Alexandrina de Balasar

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Santo Elias
O Profeta de fogo

Segundo a tradição, dos seguidores desse grande Profeta nasceu a Ordem do Carmo. "Verdadeiramente ígnea [incandescente] foi a sua mente, ígnea a sua palavra, ígnea a sua mão, com que converteu Israel". Com tais palavras, Cornélio a Lápide, um dos maiores exegetas de todos os tempos, qualifica o Profeta que foi arrebatado ao céu por um carro de fogo para voltar à Terra no fim do mundo.

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A história da humanidade tem seu centro na história da salvação. Seu eixo consubstancia-se na luta entre o bem e o mal, entre os filhos da luz e os filhos das trevas, entre os que são de Deus e os sequazes do demónio, conforme ensina São Luís Grignion de Montfort. Nesta luta que vai durar até o fim do mundo, ocupa o Profeta Elias um lugar único. Lutador indómito contra os idólatras de seu tempo, arrebatado por Deus num carro de fogo, ele virá no fim do mundo para combater o Anticristo, segundo a interpretação de conceituados exegetas e tradição imemorial.

Elias foi, diz São Bernardo, “modelo de justiça, espelho de santidade, exemplo de piedade, o propugnador da verdade, o defensor da fé, o doutor de Israel, o mestre dos incultos, o refúgio dos oprimidos, o advogado dos pobres, o braço das viúvas, o olho dos cegos, a língua dos mudos, o vingador dos crimes, o pavor dos maus, a glória dos bons, a vara dos poderosos, o martelo dos tiranos, o pai dos reis, o sal da terra, a luz do orbe, o Profeta do Altíssimo, o precursor de Cristo, o terror dos baalitas, o raio dos idólatras” (De Consideratione, lib. IV, in fine, apud Cornelii a Lapide, Commentaria in Scripturam Sacram, In Librum III Regum, Cap. XVII).

Destemida increpação ao rei idólatra

Em tempos de Elias, meados do século IX a.C., a terra ocupada pelos hebreus — a mesma originariamente prometida por Deus a Moisés — estava dividida em dois reinos: Israel e Judá. O reino do Norte, Israel, caíra na idolatria e adorava Baal, o deus da sensualidade, servido por 850 sacerdotes por ordem do rei Acab e de sua mulher Jezabel, ela de origem fenícia.

Tomado de zelo pela causa do Senhor, Elias levanta-se e increpa o rei idólatra: “Viva o Senhor Deus de Israel em cuja presença estou, que nestes anos não cairá nem orvalho nem chuva, senão conforme as palavras de minha boca (III Reis, XVII, 1). Em seguida se retira para o deserto, onde corvos levam-lhe milagrosamente o alimento.

O céu se fecha e torna-se pesado como chumbo, a terra fica árida, rios e ribeiros secam-se, até mesmo o riacho no qual Elias se dessedenta. E o profeta sente ele mesmo o peso do terrível castigo imposto a Israel.

A primeira ressurreição de que se tem notícia na História

Refugia-se então em Sarepta, junto a uma viúva que, por ordem de Deus, deve alimentá-lo. Paupérrima, ela só tem um pouco de farinha, com a qual coze um pão para o profeta. Contudo acontece algo inesperado. Morre o filho único da viúva, a qual, em seu desespero, increpa duramente o homem de Deus.

Elias porém lhe diz: “Dá-me o teu filho. E tomou-o do seu regaço e levou-o à câmara onde ele estava alojado, e o pôs em cima do seu leito. E clamou ao Senhor e disse: Senhor meu Deus, até a uma viúva que me sustenta como pode, afligiste, matando-lhe seu filho?” Reclinando-se três vezes sobre o menino, pede a Deus: “Senhor, meu Deus, faz, te rogo, que a alma deste menino volte às suas entranhas. E o Senhor ouviu a voz de Elias” (III Reis, XVII, 22-23).

