Foi
no castelo de Druelle, situado a 8 km de Rodez, capital de Rouergue,
que, a 6 de setembro de 1787, nasceu Marie Guillemette Emilie de
Rodat, a primogênita do casal Jean Louis Guillaume Amans de Rodat e
Henriette de Pomairols.
No
dia seguinte ao seu nascimento, foi batizada na Igreja de Saint
Martin de Lomouze, tendo por padrinhos seus avós: Guillaume de Rodat
e Marie Marguerite de Pomairols.
De
uma família de santos, Emília teve bons exemplos de virtudes.
Recebeu uma boa educação de seus pais, uma instrução suficiente e
uma excelente formação moral e espiritual.
Seu
trisavô Sr. De Ramondy despojou-se de seus haveres em favor dos
pobres num tempo de fome, decorrente da Revolução Francesa. Na Sra.
De Selves, sua bisavó, residia o espírito de misericórdia. Sua avó
paterna tinha grande espírito de fé. Havia ainda, na família dos
Pomairols, uma jovem de nome Carlota, considerada como santa. Muito
tempo após sua morte, encontraram-lhe o corpo perfeitamente
conservado.
Com
a chegada ao lar de mais uma criança, que recebeu o nome de
Eleonora, a avó de Emília pediu para levar a netinha, que contava
apenas 18 meses de idade, para o castelo de Ginals, situado numa
verdejante colina perto de Villefranche.
Foi
nesse ambiente de muita tranquilidade e paz que Emília passou os
mais belos anos de sua vida, gozando da amável companhia dos avós,
dos tios Stanislas-Victor e Ágata — ex-religiosa visitandina — e de
sua bisavó madame De Selves.
Além
de Eleonora, modelo de virtude, Emília tinha mais três irmãos:
Charlotte, Louis Guillaume e Armans Henri.
Emília recebeu, aos 11 anos, sua primeira comunhão,
clandestinamente, na capela de Ginals, sem nenhuma festa. Apenas
puseram-lhe sobre a cabeça um véu branco. Seus avós aproveitaram a
presença de um dominicano, Joseph Delbès, refugiado no castelo, para
realizar a cerimônia, marcando uma etapa de sua vida interior. Era a
época da grande Revolução Francesa, na qual os religiosos foram
expulsos dos conventos; as igrejas foram profanadas; as relíquias,
quebradas; e os túmulos, violados.
Emília gostava de contemplar os encantos da natureza, de meditar à
borda de um riacho. Apreciava muito a leitura e entregava-se com
ardor a esse exercício. Não tinha relações senão com seus parentes e
com a família Dulac, cujos membros cumpriam fielmente seus deveres
de cristãos.
Em
1803, Emília era uma encantadora jovem de 16 anos. Seu caráter se
manifestava à medida que crescia. Naturalmente viva e graciosa, um
pouco altiva e autoritária, notava-se nela tendências para a vaidade
e o orgulho. Fisicamente, era bem-dotada. De estatura média, membros
bem-proporcionados, espessa cabeleira castanha, olhos negros e
expressivos, atraía a atenção e a simpatia de todos.
Apesar das crises próprias da adolescência, Emília conservou sempre
vivo o atrativo pelos pobres. Em companhia de Maria Anna Gombert,
uma humilde moça de Villefranche, visitava, com frequência, os
pobres e doentes.
Em
1804, o Papa Pio VII concedeu um jubileu pregado por missionários
nas paróquias da França, onde refloresceu a vida cristã. Na Festa do
Corpo de Deus, na Igreja de Saint Martin — a mesma onde Emília foi
batizada —, as palavras de um desses missionários ditas no
confessionário determinaram a sua total e muito pacífica conversão.
De súbito, uma luz a invadiu, e ela teve a “experiência de Deus”.
Ficou de tal forma absorvida na presença que não percebia o que se
passava em torno dela. Foi a conversão total. Emília experimentou o
poder libertador da graça. Vida de oração e vida sacramental,
assistência aos miseráveis e pobreza pessoal, de muita renúncia,
tomaram novamente um lugar primordial em sua vida. O mundo que ela
tinha amado na sua tibieza tornou-se digno de desprezo. Só queria
Deus, e unicamente. Sentia Sua presença em tudo e por toda parte.
