O Dr. Manuel Augusto
Dias de Azevedo não nasceu no nosso Arciprestado, mas
por
cá realizou obra de mérito. Que outros o considerem seu, e por boas razões, isso
não invalida que seja também um pouco nosso.
A sua actuação junto
da Alexandrina foi tão empenhada, persistente e duradoura que há quem o coloque
ao nível dos padres Pinho e Humberto. Possuidor de conhecimentos teológicos como
eles, como eles apoiou a diversos níveis aquela que adoptou como sua madrinha.
Além de tudo o mais, pôs o seu nome e o seu saber médico ao serviço da
constatação objectiva do que a Medicina podia afirmar que, nela, ultrapassava as
leis da simples natureza. Se não publicou livros sobre a Alexandrina, defendeu-a
com numerosas e oportunas cartas enviadas a vários destinatários, nas páginas
dos jornais e criou o importante Boletim Mensal « Alexandrina Maria da Costa, a
Doente de Balasar » e redigiu-o desde Julho de 1957 a Agosto de 1970. No
Processo Diocesano, foi uma das principais testemunhas.
Os opositores da
Beata continuam a reclamar documentos. Esses documentos de rigor científico e
com a assinatura de médicos competentes existem sobretudo graças a ele.
Esboço biográfico
O Dr. Dias de Azevedo
nasceu na vila de Ribeirão, Vila Nova de Famalicão, em 21/09/1894, e aí faleceu
a 20/12/1971. No número de Janeiro de 1960 do Boletim Mensal, evocava ele assim
a sua adolescência e juventude:
« Fui estudar, tendo
onze anos de idade, para os Seminários de Braga e, depois de feito aí o Curso
Teológico, fui convidado por quem de direito a ir formar-me na Universidade
Gregoriana, agradecendo, mas declinando o convite. »
Este convite
significa com certeza que dera mostras de real capacidade intelectual.
Ensinou depois o Dr.
Dias de Azevedo no Colégio de Ermesinde; paralelamente, dedicava-se a
actividades de animação religiosa. Mas voltemos ao seu relato autobiográfico :
« Em seguida fui
leccionar e resolvi simultaneamente repetir nos Liceus os exames do curso
secundário. Após esses exames, matriculei-me na Faculdade de Medicina, fazendo
esse curso no tempo normal de seis anos e leccionando sempre. Defendida depois a
tese de doutoramento, que nesse tempo era facultativa, embora convidado por
pessoas ilustres a ficar a trabalhar no Porto, vim para Ribeirão, minha terra
natal, onde há 35 anos venho exercendo clínica. (…) »
Inicia de facto a sua
actividade em 1924.
Um catedrático veio a
chamar-lhe «Augusto na medicina»; o Padre Humberto declarou-o « primus inter
primos », primeiro entre os primeiros.
Apesar de ser pai de
14 filhos, dadas as dificuldades económicas da população, dedicava dois dias
semanais a consultas gratuitas para os mais indigentes.
« Homem de acção, foi
fundador ou animador de várias instituições de prevenção social, pugnando por
elas quer na sua terra natal, quer em vilas e cidades. » « Foi chamado a usar da
palavra em congressos religiosos de carácter nacional, assembleias paroquiais,
permanecendo os seus discursos quer nas respectivas actas, quer em separatas. »
Os primeiros contactos com a
Alexandrina
No citado número do
Boletim Mensal, continua este médico :
« Exerci clínica uns
dezassete anos sem conhecer a Alexandrina, mas, em Fradelos, ao aconselhar esta
ou aquela pessoa muito doente a que tivesse paciência nos seus sofrimentos, ouvi
uma ou outra vez dizer : “Sim, Sr. Dr., se tivesse a paciência da Alexandrina…”
Que
Alexandrina é essa de quem se fala, perguntei uma vez. “Da Alexandrina de
Balasar”, ouvi eu em resposta. No entanto, depressa esqueci a impressão das
palavras que ouvira, embora, já um pouco distante fosse conhecida a paciência da
nossa heroína.
Em 1940, adoeceu
gravemente uma senhora da Trofa, terminando a sua doença com uma
glomérola-nefrite e amaurose. Era eu o seu médico assistente, mas sob a direcção
de bons médicos do Porto, declarando eles por fim que era incurável a sua doença
e próximo o seu fim.
O marido, um daqueles
homens que é capaz de ir ao fim do mundo para conseguir uma coisa útil que tenha
em vista, foi pedir ao Servo de Deus Padre Cruz, S.J., o favor de vir ver a
doente. Ele veio e teve palavras de muito conforto, prometendo rogar por ela.
Mas a doente ia piorando, e de que se lembra o marido? Tendo ouvido dizer que em
Balasar havia uma doente muito boa pessoa e de quem se falava com admiração,
resolveu pedir-lhe que intercedesse pela cura da sua mulher. Convidou-me a
acompanhá-lo e lá fomos nós os dois e outros, em 29/1/41.
Tendo sido recebidos
no seu quartinho, lá estivemos a conversar talvez umas duas horas. A conversa
era entre uns dois ou três e a Alexandrina, e eu conservei-me silencioso, a
observar tudo o que se passava. Pareceu-me que a minha presença impressionava um
pouco a Alexandrina e eu achava graça ao seu olhar simples e cândido, mas
profundo, que parecia ver tudo o que somos.
No fim da conversa,
fiz-lhe umas perguntas a respeito da sua paraplegia e, nessa ocasião, ela ficou
sabendo que eu era médico.
Prometeu-nos que ia
rogar muito pela nossa doente, mas foi-nos dizendo que era preciso
conformarmo-nos sempre e em tudo com a vontade de Deus.
Ao sairmos da sua
casa, resolvi ir falar com o pároco, o Sr. Padre Leopoldino Mateus, porque me
parecia ser extraordinária uma criatura que falava como ela falou, atentas as
condições em que tinha vivido. Na conversa com o Sr. Padre Leopoldino, este fez
as melhores referências à Alexandrina, dizendo-me que era a melhor auxiliar da
sua vida pastoral e que visse se o director espiritual dela ― o Sr. Padre
Mariano Pinho, S.J. ― me autorizava a assistir às sextas-feiras, das doze às
quinze horas, a uns fenómenos que se passavam com essa sua paroquiana.
Pouco depois, fomos a
Braga e obtivemos a desejada licença, trazendo um cartão a recomendar à
Alexandrina a referida doente da Trofa. (…) Fomos assistir aos tais fenómenos no
dia 14/2/41. Eram impressionantes, maravilhosos, inolvidáveis, e não se poderá
duvidar mais tarde do que agora afirmo, porque eles estão filmados para a
posteridade ou para a ocasião que seja oportuna.
No dia seguinte, a
15/2/41, escrevi ao Sr. Padre Mariano Pinho :
“Irei
mais vezes a Balasar e procurarei como médico estudar a doença da Alexandrina,
doença que acompanha os dotes de que o Senhor a dotou. Essa doença, que deverá
ser uma mielite lombar e que deverá ser registada por vários médicos, a meu ver,
mais realça todos os fenómenos que se passam todas as sextas-feiras,
principalmente no que diz respeito a movimentos.