O filho da viúva de Sarepta volta à vida. É o primeiro caso de ressurreição que a História relata.

Profetas de Baal exterminados por Elias

Entrementes a seca vai se tornando cada vez mais insuportável. O momento de agir em grande estilo se aproxima. O rei Acab, o perseguidor dos profetas de Deus e dos varões fiéis, vai ao encontro de Elias e o interpela: “Porventura és tu aquele que trazes perturbado Israel?” E Elias responde: “Não sou eu que perturbei Israel, mas és tu e a casa de teu pai, por terdes deixado os Mandamentos do Senhor e por terdes seguido Baal. Mas não obstante, manda agora, e faz juntar todo o povo de Israel no monte Carmelo, e os quatrocentos e cinquenta profetas de Baal, e os quatrocentos profetas dos bosques que comem da mesa de Jezabel. Mandou pois Acab chamar todos os filhos de Israel, e juntou os profetas no monte Carmelo” (III Reis, XVIII, 17-20).

Diante dos profetas de Baal, Elias increpa o povo: “Até quando claudicareis vós para os dois lados? Se o Senhor é Deus, segui-o; se, porém, o é Baal, segui-o. .... Eu sou o único que fiquei dos profetas do Senhor, mas os profetas de Baal chegam a quatrocentos e cinquenta homens. Contudo dêem-nos dois bois, e eles escolham para si um boi, e, fazendo-o em pedaços, ponham-nos sobre a lenha, mas não lhe metam fogo por baixo; e eu tomarei o outro boi, e o porei sobre a lenha, e também não lhe meterei fogo por baixo. Invocai vós os nomes dos vossos deuses, e eu invocarei o nome do meu Senhor; e o Deus que ouvir, mandando fogo, esse seja considerado o verdadeiro Deus”.

Os profetas de Baal sacrificam o boi, colocam-no sobre a lenha e clamam, horas a fio, por seu falso deus. Baal não lhes responde. “Gritai mais alto, porque ele é um deus, e talvez esteja falando, ou em alguma estalagem, ou em viagem, ou dorme, e necessita que o acordem” — escarnece Elias.

Desesperados, os falsos profetas cortam-se com estiletes, oferecem sangue ao ídolo. Tudo em vão. O sangue idólatra corre, mas do céu não desce fogo.

Elias então constrói um altar de doze pedras, simbolizando as doze tribos de Israel. Empilha a madeira, molha tudo com água, e sobre o altar coloca o boi sacrificado. E então se dirige a Deus: “Senhor, Deus de Abraão e de Isaac e de Israel, mostra hoje que és o Deus de Israel e que eu sou teu servo, e que por tua ordem fiz todas estas coisas. Ouve-me, Senhor, ouve-me para que este povo aprenda que tu és o Senhor Deus, e que converteste novamente o seu coração” (III Reis, XVIII, 36).

Então desce fogo do céu e consome o holocausto, não só o boi, mas a lenha, as pedras e até mesmo a água! Ao povo — que exclama, de rosto por terra, “o Senhor é o Deus, o Senhor é o Deus” — ordena Elias: “Apanhai os profetas de Baal, e não escape deles nenhum só” (III Reis, XVIII, 40).

Os falsos profetas de Baal são trucidados junto à torrente do Cison. Em parte pelo povo, em parte por Elias, estuante de ardor pela causa do verdadeiro Deus. De onde comentar Cornélio a Lápide: “Verdadeiramente ígnea foi a sua mente, ígnea a sua palavra, ígnea a sua mão, com que converteu Israel”.

Fim da terrível seca, fuga e nova missão do Profeta

E Elias se dirige ao rei Acab, prometendo-lhe o fim da terrível seca: “Vai, come e bebe, porque já se ouve o ruído de uma grande chuva”. Acompanhado de um criado, Elias sobe ao alto do monte Carmelo, prostra-se e reza pedindo a chuva, até que o servo lhe comunica o aparecimento de uma pequenina nuvem. Nuvem precursora de uma grande tempestade, que interrompeu a seca que já perdurava por três anos, como castigo pelo pecado de idolatria em que caíra o povo eleito.