Começou a vestir-se com muita simplicidade, desprezando modas. Ia
diariamente à Igreja de Ampiac, à meia hora de Druelle, para
participar da Santa Missa.
Ainda nesse ano, recebeu o sacramento da confirmação, a crisma, com
muito fervor.
Aos
16 anos, deixou Druelle a fim de voltar para Villefranche e ir morar
na casa da Sra. Saint-Cyr, dona de um pensionato reservado às
“senhoritas” da sociedade. Pe. Antoine Marty era o confessor da
casa, tornando-se seu diretor espiritual. Sua direção era assídua,
quase diária. Ao exercitar a docilidade de Emília, ele a ajudou a
renunciar a inclinação para o orgulho, que poderia, ocasionalmente,
se acentuar.
Em
1806, a Sra. Saint-Cyr aproveitou a relativa instrução de Emília
para lhe confiar aulas de Catecismo e de Geografia, como também
vigilâncias, que lhe deram oportunidade de aperfeiçoar seus dons
pedagógicos inatos, desempenhando essa tarefa com tal sucesso,
competência e doçura que os pais das alunas desejaram participar das
aulas. Falava-lhes, frequentemente, sobre Nossa Senhora, desejosa de
que elas a amassem com ternura. Inspirava-lhes grande respeito à
Igreja, dava-lhes grande ideia dos sacramentos, da penitência e da
eucaristia. Induzia-as ao amor do Anjo da Guarda, do qual lhes
falava com frequência. Era sempre pela doçura e insinuação que as
conduzia, jamais usando de repreensões.
Após
Emília lhe ter comunicado seus projetos de vida, Pe. Marty preferiu
esperar quatro anos para que ficassem mais claros. Entretanto, foi
ainda necessária uma série de experiências dolorosas para que
começasse a se manifestar, embora negativamente, a vontade de Deus.
Foi só em 1809, aos 22 anos, que Emília ingressou na vida religiosa,
como postulante na Congregação das Religiosas de Nevers, em Figeac.
As perturbações de consciência e as angústias que sentia fizeram Pe.
Marty concluir que lá não era o lugar para ela. Decorrido apenas um
mês, voltou para Villefranche. Pouco tempo depois, Emília esteve em
Cahors, na Congregação das Religiosas da Adoração Perpétua de
Picpus. Realizada em suas aspirações contemplativas, Emília não se
sentia em paz, e Pe. Hippolyte de Launay, supervisor da comunidade,
disse-lhe que devia deixar aquela congregação. Triste, mas não
desanimada com esse duplo fracasso, obteve de seu diretor a
permissão para pronunciar os votos privados de religião em 21 de
novembro desse mesmo ano, permanecendo sob a sua orientação até
outubro de 1811. Nesse mesmo ano, Pe. Marty pôde responder ao
convite que lhe fez a Sra. Genyer, fundadora de um seminário e do
Instituto das Irmãs da Misericórdia, em Moissac, indo ajudá-la no
seu primeiro empreendimento. Durante a ausência do Pe. Marty, Emília
teve como confessor o Pe. Grimal, do qual obteve a permissão
excepcional de comungar com muita frequência.
Um
novo fracasso a esperava. Tendo a Sra. Genyer e o Pe. Marty a
encorajado a entrar em um novo instituto, ali chegou em abril de
1812 e logo sofreu uma “tempestade” de escrúpulos e de sofrimentos
espirituais que obrigaram a sua superiora a despedi-la após seis
meses. Emília retomou suas atividades costumeiras, levada pelo
desejo insuficientemente explícito, sem dúvida, de proporcionar
formação religiosa a meninas pobres. A Providência prolongou sua
indecisão até maio de 1815. Então, durante uma visita que fazia aos
pobres, Emília ouviu várias mães de família lamentarem a ignorância
de suas filhas, sobretudo da instrução religiosa. “Antes da
Revolução Francesa”, diziam elas, “as ursulinas ensinavam
gratuitamente; nós fomos educadas por elas. E hoje, como não temos
os meios de mandar nossas filhas à escola, é preciso vê-las estagnar
na ignorância e no esquecimento de Deus.” Essas palavras
transpassaram como um dardo a alma de Emília, que lhes disse:
“Enviem-me suas filhas, eu as instruirei”. Sentiu o apelo
irrecusável de Deus para socorrê-las numa fundação, em Villefranche,
destinada à instrução das meninas pobres. Soube falar disso ao Pe.