Enquanto a
fisionomias várias, compostura de movimen-tos, profundeza de conceitos teológicos
e místicos ex-pressos, tudo isso é simplesmente admirável. Nada, abso-lutamente
nada do que se passa, quer sob o ponto de vista clínico quer sob o ponto de
vista teológico, nos poderá per-mitir classificar de naturais os fenómenos que
observamos. Depois, a sua vida humilde e despretensiosa, a sua falta de cultura,
o seu equilíbrio de inteligência e maneiras, a sua resignação completa, humilde
profunda, os seus rasgos de génio amiudados, tudo isto envolto numa simplicidade
encantadora, dá provas manifestas de que se trata duma alma a transbordar de
sobrenatural.” »
A Alexandrina
convencia, seduzia rapidamente. É agora com este médico, Já fora assim com o
Monsenhor Vilar, será depois com o Padre Terças, com o Padre Humberto, com o
Padre Isidoro Magunha, etc.
Do Dr. Abílio Garcia de Carvalho ao
Dr. Dias de Azevedo
Em 26 de Janeiro de
1941, falece o Dr. Abílio Garcia de Carvalho, com um cancro no estômago, em
Calendário, Vila Nova de Famalicão. É nesse mesmo mês que o Dr. Dias de Azevedo
se apresenta ao Padre Pinho. Veja-se o que este escreve em No Calvário de
Balasar :
« Mas eis que, em
princípios de 1941, nos procura em Braga um cavalheiro que nos afirma ser médico
— Dr. Manuel Augusto de Azevedo — e manifesta-nos desejo de ver a doente de
Balasar, pedindo-nos para isso uma apresentação.
Lá foi e, depois de
ter assistido várias vezes aos êxtases da Paixão, declarou-nos que um caso
destes tinha de ser bem estudado e registado pela Ciência, tão extraordinário
ele era.
Respondi-lhe que já
vários médicos a tinham examinado e que os exames e resultados só serviram para
mais torturar a pobre mártir.
Ele porém insistiu e
comprometia-se a escolher médicos competentes e que tratariam a doente com todo
o cuidado. »
O Dr. Abílio de
Carvalho tinha consultório na Póvoa de Varzim desde 1919, na Rua de Santos
Minho. É provável que a Alexandrina já o frequentasse desde 1920.
Para este médico e
católico militante, que foi presidente da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim
(1935-1940), que interveio em vários congressos religiosos e pronunciou
palestras em muitos pontos do país, ela devia ser uma doente especial, pois terá
visto nela desde o princípio uma heroína, ao modo de Santa Maria Goretti. A
Alexandrina dedicava-lhe grande estima. Ainda antes de acamar, porém, visto a
medicina não se mostrar capaz de lhe devolver a saúde e ser dispendiosa a ida à
Póvoa, passou a ser acompanhada por um médico de Rates.
Quando,
em 1938, ao reviver a Paixão, a Alexandrina readquire, em êxtase, a capacidade
motora, o Padre Pinho sentiu necessidade de ouvir a voz dos médicos que a tinham
acompanhado, como escreve em No Calvário de Balasar, pág. 146 :
«Convidaram-se, antes
de mais ninguém, o médico assistente, Dr. João Alves Ferreira e o Dr. Abílio
Garcia de Carvalho, da Póvoa de Varzim, a presenciar alguns desses êxtases da
Paixão.»
O Dr. Abílio de
Carvalho fez então várias diligências no sentido de esclarecer a origem da
paralisia da Alexandrina, de que o Padre Pinho dá conta.
O Dr. Dias de Azevedo
veio pois continuar os esforços do Dr. Abílio de Carvalho.
Era preciso
esclarecer em definitivo as razões da paralisia, era preciso esconjurar a
aleivosia de que a Alexandrina fosse uma histérica. Com o início do jejum, será
preciso esclarecer que ele é real e não uma mistificação e que ela não era uma
anoréxica.
Mas as circunstâncias
acabarão por chamar o novo médico assistente para outras tarefas, a principal
das quais é a de defender, em várias frentes, a honra daquela que é a sua glória
de médico (« a minha glória na vida »).
Já se viu que, quando
chega a Balasar, ainda dirigia a Alexandrina o Padre Mariano Pinho. Fá-lo-á até
final do ano seguinte. Em breve ia ter lugar o episódio do Padre Terças, que
desencadeará enorme posição. Depois, acontecerá a Consagração do Mundo, em que
muito poucos adivinharão a intervenção da Alexandrina. Mais adiante, ainda na
continuação do estudo clínico, caberá ao Dr. Dias de Azevedo, como motivo alto
de glória, levá-la ao Porto, ao Refúgio da Paralisia Infantil. Depois, será a
luta entre os que aceitam o carácter extraordinário ― entenda-se, sobrenatural ―
do que se passa com a Alexandrina e aqueles que o negam ; uma luta renhida e
longa. Mas dela resultará também que tudo foi estudado, nada se afirma sem
amadurecida reflexão, sem comprovação.
A Alexandrina no Refúgio de
Paralisia Infantil
A verificação do
jejum e anúria da Alexandrina no Refúgio de Paralisia Infantil, da Foz do Douro,
muito deve ao Dr. Dias de Azevedo. Ele alonga-se sobre o assunto no Boletim, a
partir de Abril de 1964, quando
acabava
de falecer o Dr. Gomes de Araújo. Fá-lo demoradamente, mas « esquecendo-se » de
dar o justo relevo ao papel que lhe coube nesta verificação.
Depois de elogiar o
director do Refúgio e referir as conversas por ele havidas com o Sr. Arcebispo,
que o aconselhava a aprofundar o estudo clínico, prossegue:
« Fui ao Porto e
convidei um médico distintíssimo a irmos a Balasar ver a Alexandrina (cuja
doença ou afecção, em 15 de Julho de 1941, o Sr. Dr. Gomes de Araújo tinha
classificado de paralisia orgânica por afecção medular de um ou mais focos),
dizendo-lhe que não se alimentava. Respondeu-me logo que ia vê-la, quando eu
quisesse. Disse-lhe, entre outras coisas, que era um caso interessante, visto
que ela, além de não se alimentar, apresentava fenómenos extraordinários, que os
teólogos chamavam êxtases. Então esse meu amigo respondeu-me logo que nesse caso
desistia de estudar o « caso », visto que não queria meter-se em tal estudo.
Não pareceu dito
próprio de tão formoso espírito que ele era. Como católico, tinha obrigação de
estudar o « caso », ou para constatá-lo como admirável e respeitável coisa de
Deus ou como mistificação a descobrir para não iludir ninguém. E poucos médicos
estariam em tão boas condições intelectuais como ele estava. Mas as coisas são
como são e, por vezes, como não devem ser.
Depois,
fui convidar o Sr. Dr. Carlos Lima, e esse professor distintíssimo respondeu-me
que aceitava o meu convite.
Por fim, fui convidar
o Sr. Dr. Gomes de Araújo, a quem só disse tratar-se duma doente que não se
alimentava. Também aceitou o meu convite, mas creio que persuadido de tratar-se
duma anorexia mental igual a outro caso que já lhe tinha entregado e que ele
muito bem curou, ou então duma mistificação.