Jezabel, porém, fica sabendo da morte de seus profetas e jura matar Elias: “Os deuses me tratem com toda severidade, se eu, amanhã a esta mesma hora, não te fizer perder a vida, como tu a fizeste perder a cada um deles” (III Reis, XIX, 2).

A ameaça de Jezabel enche Elias de temor. Elias que fechara os céus, que enfrentara o poderoso rei Acab, que ressuscitara um morto, que desafiara e vencera os profetas de Baal; Elias, cujo nome significa “o Senhor é poderoso”, estremece com a ameaça da rainha. Contudo, comenta Cornélio a Lápide, seu temor não vinha tanto pelo medo da morte iminente quanto pelo receio de que, caso morresse, a verdadeira fé se extinguisse em Israel e Baal saísse vitorioso.

Elias foge para o deserto, onde um anjo o alimenta com pão e água e lhe ordena que se dirija ao monte Horeb. Quarenta dias e quarenta noites leva Elias para chegar ao Horeb. E chegado ao monte do Senhor, Deus o interpela: “Que fazes aqui, Elias?”

— “Eu me consumo de zelo pelo Senhor Deus dos exércitos — responde Elias — porque os filhos de Israel abandonaram a tua aliança, destruíram os teus altares, mataram os teus profetas e eu fiquei só” (III Reis, XIX, 10).

Deus fala com Elias, não no terremoto, mas ao “sopro de uma branda viração”. E lhe dá uma tríplice missão: Ungir Hazael como rei da Síria; a Jehu como rei de Israel; e a Eliseu como profeta “em teu lugar”.

Elias encontra Eliseu arando a terra e lança sobre ele seu manto. E desde então Eliseu é outro homem. De camponês torna-se seguidor de profeta e profeta ele mesmo.

Morte de Jezabel, a perseguidora do Profeta

Entrementes a poderosa Jezabel confiscara a viva força a vinha de Nabot e o mandara matar. Caso típico de espoliação indébita de terra, ao arrepio do direito de propriedade. O castigo divino não se faz esperar.

Deus ordena a Elias aparecer diante de Acab e exprobá-lo: “Neste lugar em que os cães lamberam o sangue de Nabot, lamberão eles também o teu sangue” (III Reis, XXI, 19). O profeta anuncia ainda o castigo de Jezabel: “Os cães comerão Jezabel no campo de Jesrael”. Apavorado, Acab faz penitência. E Deus não o castiga. Mas a cólera divina cai verticalmente sobre a cabeça da ímpia Jezabel. Jogada de uma janela de seu palácio, ela é esmagada por cascos de cavalos e devorada por cães. Quando servos vão pegar seu corpo para enterrá-lo, só encontram o crânio e alguns ossos.

Acab é sucedido pelo rei Ocozias, o qual, adoecendo pouco tempo depois de subir ao trono, manda consultar um oráculo de Belzebu. Elias encontra-se com os mensageiros do rei e os interpela: “Porventura não há um Deus em Israel para vós virdes consultar Belzebu, deus de Acaron?” (IV Reis, I, 3). E anuncia que o rei não se levantará mais da cama.

Irritado, Ocozias manda um capitão e 50 homens para prenderem o profeta. Elias faz descer fogo do céu, que consome os soldados. O rei manda novamente outro capitão com cinquenta homens, por sua vez consumidos também por fogo do céu. Pela terceira vez, envia Ocozias um capitão com cinquenta soldados. Desta vez, o capitão pede misericórdia a Elias, que o poupa e a seus comandados. E Ocozias morre após o curto reinado de um ano.