Marty, que a encorajou sem reservas.
Querendo iniciar sem demora a execução do seu projeto, Emília obteve
da Sra. Saint-Cyr a permissão para dar aulas, no seu exíguo quarto,
às crianças, cujo número chegou rapidamente a quarenta meninas. Como
o espaço de que dispunha era muito pequeno, Emília se viu obrigada a
colocá-las sobre sua cama. Pensava, sobretudo, na função que Deus
lhe tinha confiado. Pedia conselhos ao Pe. Marty, que designou três
jovens professoras do mesmo pensionato para ajudá-la: Ursule
Delbreil, Marie Boutaric e Eléonore Dutriac. As quatro eram
intimamente unidas e tinham um zelo extraordinário; rezavam juntas
todos os dias o Ofício de Nossa Senhora para implorar sua proteção
maternal e encorajavam-se mutuamente. Emília tinha, nessa época, 28
anos.
Emília e suas companheiras tiveram que enfrentar grandes
dificuldades. O projeto, parecendo quimérico, era considerado
loucura pelos mais criteriosos. Todas as senhoras do pensionato
levantaram-se contra elas, inclusive a Senhora de Pomairols. O clero
e o povo da cidade censuravam-nas fortemente. Pe. Marty não podia
tomar a defesa delas, apenas ajudava-as em segredo com seus
conselhos e avisos.
Nesse ambiente hostil e sem meios financeiros, era difícil achar um
local para morar, mas a Providência veio, enfim, em auxílio delas,
no início de 1816, inspirando uma antiga aluna da Sra. Saint-Cyr, a
senhorita Victoire Alric, que prometeu alugar, logo que ficasse
desocupada, a metade de um imóvel, embora insalubre e mal situado.
Apesar de todos os inconvenientes, Emília aceitou. No dia 30 de
abril, com suas companheiras, começou a viver uma rigorosa vida
religiosa e, no dia 1º de maio, vestiram um hábito muito simples e
uniforme. No dia 3 de maio, à sombra da cruz, abriram também uma
classe denominada Santa Maria para as meninas de média condição.
Três órfãs foram igualmente adotadas. Para acomodá-las, foi
necessário colocar a cama de Irmã Ursule no vão de uma janela, e
Emília passou a dormir numa mansarda desabrigada, quase ao ar livre:
gesto de caridade que a Santa renovou em quase todas as fundações;
uma marca de simplicidade e de humildade devia identificar desde o
início o instituto.
Um
dos maiores desejos de todas era possuir o Santíssimo Sacramento em
casa. Dom Grainville, bispo de Cahors, que fazia, então, a visita
pastoral da diocese, achava-se em Villefranche e, muito edificado
com a ordem e a regularidade que reinava na casa, consentiu, em
junho de 1816, que as Irmãs tivessem uma capelinha com o Santíssimo
Sacramento. Pe. Martiy foi designado para benzer a capelinha e
celebrar a primeira missa. A partir desse momento, as Irmãs
julgaram-se ricas no meio de tanta pobreza.
Na
Páscoa de 1817, Emília fez seus primeiros votos temporários.
O
grande número de alunas tornara necessária a aquisição de um novo
local. No dia 29 de junho de 1817, transferiram-se para a casa
Saint-Cyr, abandonada pelos membros da frágil federação. Algumas
candidatas vieram aumentar a pequena comunidade. O número das Irmãs
dobrou, e o Pe. Marty, apesar de inúmeras ocupações, permaneceu como
capelão oficial. A obra prosperava sempre. A superiora começou a
pensar, desde então, em obter a aprovação do governo e comprar uma
casa mais espaçosa, que se prestasse melhor à observância da
clausura. O Pe. Grimal, benfeitor do instituto e protetor das Irmãs,
decidiu pela compra do antigo Convento dos Franciscanos, abandonado
desde 1793, uma casa contínua e, mais tarde, um jardim. Ao todo,
eram 42 mil francos que deviam pagar, mas nada tinham. A Providência
suscitou ainda sábios conselheiros e benfeitores. Há mesmo, segundo
o testemunho de Emília e de vários contemporâneos, acréscimos
miraculosos de dinheiro. Um dia, deviam fazer um pagamento e
encontraram 7 mil francos no fundo do armário, o que as deixou numa
admiração indescritível.