Soube pouco depois
que, falando-lhe alguém, na Trofa, neste caso, ele respondera que deveria
tratar-se dum caso em que me iludiram e que, em poucos dias, sendo internada e
vigiada a doente, daria o que tinha a dar. »
Continua mais adiante
o Dr. Dias de Azevedo sobre o Dr. Gomes de Araújo :
« (…) para o
internamento, fiz prometer-me duas coisas :
1.ª seria feito o
estudo das faculdades mentais da doente, desejando saber, por escrito, se elas
estavam ou não normais ;
2.ª a doente não
seria obrigada a alimentar-se, a não ser que a tal fosse persuadida, nem lhe
seria injectado qualquer medicamento, a não ser que ela concordasse.
Em duas palavras:
queria que ficasse registado se ela vivia sem se alimentar e se as suas
faculdades mentais estavam normais, estando ela internada qualquer tempo que
fosse julgado necessário, concordando o Sr. Dr. Gomes de Araújo com essas
condições. »
No Boletim de Julho
seguinte, prossegue o Dr. Dias de Azevedo :
« Não
será demais falar no trabalho que teve o Sr. Dr. Gomes de Araújo a fim de
investigar se de facto a Alexandrina vivia ou não sem a mínima alimentação, a
não ser a Sagrada Eucaristia, autêntica purificação e fortaleza da Alexandrina,
o que, sendo tudo, infelizmente para muitos é pouco ou nada. Essa sua
investigação é tanto mais interessante quanto é certo que, a este respeito, o
distintíssimo medico que era o Sr. Dr. Gomes de Araújo partia da impressão de
que a Alexandrina seria uma doente que certamente queria iludir os outros.
Aqueles 40 dias de rigorosa investigação foram um autêntico tormento mental para
ele, disse-me uma vez a sua saudosa esposa, que também já partiu para a
eternidade a receber o prémio das suas virtudes. (…)
Passados quinze dias,
dizia-me o Sr. Dr. Gomes de Araújo, já no seu consultório:
― Você chegou para
mim, pois comprometi-me a não forçá-la a alimentar-se e eu queria ver se ela
podia ou não alimentar-se.
― Mas então, Sr. Dr.,
quem foi o iludido, eu por ela ou o Sr. Dr. por mim?
Nós não queremos
saber se ela pode engolir ou não os alimentos, e eu sei que pode; mas, passados
momentos, vomita-os.
Fiz essa experiência
durante meses, desde Março de 1942 até Maio deste ano. O que quero provar ao
mundo é que ela vive sem alimentação. »
Passemos agora ao
boletim de Agosto :
« Afirmámos no
boletim anterior ― continua o Dr. Azevedo ― que aqueles 40 dias de rigorosa
observação foram um autêntico tormento mental para o saudoso e distintíssimo
médico que foi o Sr. Dr. Gomes de Araújo. Parece-me que nessa ocasião ele estava
convicto de que ninguém tivesse passado qualquer temporada de abstinência total
de sólidos e de líquidos digna de referência e contra a normalidade das
exigências físico-químicas do nosso organismo.
Essas inédias, de que
nos fala a hagiografia cristã, eram pouco do seu conhecimento e convicção,
partindo da normal lei orgânica de que ninguém podia viver durante meses e anos
sem alimentação.
Ao estar na presença
duma inédia que lhe apresentávamos para estudo e averiguação, duvidou, como
cientista, da sua realidade objectiva, persuadido de que não teríamos tido todo
o cuidado para sermos iludidos. Era o caminho próprio e seguro que um
investigador tinha a seguir, e seguiu-o no seu inquérito e rigor, sim, mas
também com respeito e registo das consequências que iam derivar do seu
meticuloso estudo, não se deixando perturbar, nos seus juízos sobre o caso, com
as insinuações que alguém, nessa ocasião do seu estudo, lhe fora fazer (…) »
Em defesa da Alexandrina
O
Dr. Carlos Lima da Universidade do Porto, que comprovou o jejum da
Alexandrina |
A oposição à
Alexandrina chegou a tomar formas muito duras. Vimos já que tudo começou
com o artigo do Padre Terças, que tornou pública a vivência da Paixão
pela Beata. Esta carta escrita pelo pároco de Chaves ao Arcebispo ajuda
a compreender algumas condicionantes da actuação da comissão por ele
nomeada :
« Excelência
Rev.ma
Beijo
respeitosamente o seu anel.
Achando-me em
repouso aqui, no santuário do Sameiro, um fulano autoriza-me a dizer-lhe
que o caso de Balasar (uma certa Alexandrina) não é senão uma torpe e
indecente mistificação que é conveniente extirpar quanto antes. É um
caso verdadeiramente monstruoso do qual deve desligar-se e sobretudo
afastar o Padre Pinho. Não posso dizer outra coisa.
Servo inútil.
Padre José
Francisco Gonçalves Fraga, Pároco de Chaves.
Sameiro,
30/7/1942 ».
Que poderia
este pároco de tão longe saber de concreto sobre a Alexandrina ?
Que o
terá levado a falar dela à autoridade eclesiástica em termos de « torpe
e indecente mistificação », de um «caso verdadeira-mente monstruoso » ?
|
Na oposição ao
carácter sobrenatural do que se passava com a « doente de Balasar »,
destacava-se o jesuíta Padre A. Veloso, colega do Padre Pinho, que defendia que
tudo acontecia por sugestão deste. Como o Cónego Molho de Faria, também ele
acaso ouvira na Gregoriana as lições do Padre Siwek sobre Teresa Neumann. Como
ele, generalizava sem análise.
E veja-se agora esta
intervenção do Padre A. Veloso, aquando da ida de Alexandrina para o Refúgio de
Paralisia Infantil para exame. Conta o Dr. Dias de Azevedo em carta ao Padre
Pinho :
« Antes de ter (de
redigir) o relatório, o Dr. Araújo foi abordado pelo Padre A. Veloso (tão
digno de crédito que foi proibido de pregar nas dioceses de Lamego e do Porto),
que disse para se não comprometer porque a doente de Balasar é uma impostora;
para estar atento porque se trata de uma mistificação e que eu sou um fanático.
Soube a coisa... mas pelo que me diz respeito perdoo-lhe e não quero que sofra
com isso: peço-lho de joelhos. Quanto às afirmações acerca da doente, é preciso
que o fulano esteja atento... porque há parentes de tal força que se viessem a
saber da calúnia quebravam-lhe as costelas. » (23/08/1943)
Poderá parecer que
estas actuações tão lamentáveis merecem apenas o silêncio. Mas a história também
se faz com tais baixezas e com elas se fez o sofrimento da Alexandrina. Além
disso, elas explicam a firme reacção do Dr. Dias de Azevedo a uma frase dum
escrito do Padre A. Veloso na Brotéria. A resposta do Dr. Dias de Azevedo
saiu no Comércio do Porto. Sem este contexto não faz sentido.
Está-se já em Janeiro
de 1947. O artigo do Padre A. Veloso intitulava-se « Mística e jornalismo » e
alongava-se por 15 páginas. Começava assim :
« A psicose
do maravilhoso vem de longe. E uma tentação mais ou
menos cíclica, principalmente em tempos anormais, quando a vida, na palavra
justa de Vauvenargues, mais se vence do que se vive. Pode haver outras razões,
mas esta é, parece-nos, uma das mais influentes nesse curioso fenómeno, de que o
nosso tempo nos tem dado abundantíssima matéria de observação e estudo.
