia ser tirada duma de pureza angélica.
Dito
isto, Jesus estreitou-me com muito amor ao seu Divino Coração e
repetiu por três vezes:
– Amo-te, amo-te, amo-te, meu amor; não pecaste, não me ofendeste.
Fiquei
confiada nas palavras de Jesus, mas triste, tão triste, o coração em
tanta dor, mais, muito mais do que uma ferida dolorosa depois do
tratamento.
– Jesus, já que assim o quereis, seja a minha vida como Vos consolar
e agradar mais. Aqui me tendes pronta para tudo, meu Senhor.
Mal
posso confiar. Envergonha-me a minha vida. A virtude que eu mais amo
e na que mais sofro. Só por muita graça e misericórdia de Jesus não
O tenho ofendido gravemente.
– Ó meu
Deus, tenho vergonha de mim mesma, como a não hei-de ter de Vós?
Perdão, meu Jesus, perdão, meu Amor. |