Em
29 de junho de 1819, as Irmãs tomaram posse da moradia definitiva,
atual Casa-Mãe das Religiosas da Sagrada Família, onde fizeram,
solenemente, os primeiros votos. A transferência para a nova
residência marcou o início de grandes provações para Madre Emília e
seu instituto. Além disso, em agosto de 1820, começaram, para Madre
Emília, as terríveis tentações contra a fé, a esperança e a
caridade, que duraram 32 anos, levando-a a um estado extraordinário
de sofrimento interior.
As
Irmãs, as postulantes e até mesmo as alunas foram atingidas por uma
terrível epidemia. A maioria das meninas abandonou as classes, e as
postulantes voltaram para sua família. Nenhuma candidata se
apresentava por ter medo do contágio e da morte. Infelizmente, a
comunidade ia ser dizimada por uma série de lutos imprevisíveis e
bastante misteriosos, uma ez que a epidemia permaneceu localizada no
convento. No espaço de algumas semanas, Emília viu desaparecer sua
tia-avó, as Irmãs Eléonore Dutriac e Marie Boutaric, uma órfã e
outras religiosas. Diante de tantas provações, Madre Emília começou
a pensar que Deus não estava mais aprovando a sua congregação e
resolveu afiliá-la à das Filhas de Maria, na época muito
recentemente fundada em Agen pela Senhora de Tranquelléon. Após dois
anos de espera e de reflexão, o projeto de fusão foi rejeitado pelas
Irmãs de Villefranche.
Passadas as provações desses primeiros tempos, Madre Emília foi
atingida por uma penosa doença: um pólipo no nariz que a fez sofrer
e várias vezes ameaçou-a de degenerar em câncer. Em 1821, a epidemia
diminuiu, e os locais mais bem organizados receberam numerosas
alunas. Mas é então que Madre Emília, muito atingida por seu pólipo,
é submetida a uma dupla cirurgia, o que deixou a sua saúde mais
debilitada.
A
saúde de Madre Emília continuava inspirando sérios cuidados. No dia
29 de agosto de 1822, o Pe. Marty enviou-a a Aubin para consultar-se
com um médico renomado. Ao mesmo tempo, a Sra. Constans, pensionista
em Villefranche e originária da localidade, convidou Madre Emília
para fundar, em Aubin, um educandário para moças. O Pe. Marty deu o
seu consentimento. Chegando a Aubin, ocupou-se ativamente da nova
fundação, primeira do instituto, que estava no seu sexto ano de
existência.
O projeto foi bem aceito pelas autoridades locais e pelos
habitantes. Além do cuidado com as crianças, as Irmãs visitavam os
doentes e os pobres. Em breve, várias jovens, atraídas pelos bons
exemplos das Irmãs, pediram para ser admitidas na Sagrada Família.
A comunidade de Aubin fortaleceu-se pouco a pouco apesar dos
mal-entendidos ou processos suscitados em particular pelos herdeiros
da Srta. Constans após a sua morte. Havia outra preocupação maior: O
Pe. Marty, que antes era favorável à fundação, agora estava querendo
que as Irmãs abandonassem a obra. Madre Emília, porém, vendo nas
dificuldades a vontade de Deus, insistia em permanecer, porque só
via o bem a fazer. Apesar de tudo, ali foi feito um sólido trabalho
apostólico enxertado no Ministério Fundamental da Educação: cursos
primários e religiosos, ministrados, sobretudo, a pessoas de idade e
muito ignorantes; visitas no domicílio pelas Irmãs conversas; etc.
Os acontecimentos provaram que ela tinha razão, pois a Casa de Aubin
se consolidou e prosperou muito.
Na pequena paróquia de Livinhac, havia uma associação formada por
cinco “beatas”, conhecida por Irmãs da União. Elas tinham por
superiora a Irmã Séraphine Vallon — piedosa, humilde e obediente,
que mais tarde professou seus votos recebendo o nome de Irmã Thaís.
Ela almejava uma vida religiosa mais regular e expressava seu desejo
de afiliar-se a outra congregação.
Após haver consultado a pequena comunidade, que, depois de muita
relutância, foi favorável ao projeto, o bispo, de acordo com o Pe.