Só dos últimos anos,
lembram-nos os casos típicos do Barral, da Madre Virgínia (no Funchal), e das
visionárias de Lamego, da Correlhã, da Vergada, de Pereira de Avidagos, de
Balasar, do Pinheiro, de Baião, de Oriz e, ultimamente, a de Vilar Chão. E
certamente que o rol não fica por aqui. Estes casos, porém, tornaram-se mais
conhecidos, não porque valham mais que os outros, mas porque a imprensa
periódica, tomando-os à sua conta, lhes deu, com razão ou sem ela, uma
notoriedade que, de outro modo, nunca chegariam a ter. »
O Dr. Dias de Azevedo
riposta: o Padre A. Veloso não era especialista no tema; os médicos tinham dado
o seu veredicto e ele não o respeitava; havia o testemunho do insuspeito e
categorizado Cónego Vilar. Por isso concluía que o Padre A. Veloso devia ser
impedido de voltar a escrever na Brotéria.
Este médico tinha
muitas e boas razões para defender a Alexandrina. Ela não era impostora, o seu
apego à verdade e a sua humildade eram totais, o seu bom-senso não admitia
dúvidas, o carácter sobrenatural do que com ela se passava impunha-se por si a
quem a acompanhava de perto.
30 de Junho de 1953
Esta data há-de ter
ficado bem marcada na vida do Dr. Dias de Azevedo, mesmo que tão pouco se fale
dela. A afluência à casa da Alexandrina vinha a atingir números inacreditáveis:
no dia anterior, ela recebera cerca de 15.000 pessoas!
Seria razoável manter
a situação? É sabido que o Sr. Arcebispo não a via com bons olhos e agora outras
vozes se levantavam contra. O Jornal de Notícias foi sem dúvida a que
mais alto falou. É nas suas páginas que o Dr. Dias de Azevedo faz escrever em
Setembro:
« Quem primeiro
trocou impressões com a Família da Doentinha, sobre a inconveniência das
numerosas visitas que há dias lhe estavam fazendo e quem aconselhou a sua
completa supressão, e disso há testemunhas, foi o tal « médico e teólogo », que
está ditando estas linhas. ... As visitas terminaram no dia 30 de Junho ».
Mas há-de ter sido
uma decisão difícil. Não era por puro milagre que a Alexandrina conseguia tirar
forças da sua extrema fraqueza para receber as visitas que Jesus lhe enviava
― pois que era Ele que as enviava,
como se lê nos êxtases ?
Mas certamente o
objectivo tinha sido atingido e o mesmo Jesus, indirectamente, aprova a decisão,
pois se lê no êxtase de 4 de Julho :
« Diz ao teu médico
que lhe recomendo coragem, coragem, coragem !
Diz-lhe que sou
infalível, diz-lhe que estou com ele, diz-lhe que velo por ele e por todos os
que são dele.
Velo por ele e ele
vela pelo que é meu. Protejo-o e ampara-o e ele protege e ampara a minha causa,
a minha maior causa. »
A polémica do «Jornal do Médico»
O Dr. Joaquim Pacheco
Neves (Vila do Conde, 1910 – Porto, Hospital de S. João, 1998) foi um polígrafo
considerável.
Em 8/8/953, publicou no « Jornal do Médico », como editorial, um artigo algo
desprestigiante para a Alexandrina, sob o título de « Um caso estranho ».
Este Verão de 1953
estava aliás a ser quente. Já haviam escrito sobre a Alexandrina O Gaiato,
o Diário do Norte e o Jornal de Notícias e ainda um jornal de V.
N. de Famalicão. O Dr. Dias de Azevedo, que publicara três artigos no Diário
do Norte, acaba por levar a tribunal o Jornal de Notícias, que
falava do Caso de Balasar com certa hostilidade.
A afluência a Casa da Alexandrina nunca tinha sido tão grande. Jesus
dissera-lhe : « Estás a viver a minha vida pública ».
Como o articulista do
Jornal de Notícias, também o Dr. Joaquim Pacheco Neves se mostrava
respeitoso para a Alexandrina; como ele, dizia impropérios sobre os visitantes.
A resposta do Dr.
Dias de Azevedo não se fez esperar. Tendo o Dr. Joaquim Pacheco Neves replicado,
o Dr. Dias de Azevedo respondeu-lhe de novo. E ainda acrescentou um terceiro
artigo.
Veja-se a parte mais
significativa do escrito inicial do Dr. Joaquim Pacheco Neves, onde há
pormenores interessantes:
« A quilómetros da
vilazinha onde eu moro, vive uma pobre mulher a quem a doença inutilizou e
reduziu à quase expressão de dois olhos negros e buliçosos. Uma queda aos quinze
anos fracturou-lhe a coluna e deu origem a uma paralisia que a imobilizou numa
cama donde começou a dar um exemplo edificante de resignação e paciência. Se a
visitavam e lhe diziam uma palavra de lamento, ela encolhia os ombros magros,
esboçava um sorriso resignado e dizia-se conformada com o seu sofrimento e
destino.
Assim se passaram
dez, quinze, trinta anos sem que a frescura do seu rosto murchasse ou a
vivacidade do seu espírito ensombrecesse. Sempre com um sorriso alegre a
iluminar a tristeza do seu olhar calmo e uma palavra de consolo a desprender-se
dos seus lábios descorados, ela mostrava uma resignação e paciência que começou
a criar na vizinhança um sentimento de veneração que aos poucos transbordou para
as aldeias mais próximas. E começou a chegar gente para a ver. Outra vinha para
a ouvir. O recorte suave do seu rosto pálido, a expressão doce dos seus olhos
tristes, a transparência azulínea das suas mãos delicadas, o tom penetrante da
sua voz lenta e a comunicabilidade da sua palavra consoladora, criaram no
espírito daquela gente simples uma ideia de sobrenaturalidade, de um ser à parte
mantido na vida por um desígnio superior ao seu entendimento que a maravilhava.
Os que vinham para pedir, rezavam com ela. Ela também nada dizia que não fossem
simples palavras de conforto ou piedosas orações. As mezinhas misteriosas, os
sinais cabalísticos, os passes magnéticos, desconhecia-os. Aconselhava apenas
resignação, dizia palavras de esperança, consolava as almas desesperadas. Mas o
sentimento que as ditava, a dor alheia que tomava para si, tantas vezes, as
lágrimas que chorava por amor do próximo, eram de molde a erguer um altar de fé
nas almas que dela se aproximavam e a criar uma legenda de santidade junto dos
que ela acolhia.
Assim se dilatou o
conhecimento desta pobre mulher que, por muito se dar, muito se esquecia de si.
O sou nome começou a andar de boca em boca e ultrapassou as raias fronteiriças.
Dos recantos mais longínquos do país vieram excursões de curiosos. De Espanha
veio também gente para a ver. Junto da sua humilde casa organizavam-se
peregrinações a que só a Igreja era estranha. Os que sofriam e esperavam, tinham
fé no poder magnífico das suas palavras e no valor das suas orações. Sentiam-se
reconfortados na sua presença e aceitavam a sua intervenção como a expressão
maravilhosa dum prodígio extra terreno, cujo entendimento estava fora do alcance
da compreensão humana.