Elias não morre, mas é arrebatado por Deus, para retornar no fim do mundo

Elias executa o tríplice encargo divino. Aproxima-se então o momento de ele abandonar a Terra. Para o comum dos homens isso significa pura e simplesmente morrer. Porém, para Elias, o Profeta das grandes excepções, a Providência tem outros planos. Arrebatado num carro de fogo e levado por Deus para lugar desconhecido, o Profeta deixa seu manto a Eliseu, seu discípulo e sucessor.

Cerca de 900 anos se passam e, no Monte Tabor, na cena empolgante da transfiguração de Jesus, Elias aparece, juntamente com Moisés, ao lado de Nosso Senhor. Do misterioso lugar onde presentemente se encontra, contempla ele o desenrolar da história da salvação, à espera do momento de voltar a intervir directamente nos acontecimentos da Terra e preparar a segunda vinda de Cristo antes do Juízo Final.

E então, mais do que nunca, aplicar-se-á a Elias o elogio que dele faz o Espírito Santo: “E quem pode pois, ó Elias, gloriar-se como tu? Tu que fizeste sair um morto do sepulcro..., que precipitaste os reis na desgraça e desfizeste sem trabalho o seu poder..., que ouviste sobre o Sinai o juízo do Senhor, e sobre o Horeb os decretos de sua vingança; que sagraste reis para vingar crimes, e fizeste profetas para teus sucessores; que foste arrebatado num redemoinho de fogo...; tu, de quem está escrito que virás para abrandar a ira do Senhor, para reconciliar o coração dos pais com os filhos, e para restabelecer as tribos de Jacob. Bem-aventurados os que te viram e que foram honrados com a tua amizade” (Ecles. XLVIII, 4-11).

A Gruta de Elias

Haifa, cidade portuária ao norte de Israel. Uma urbe moderna como tantas outras. Com o bulício, o trânsito agitado, os viadutos e arranha-céus... Porém, na parte superior do promontório que se adentra pelo mar, a atmosfera é outra. O bulício cessa, as ruas são mais limpas e as residências aprazíveis. No alto do monte que leva o nome Carmelo, (em hebraico, “Jardim de Deus” ), encontra-se indubitavelmente um dos lugares mais abençoados da Terra Santa. No mosteiro dos carmelitas, o peregrino pode visitar sob o coro da igreja, escavada em pedra e envolta pelas sombras acolhedoras do edifício sagrado, a gruta de Elias, pequeno e austero refúgio de um dos varões mais brilhantes da História da humanidade.

Foi aí, nessa humilde gruta, longe e acima do mundo, no silêncio e na contemplação, que Elias rezou com o rosto inclinado por terra, pedindo a Deus que mandasse chuva e terminasse com a tremenda seca que assolava Israel.

Sete vezes ordenara o grande Profeta a seu servo divisar no horizonte, para as bandas do mar, o aparecimento de nuvens. Na sétima vez, o criado voltou dizendo que vira uma nuvenzinha do tamanho de uma pegada, surgindo no horizonte. Era afinal o prenúncio da chuva vindoura.

Era mais do que isso. Era a promessa da vinda de Nossa Senhora, a Mãe do Salvador do mundo. Assim como a nuvem subia das águas do mar, porém não lhe tendo o sal, assim a Mãe do Redentor surgiria, imaculada, de uma humanidade concebida no pecado original. Desta nuvenzinha cairia uma chuva regeneradora, símbolo de Nosso Senhor Jesus Cristo, Redentor do género humano. E assim, na antevisão do nascimento, nove séculos mais tarde, da Santíssima Virgem, tornou-se Elias o primeiro devoto de Maria, o cabeça de uma plêiade de varões que — através de uma impressionante sucessão, que daria na Ordem do Carmo — iriam louvar Maria ao longo de toda a História. E coube a um filho espiritual de Santo Elias, São Simão Stock, receber no ano de 1251 o Escapulário, esse meio ímpar de salvação.

Renato Vasconcelos

FONTE: Revista Catolicismo.

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