Marty e Madre Emília, resolveu afiliá-la à Sagrada Família.
No dia 1º de agosto de 1832, Madre Emília, acompanhada de três
Irmãs, viajou para Livinhac com a difícil missão de transformar a
pequena comunidade numa casa religiosa destinada à educação dos
jovens, como as de Villefranche e Aubin. A princípio, havia duas
comunidades na mesma casa. O problema estava em uni-las e fundi-las
num mesmo espírito. Foram necessárias a delicadeza e a paciência da
Madre Emília para conquistar as Irmãs, com exceção da Irmã Séraphine
e da irmã Vicnet Boutaric, que viam sem reticência a afiliação. Aos
poucos, as Irmãs foram se adaptando ao novo estilo de vida,
depositando em Madre Emília confiança e estima.
A Congregação da Sagrada Família compunha-se, até o ano de 1834,
exclusivamente de Irmãs clausuradas que se dedicavam ao ensino no
interior do convento e de Irmãs conversas. Estas exerciam diversas
funções fora do claustro. Dedicavam-se, particularmente, aos pobres
e aos doentes, levando-lhes o conforto espiritual e a ajuda
material, quando necessária. Porém, do ponto de vista da história da
congregação, foi esse ano que pareceu decisivo em razão de um
acontecimento totalmente imprevisto: a fundação das casas não
clausuradas. Dom Giraud apoiava muito as escolas. Em alguns meses,
houve três fundações: Lassouts, a primeira escola rural (final de
setembro de 1834); Firmi (30 de abril de 1835); e Saint-Beauzély
(junho de 1835).
A Providência — como que ironizando e desafiando a sabedoria humana
— aproveitou para dar origem ao segundo ramo do instituto: As Irmãs
das Escolas (que seguiam em tudo as mesmas diretrizes que as outras,
com exceção da clausura). Numa perfeita união, deveriam harmonizar o
estilo de vida e deveriam a atividade dos dois “ramos”, embora se
admitisse certa dependência das não clausuradas em relação às
outras.
Em março de 1834, Madre Emília prepararou fundação de uma clausura
que tinha inicialmente adiado e até mesmo recusado: a de Figeac, no
Lot. Mais um claustro com um pensionato. As Irmãs não tinham
talheres, pratos nem mesmo uma mesa. Comiam de pé, dispondo apenas
de uma colher. Essa fundação trouxe-lhes muitas dificuldades; elas
não tinham recursos e viviam cercadas de censuras e de críticas,
contudo eram felizes.
No dia 15 de novembro de 1834, falece Pe. Marty, com 78 anos de
idade. A madre, que o teve como diretor espiritual desde os 18 anos,
sofreu profundamente com a perda. No dia 18 de novembro, o conselho
escolheu o Pe. Blanc para substituí-lo no governo da congregação.
A fundadora continuou abrindo escolas num ritmo bastante acelerado:
Lugan (agosto de 1836), Montbazens (fevereiro de 1837), Decazeville
(abril de 1837, apenas uma transferência de Vialarels).
Em 1840, algumas escolas se especializaram no atendimento aos pobres
e aos doentes, surgindo, após, mais uma obra de misericórdia, desta
vez voltada para os prisioneiros. Em 1841, o leque da atuação
apostólica de Madre Emília foi se abrindo mais. Um rico negociante
de Villefranche mandou restaurar o local das antigas prisões,
transformando-as em creches. Desejando que As Irmãs das Escolas
assumissem a direção, propôs a ideia à Madre Emília, que concordou,
e as crianças foram admitidas.
De janeiro de 1840 a abril de 1845, foram fundadas 22 escolas.
Algumas delas foram fechadas porque não dispunham de recursos
suficientes para a sua manutenção; outras, por falta de entendimento
com o clero local; e outras, ainda, devido ao número insuficiente de
Irmãs não clausuradas.
Em 1852, uma úlcera no olho da Madre Emília veio aumentar os seus
sofrimentos. O mal, que parecia benigno, aumentou rapidamente e era
acompanhado de uma incapacidade crescente de se alimentar. Um dos
seus maiores sacrifícios consistia em não poder, ela mesma, fazer
suas leituras.
Além das provações interiores e das doenças, Madre Emília carregou
também uma profunda humildade, paciência e a cruz da incompreensão
que teve de suportar da parte de várias Irmãs da comunidade.