E a legenda de
santidade foi firmando raízes. Falava-se de milagres: cegos que viam,
paralíticos que andavam, curas extraordinárias que se obtinham, numa revoada de
esperanças que alargava por longe a fama do seu nome. Dela se dizia que não se
alimentava, como se a vida orgânica já tivesse chegado ao sou termo e a sua
existência só se mostrasse pela chama brilhante que luzia no seu espírito. E
vieram médicos para a ver, atraídos pela nomeada extraordinária da sua fama.
A mistificação podia
ocultar-se por detrás do temperamento neurótico, impressionável e
impressionador, destes que quase suspendem a vida vegetativa quando a força de
vontade determina. E propuseram-lhe o internamento numa Casa de Saúde, que ela
aceitou. E vigiaram-na durante largas semanas sem descobrirem qualquer fraude. O
único alimento que ela não dispensava era o Sagrado Viático que ela recebia com
humildade e unção cristãs. Os seus lábios em nada mais tocavam. As observações
dos médicos chegaram por fim a termo e ela regressou de novo à sua pobre casa da
aldeia. Vinha como fora, com a mesma resignação, a mesma bondade, a mesma
compreensão pelo sofrimento alheio. Não se sabia qual o parecer dos médicos. Mas
o povo, com a sua imaginação prodigiosa e a sua tendência para o maravilhoso,
continuou a ungi-la com a sua fé e a procurá-la com a sua devoção, como se não
tivesse quaisquer dúvidas sobre a missão que lhe fora confiada na terra e
soubesse, de fonte certa, que ela era um elo de ligação entre a humanidade que
sofre e o infinito poder de Deus.
Este caso estranho,
que agitou o Norte do país e movimentou muitos milhares de pessoas, merece um
comentário ligeiro à margem de paixões que, como é de costume, acompanham sempre
os eventos que saem da linha do comum.
Trata-se, na verdade,
duma pobre mulher de espírito simples e desinteressado, sublimado por virtudes
que se originam, talvez, na própria doença. Salvo os prolongados jejuns, que
aliás se vêem de quando em quando anunciados nos jornais como curiosidade de
indivíduos dados a certas práticas abstencionistas, a resignação, o sofrimento,
a paciência, a compreensão, a tolerância e a bondade, se não são atributos
comuns, não são tão excepcionais que não se mostrem em milhares de pessoas sem
que felizmente surja qualquer acontecimento que lhes dê notoriedade. A própria
formação religiosa não ultrapassa a linha vulgar — não é uma mística com
arrebatamentos e transportes que deixem perceber uma psiconeurose, nem uma beata
que se esconda por detrás da sua hipocrisia. As condições de excepção são outras
e vivem mais do desinteresse que ela mostra pelos bens do mundo que a podiam
enriquecer do que da fama que lhe criaram sem outro proveito que não seja o de
aumentar-lhe o sofrimento. »
Leia-se agora a
resposta que o Dr. Dias de Azevedo deu ao seu colega, em 19/9/953, sob o título
de « Respeitosas referências a “Um caso estranho” » :
« Lemos há dias o
artigo do Senhor Dr. Pacheco Neves, “Um caso estranho”, publicado no Jornal do
Médico. Fora-nos anunciado como um artigo que humilhava aqueles que estão
confiantes na grandeza deste Caso. Afinal, não é bem assim. Literariamente,
parece estar bem feito e até, ao findar a sua leitura, nos veio à memória,
mantidas as devidas proporções, a “Vida de Jesus”, de Ernesto Renan. Este
artista literário quis amortalhar no lençol de púrpura do seu estilo feiticeiro
a divindade de Jesus, e o nosso colega, se isso lhe fosse possível, amortalhará
no seu belo estilo aquilo que há de invulgar e extraordinário no Caso de que
falou. Tê-lo-ia conseguido ? Parece que não. Um dia Felix Leseur, medico ateu,
amigo íntimo do sábio Le Dantec, quis amortecer as crenças católicas de sua
esposa, a extraordinária mulher que foi Elisabeth Leseur, e por isso, entre os
livros cuja leitura lhe aconselhou, dois deles foram a “História das Origens do
Cristianismo” e a “Vida do Jesus”, do Renan. O resultado da sua leitura, porém,
foi contraproducente. Elisabeth, inteligente como era, não se deixou
fascinar pelo brilhantismo da forma literária desses livros e ficou surpreendida
pela pobreza do seu fundo. Lendo atentamente o artigo do nosso Colega,
vemos bem que as roupagens literárias com que o revestiu são aliciantes, mas,
afinal, não conseguiram o fim em vista.
Falta de talento,
falta de sinceridade, talvez nada disso ; simplesmente, dificuldade e grandeza
do assunto a demolir. E senão vejamos. Percorramos o artigo a fugir, notando
também uma ou outra inexactidão mais importante ; e da existência delas não haja
surpresa, porque dizem não haver bela sem senão. Essa mulher, pobre, porque
assim o quer, dos bens terrenos, mas rica dos bens celestes, embora emaciada,
ainda não esta assim reduzida a “uma quase expressão de dois olhos negros e
buliçosos”.
Nem oito nem oitenta,
Colega ; nem tem a coluna fracturada. Dizem (Dr. Roberto de Carvalho e outros)
ter uma mielite. Mas mais ou menos mielite, mais ou menos polinevrite, não é
isso que nos traz justificadamente apreensivos. Há, por aí, muitas mielites e
polinevrites e nada disso é fora do vulgar. Mas “o exemplo edificante de
resignação e paciência, o sorriso resignado” para os visitantes, e dizer-se
“conformada com o seu sofrimento e destino”, esses “dez, quinze, trinta anos sem
que a frescura do seu rosto murche ou a vivacidade do seu espírito
ensombrecesse, sempre com o seu sorriso alegre a alumiar-lhe o olhar calmo”,
toda essa resignação e calma que chegou “a criar na vizinhança um sentimento de
veneração, que transborda para as aldeias mais próximas” e afastadas, e para o
estrangeiro, tudo isso que o Colega regista, que significa e denuncia ? Qual a
causa de efeitos tão belos ? Que nevrose ou psiconevrose ou doença mental,
referidas na Neurologia e Psiquiatria, se coaduna com o estado orgânico,
psíquico e moral a que se está referindo no seu artigo ? Se queremos fazer
ciência, temos de explicar os efeitos por causas proporcionadas. Como se chama a
árvore que dá frutos tão belos ? Essas qualidades morais, evidentes na nossa
heroína, constantes e nunca desmentidas, serão vulgares ? Essa sua
heroicidade de virtudes não será caminho aberto para coisas superiores e
transcendentes? Os factos tão persistentes, tão coerentes, tão belos e radiosos,
sob o ponto de vista moral, e que aponta nessa doente deixam-nos perplexos, não
nos permitindo dar-lhes uma explicação natural. Mas o Colega continua o seu
fraseado belo, cujo resultado será aumentar o número de visitantes, que
provocarão as iras de gansos que grasnem no Capitólio, talvez devido ao medo de
Deus, sofrendo o médico assistente e a família da doente as respectivas
alfinetadas e consequências. E essa doente nada diz “que não fossem palavras de
conforto ou piedosas orações; nada de mezinhas misteriosas, sinais cabalísticos,
e só palavras de esperança a consolar almas desesperadas”. E a fama desta
doente, “que por muito se dar, muito se esquecia de si”, passou as fronteiras,
mostrando, talvez, que estamos todos alucinados, não é assim ? Que poderá a
Neurologia ou a Psiquiatria dizer sobre isto ?
Sempre além, deixando
as circunstâncias secundárias para o caso de que fala, e de que ninguém tem
culpa, para nos interessarmos do essencial, do importante caso: vieram os
médicos, e a doente foi internada numa Casa de Saúde, em que foi vigiada, de dia
e de noite, sucessivamente por três grupos de duas Senhoras, havendo o cuidado
de escolher algumas descrentes em Religião. Esteve internada durante 40
dias e, nesses dias, foi constatado que não bebeu uma gota de água nem houve a
menor excreção. Onde se registou um caso natural destes, Colega ? O seu peso
manteve-se constante, as suas tensões normais, o seu sangue, analisado à quarta
semana de internamento, era normal nos seus elementos constitutivos e de
desassimilação, a sua vida intelectual era sujeita a rigorosos interrogatórios e
finalmente foi dito que a Medicina não explicava este caso por modo natural.
Mais e a propósito: o
argumento único que convenceu a doente a deixar-se internar foi eu dizer-lhe que
a Autoridade eclesiástica assim o desejava. Tudo tem, já se vê, a sua
significação, o seu valor para o julgamento de Caso.
Enquanto ao jejum ou
abstinência dessa doente, o Colega está enganado, ao dizer que esse jejum se vê,
de quando em quando, anunciado nos Jornais. A abstinência alimentar dessa doente
data de 1942, é quase absoluta, porque só bebe, de longe a longe,
umas colherinhas de água simples, mas simples. Em 1942, fizemos várias
experiências, dando-lhe água açucarada ou com qualquer água mineral ou coisa
idêntica, mas tudo isso era logo vomitado. Desde então, nada tomou a não ser a
tal água simples.
Onde
se vêem esses jejuns, a não ser em Tereza Neumann, de Konnersreuth, ou no Padre
Pio, em Itália ? A Fisiologia e a Patologia ensinam-nos que o homem não pode
sobreviver a uma abstinência de sólidos e líquidos, prolongada por semanas.
Sabemos que o Lord Cork, recusando alimentar-se, em protesto contra a dominação
inglesa sobre a Irlanda, e tomando somente líquidos, durou dois meses e
meio. O bandido Granié, bebendo água e não querendo alimentar-se, durou
63 dias. Gandhi fazia os seus jejuns, mas tomava água e vitaminas, e
sabemos bem o que lhe acontecia em poucos meses de jejum. Os faquires fazem os
seus jejuns, que não são totais, e por pouco tempo. Os que sofrem de anorexia
mental não se privam da alimentação total, e todavia conhecemos bem o seu estado
psíquico, o seu emagrecimento e, se não arrepiam caminho, depressa caem no
túmulo.
Mas então não haverá
pessoas que vivam num jejum perpétuo ? Há sim. Essa doente de que
estamos falando, o Padre Pio na Itália e Tereza Neumann, a mística de
Konnersreuth. Pelo que nos dizem o Dr. Imbert Goubeyre e o Dr. Henri Bon, que
são autoridades destes assuntos, conhecemos vários místicos que viveram numa
inédia bem constatada e naturalmente inexplicável: Ângela Foligno, que viveu
dois anos, sem tomar qualquer alimento, S.ta Catarina de Sena, 8 anos, Isabel de
Reuth, 12 anos ; Catarina Emmerich, nos últimos 12 anos de vida, só tomava água
fresca simples e a Sagrada Comunhão; Nicolau von der Flue, passou 20 anos sem
comer nem beber, e apresentava-se sempre bem disposto e robusto; Dominica del
Paraiso, 20 anos; Santa Ludovina de Schiedman, 28 anos ; etc., etc.
O verdadeiro alimento
destes místicos era a Sagrada Comunhão. Autoridades Civis e Eclesiásticas
constaram, por vezes, essa abstinência de alimentos com o maior rigor. Quem não
sabe o que se tem passado com Tereza Neumann, no nosso tempo ? Quem explica,
naturalmente, a possibilidade e facto da rea1ização de tais inédias, de tais
abstinências alimentares ? Pelo contrário, que sabemos nós da parcial
abstinência alimentar dos anoréxicos mentais ? Sabemos que, apesar dos seus
metabolismos descerem muito, e das suas combustões internas serem reduzidas, e
de tomarem alguma quantidade de alimentos, o falecimento desses anoréxicos
mentais sobrevém, nos casos rebeldes ou sem tratamento, em poucos meses. E não
nos falem, nestes casos, em letargia própria dos animais hibernantes, pois
trata-se, por vezes, de pessoas de vida normal e até muito activa.
Não nos falem também em assimilação das radiações solares.
O dever da ciência é
“estudar os factos e indagar-lhes a causa, qualquer que ela possa ser”. Claro
que podemos tentar dar uma explicação desses jejuns, mas é preciso que ela seja
razoável. E diz o Dr. Henri Bon que “quando se trata de fenómenos comuns a duas
disciplinas intelectuais, ou a duas ciências, a conclusão definitiva não se
obtém sem que os dois métodos confiram juntamente os resultados. E nos fenómenos
médico-religiosos é à Teologia que pertence evidentemente a última palavra. Em
matéria religiosa, a leviandade é inadmissível”. Esses jejuns não querem dizer,
só por si, santidade. Num e noutro jejum, até poderá haver intervenção
diabólica. É certo que o que faz os Santos não são estes jejuns nem estas
abstinências alimentares. Mas, regra geral, estas absolutas abstinências
alimentares, prolongadas, são gritos clamorosos a anunciar-nos que há um Ente
Supremo e Providente, que nem tudo acaba com a morte, e que são do Céu as
Mensagens, que alguns desses abstinentes nos anunciam. Nessas inédias
sensacionais, aliadas a outros fenómenos místicos extraordinários, embora a
Medicina e a Psicologia devam ser ouvidas, a última e decisiva palavra pertence
à Mística, pertence à Igreja. O nosso caso um destes.
Como vê, Colega, não
poderá dizer-se que casos como este “não faltam por esse mundo fora” e não basta
“vê-los apenas pelo seu aspecto humano”, se os quisermos explicar.
Concluindo agora: a
princípio, comparei o estilo do Colega ao fraseado sedutor de Renan. Quero
terminar os meus dizeres, recordando o fim deste brilhante escritor francês, no
meio literário e científico em que por tempo pontificou. Nessa Academia
Francesa, o seu sucessor Challemel Lacour provou no seu discurso de recepção, em
que era costume fazer-se o elogio do antecessor, que a ciência de Renan não era
científica e que a filosofia deste filósofo não era séria.
É sabido que Renan
tinha recebido dum banqueiro judeu um milhão de francos para escrever as
blasfémias que escreveu contra a Divindade de Jesus. A Bossier, encarregado de
responder a Challemel (querendo atenuar o golpe dado em Renan), só foi possível
dizer que Renan era um “sonhador”.