Acusavam-na de arruinar a congregação com suas caridades exageradas.
Foi submetida à vigilância de uma ecônoma. Abriam suas cartas;
vigiavam-na para impedi-la de conversar com as Irmãs que sofriam com
essas humilhações e que pareciam auxiliá-la.
Apesar de tantas provações, a Madre vivia na mais inalterável paz.
Na sua profunda humildade, dizia: “Peço a Deus que suscite alguém
para reparar meus erros”. Em vez de se queixar, dizia a algumas
Irmãs que sofriam ao vê-la sofrer tanto: “É a melhor moeda para
comprar o céu. Oh! Como é bom viver no desprezo! Vejam como sou
feliz, não tenho outro emprego que o de sofrer!”.
No início de julho, sentindo-se livre das terríveis tentações que a
martirizaram durante 32 anos, pressentiu estar perto o seu encontro
definitivo com Deus.
Na madrugada de 4 de setembro, sofreu um desmaio que a impediu de
descer para a missa. A partir desse dia, não deixou mais o seu
quarto.
Na presença dos dois terços da congregação reunida na Casa-Mãe para
o retiro anual, recebeu a unção dos enfermos e abençoou todas as
suas filhas: as presentes, as ausentes e as que viriam no futuro,
pois havia profetizado: “É preciso que a nossa caridade atravesse os
mares”.
Seus últimos dias, dedicou às suas filhas. Fez questão de falar com
cada uma, em particular, para lhes dar seus derradeiros avisos, o
que deviam fazer para corrigir seus defeitos e avançar na vida
espiritual. Apesar de sua fraqueza, permaneceu lúcida até o fim. Não
esquecia ninguém.
O Pe. Faber, que ia diariamente visitá-la, recolheu cuidadosamente
todas as suas memórias, num ritmo de quatro a cinco horas seguidas,
para completar seus escritos autobiográficos, que estavam
incompletos.
No dia 19 de setembro, às 13h30, na presença do Pe. Faber e de
algumas Irmãs, num último esforço, tomou seu crucifixo que nunca
deixava, fitou-o, colocou os lábios nas chagas do Salvador e,
inclinando a cabeça, exalou o último suspiro.
Quando a triste notícia do falecimento de Madre Emília espalhou-se
pela cidade, o povo, chorando e lastimando a grande e irreparável
perda, exclamava: “Morreu a Santa!”.
Depois que a comunidade prestou suas primeiras homenagens filiais a
Madre Emília, os habitantes de Villefranche, durante quinze dias
atentos a todas as notícias, quiseram manifestar a sua veneração à
“Santa”. O ataúde ficou exposto na capela durante o dia 20, e cada
um pôde rever o rosto descoberto da madre ou fazer tocar em suas
mãos objetos de piedade, que depois seriam conservados como
relíquias. O cortejo fúnebre, depois de ter percorrido as avenidas
da cidade, seguiu para a igreja paroquial. De volta à Casa-Mãe, foi
transportado para o altar de Nossa Senhora da Salete, no jardim do
convento. O sepultamento foi realizado no dia 25.
Um ano depois, em dezembro de 1853, o corpo foi transferido para a
capela. O povo queria, a todo custo, ajoelhar-se diante do túmulo
para implorar graças e testemunhar sua gratidão. Foi colocada sobre
o túmulo a seguinte inscrição: “Aqui repousa a Madre Emília de
Rodat, fundadora do Instituto das Irmãs da Sagrada Família, falecida
em 19 de setembro de 1852”.
Dom Croizier tinha pedido à nova superiora-geral, Madre Bousquet,
para reunir documentos, tendo em vista uma eventual biografia, assim
como testemunhos de favores atribuídos à intercessão da fundadora.
No fim de longo processo de causa, definiu e declarou que Emília de
Rodat tinha praticado todas as virtudes em grau heroico. A dupla
série de processos — ordinário e apostólico — abriu-se em 28 de
setembro de 1860. Quatro fases principais assinalaram seu
desenvolvimento:
• 7 de março de 1872: decreto de Introdução da Causa em Roma.
• 19 de
maio de 1901: decreto de Heroicidade das Virtudes.
• 9 de
junho de 1940: beatificação de Emília de Rodat.
• 23 de
abril de 1950: canonização de Santa Emília de Rodat.
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