No seu leito de
morte, às seis horas da manhã de 2 de Outubro do 1892, um domingo, Renan morria
a rezar, a dizer : “Tende compaixão do mim, meu Deus, tende compaixão de mim”.
Por fim, o Colega desculpar-me-á o dizer que o seu artigo, literariamente bem
escrito, é inofensivo contra o maravilhoso e extraordinário do caso de que fala.
Sendo os frutos bons, óptimos e raros, boa, óptima e rara devera ser a árvore
que os dá. Isto também é ver as coisas “pelo seu lado humano”.
Ribeirão, 31 de
Agosto de 1953.
Dias de Azevedo. »
A cura da esposa do Dr. Dias de
Azevedo
Na Figlia del
dolore, madre di amore, os Signorile introduzem assim o relato deste
episódio:
« Tenha-se
presente que Alexandrina, tendo ficado sem a ajuda espiritual do Padre Humberto,
tem como único apoio o Dr. Dias de Azevedo, que desde 1941 é amigo da família
bem como todos os seus ; vimos que um dos filhos teve Alexandrina como madrinha
de baptismo; além disso a filha Irene, doutora em medicina, passa muitas vezes
alguns dias hospedada em casa da Alexandrina, da qual escreve até alguns
ditados.
Em Dezembro de 1948 a
mulher do Dr. Dias de Azevedo adoece muito gravemente. »
Ouça-se agora a
Alexandrina :
« Entrou no meu
quarto o filho extremoso do meu médico a dar-me a notícia de que sua mãezinha se
encontrava às portas da morte. Não sei como fiquei !
Com a lâmpada e velas
acesas, todos os que estavam ajoelharam.
Ofereci a Nosso
Senhor o meu corpo e a minha alma como vítima da enferma; pus todo o Céu em
movimento.
Nos intervalos em que
me respondiam às orações, eu dizia (intimamente) a Nosso Senhor :
Deixai-a, deixai-a,
Jesus, para acabar de criar os seus filhinhos; provai-me agora o amor que me
tendes !
―
Sossega, minha filha, não morre, não morre; confia em mim, eu te afirmo, eu te
afirmo: não te nego o que me pedes ; confia no amor misericordioso do meu divino
Coração. Sou eu, Jesus, a afirmar-te, a prometer-te. Prova agora a tua
confiança. »
A Alexandrina entra
entretanto numa longa luta com o demónio que lhe afirma ser fruto da sua
imaginação a afirmação que ouviu de Jesus.
« Quando o demónio me
repetiu as suas mentiras ―
continua ― eu repetia com o
coração :
Sagrado Coração de
Jesus, eu tenho confiança em vós !
Enquanto possuía a
luz, parecia-me ter em mim duas vidas: o meu espírito estava mergulhado, muito
unido à dor e tristeza dos entes queridos da doente, e a alma entoava, ao mesmo
tempo, hinos jubilosos ao bom Jesus. Não sei como podia sofrer tanto e a alma
tão forte cantar ao mesmo tempo....
Era já noite (do
dia seguinte), muito de noite, e soube que realmente estava melhor. Não
sabia como agradecer a todo o Céu ! »
Morrerá somente em 21
de Fevereiro de 1986.
O crucifixo da Alexandrina
Veja-se agora
estoutra intervenção do Dr. Dias de Azevedo onde é notório o real ascendente que
sobre ela possuía. Estamos em Junho de 1950; conta a Alexandrina:
« Há cerca de uns 15
dias, durante a noite, um crucifixo que tenho pendurado no muro na parede ao
lado apareceu-me na cama ao pé de mim: fiquei maravilhada, mas foi coisa dum
momento, que depois esqueci; não disse nada sobre isso.
Desde há anos
costumava ter ao meu lado e sobretudo de noite entre os meus braços um
crucifixo. Tendo recebido um de presente (do Padre Pinho), fiz retirar o que
tinha e fiquei com o novo comigo.
Alguns meses depois,
dei-o eu e pedi para me devolverem o que tinha mandado retirar. Esqueceram-se de
mo dar e eu fiquei sem ele alguns dias, não por meu esquecimento, mas para não
importunar os meus.
Foi neste período que
apareceu ao meu lado o crucifixo que estava pendurado na parece.
Na noite de segunda
para terça, o crucifixo da parede reapareceu-me sobre o peito, entre os braços,
sob as mantas, como se fosse posto ali. Fiquei impressionada: parecia-me sonhar.
Falei disso com toda a naturalidade, mas sem fazer menção nos escritos. Fui
depois obrigada (pelo Dr. Dias de Azevedo) a descrever o acontecido e,
para maior tormento, a pedir a Jesus o significado. Fá-lo-ei com verdadeira
repugnância: é a minha cruz. Jesus me perdoe: eis a minha virtude: quanto estou
longe da perfeição !
* * *
― Ó Jesus, aceita o
meu sacrifício: queira-o ou não, devo obedecer e perguntar-Te o significado da
vinda da tua imagem crucificada sobre o meu peito.
Jesus sorriu
docemente…:
― Quero que me fales
sem temor e com toda a simplicidade… O motivo que Me levou a desprender-me do
muro e a vir a ti é muito simples: o crucifixo deve estar sempre unido à
crucificada. » (16/6/1950)
Repare-se na
autoridade que, na ausência dos directores espirituais, o Dr. Dias de Azevedo
assume.
Ele era certamente um
homem bom, mas também um homem desinibido, sem temores injustificados. Veja-se o
que segue, agora pela pena do próprio:
« Por vezes, via-a
(a Alexandrina) com dores quase insuportáveis; e, para que elas diminuíssem,
obrigava-a pedir a Deus ou à Virgem Santíssima a diminuição dessas dores, por
algum tempo, e, coisa curiosa, era sempre ouvida, embora muitas vezes ela
fizesse esses pedidos contrariada, pois dizia-me que era preciso haver quem
sofresse em reparação dos pecados do mundo. Sorrindo, respondia-lhe que dissesse
a Jesus que o corpo dela não era bigorna de ferreiro. »
Leia-se ainda este
extracto dum dos colóquios dos primeiros sábados, onde tantas vezes se fazem
exortações e elogios ao Dr. Dias de Azevedo :
« Diz, diz ao teu
médico que o tenho no meu Divino Coração, como jóia do mais elevado valor.
Diz-lhe que o amo
tanto, tanto que as cadeias do meu amor o prendem, dia a dia, mais e mais a mim.
Diz-lhe que o cadinho
da dor é para purificar a sua alma ; que é o cadinho que purifica o ouro das
suas virtudes.
Diz-lhe que tudo
quanto faço nele e no seu formoso jardim são provas de amor e predilecção, são
cuidados inauditos do Jardineiro divino.
Eu não quero, eu não
quero, atenção, que nenhuma das suas florinhas se perca, que nenhuma se manche.
Dá-lhe todo o meu
amor divino.
Diz-lhe que com ele
se fortaleça, para com ele, como sempre, cuidar e defender a Minha causa
divina. » (1/11/52)
Alexandrina ligada e estendida sobre
duras tábuas
Depois da passagem da
Alexandrina pelo Refúgio de Paralisia Infantil, a actuação do Dr. Dias de
Azevedo
assume
junto dela uma visibilidade menor, a não ser quando a tem de defender nos meios
de comunicação. Veja-se porém a intervenção seguinte:
Por fins de Setembro
de 1946 as articulações dos braços e das vértebras da Alexandrina
desconjuntaram-se. O Dr. Dias de Azevedo decide intervir: prepara dois ganchos
em forma de « s » alongado que segura à cabeceira da cama; enfaixa
apertadamente os braços de Alexandrina e prende-os sobre os ganchos de modo que
a suportem passando sob as axilas. Além disso, manda pôr duras tábuas sob o
colchão e enfaixa-lhe todo o corpo.
Alexandrina ficará
assim até à morte.
No diário de 4 de
Outubro de 1946, conta ela :
« Este dia de
aniversário (da primeira crucifixão, 3 Outubro de 1938), sem nisso
reflectir nem nada combinar, ficou também a ser a data em que o meu pobre corpo,
ligado, ficou sobre umas duras tábuas. Mas apesar disso fiquei sedenta de mais e
mais dor, mais e mais amor.
O meu caridoso médico
disse-me algumas palavras de conforto, depois de me preparar o meu duro leito.
Agradeci de alma e coração. Mas essas palavras passaram ao longe, pareceu-me não
serem dirigidas a mim. »
Este leito
torna-se-lhe um leito de espinhos, uma cruz. A partir desta data, ela não
aparece deitada na cama normalmente, mas um pouco erguida, entre deitada e
sentada.
No diário de 10 Julho
de 1949 dita :
« O meu corpo está
todo trespassado pelo leito de espinhos. Não é só o corpo ferido por eles, é
também a alma e todos os sentidos.
A roupa que visto e
cubro são como que chuva miudinha de espinhos penetrantes que se cingem a mim.
Prendem-me de tal forma que não posso ser movida para um lado ou outro sem
sentir como que se me rasgassem as carnes, desfizessem os ossos e todo o meu
espírito.
Sofre a alma, sofre o
corpo, tudo por Vós, meu Jesus.
A minha natureza
sente pavor, tenta revoltar-se contra tudo, contra todas as visitas. Se pode
haver coisa pior do que pavor, é o que eu sinto. »
Apêndice documental
Carta ao Sr. Arcebispo (2/8/44)
O Dr. Dias de Azevedo
escreveu muitas cartas respeitantes à Alexandrina ou mesmo a defendê-la. A que
se segue data de Agosto de 1944, quando o Padre Humberto viera já a Balasar, mas
ainda não assumira a direcção espiritual. Trata-se dum importante documento pela
clareza da argumentação usada na defesa da Alexandrina. Além disso, o original
encontra-se no arquivo de Balasar :
« Exmo. e Revmo.
Senhor Arcebispo Primaz
Recebi o amável
cartão de V. Exa. Rev.ma, acompanhado do parecer duma comissão e dumas
determinações, relativas ao caso, há muito falado, de Balasar. No fim de ler
tudo o que me era dito, senti o dever de dizer a V. Exa. Rev.ma, com o maior
respeito e com a maior franqueza, umas cinco palavras :
1.ª
Palavra: guardarei sempre em meu coração as palavras amáveis do cartão do Senhor
Arcebispo Primaz, agradecendo-lhas, muito penhorado ;
2.ª Palavra:
procurarei ter a maior prudência, ao ser provocado a falar ou escrever da
Alexandrina e sempre recordarei as determinações de V. Ex.cia Rev.ma, para lhes
ser obediente, na medida do possível, salva a liberdade para responder a
qualquer crítica referente ao caso, saída em qualquer jornal ou revista de
responsabilidade, pois não posso nem quero menosprezar o meu brio profissional ;
3.ª Palavra:
continuarei inabalável, até que a razão ou o bom-senso me aconselhem atitude
diferente, no mesmo posto de observação, prudência, investigação clínica e
admiração pela Alexandrina, verdadeira mártir, que o tempo e Deus plena e
brilhantemente justificarão ;
4.ª Palavra:
servindo-me da ideia do Prof. da Faculdade de Medicina do Porto, Senhor Dr.
Mazano, que, falando sobre este caso, e mostrando-se muito interessado por ele,
disse «não há explicação possível para já não comer há dois anos», eu continuo,
como médico, sem receio de ser confundido, a afirmar que este caso é
extraordinário, porque a Ciência diz que uma mulher de 39 anos, de vida
intelectual e afectiva intensas, de faculdades e sentidos normais, passando
alguns dias e noites sem dormir, e dormindo pouco durante o outro tempo,
conservando invariavelmente ou com pequena variação o mesmo peso, conservando
ainda o sangue normal nos seus elementos constitutivos ou de desassimilação,
vivendo não somente quarenta dias completos e consecutivos (sob vigilância, de
dia e de noite, feita por algumas pessoas descrentes), mas dois anos e três
meses, aquele primeiro período em abstinência absoluta de alimentos sólidos e
líquidos, incluindo a simples água, e o outro período em abstinência absoluta de
substâncias alimentares, simplesmente bebendo, um ou outro dia, por imposição
médica, uma ou outra colherinha de água simples, com o fim de diminuir a secura
que em sua boca por vezes sente, constitui um facto verdadeiramente
extraordinário, não sendo preciso, para esta classificação, que os médicos
tenham de pedir licença aos filósofos ou teólogos para digna e justamente a
fazerem. A quem me disser que há um parecer de filósofos e teólogos que,
invadindo campo defeso, significa não ser extraordinário este facto (que
maravilhou um especialista de Neurologia não crente em vários dogmas católicos,
a ponto de anunciar que devemos ficar «suspensos, aguardando que uma explicação
clara faça a necessária luz», pois a observação da Alexandrina tinha podido «ser
segura, firme, incontestável, só deixando dúvidas aos que têm o hábito de
duvidar … de si próprios»), eu responderei que quem tiver lido a História e a
biografia de algumas criaturas extraordinárias sabe bem o valor dos pareceres de
uma ou outra comissão. A Igreja só quer a verdade e eu amo uma e outra.
5.ª Palavra: a
Comissão, lendo isto, há-de julgar que esta prosa é um pouco enfadonha e
estranha a amantes da filosofia e teologia, e eu, para a suavizar, peço licença
para citar as palavras do Padre Louis Capalle, S.J., em « Les âmes généreuses »,
pág. 165 e seg. :
“La vérité théologique et
expérimentale est que Dieu n’a pas donné aux âmes une résistance illimitée,
et qu’Il a laissé aux directeurs ou supérieurs imprudents la puissance
redoutable d’entraver ou même de ruiner l’œuvre magnifique qu’Il se
proposait d’accomplir. Nier cette vérité ou même chercher à
l’atténuer par sophismes spécieux, serait atteindre par le fait même la
notion de responsabilité, fondement essentiel de toute morale.”
E, depois de mais
frases muito interessantes, diz ainda :
“Malheureusement,
après une réponse évident, on en veut souvent une plus évident encore ; et
ainsi on oublie que Dieu, souverainement indépendant, ne se plie pas
toujours aux exigences de ses créatures. Il donne assez de lumières pour que
l’on puisse raisonnablement conclure à son intervention, et Il laisse assez
de ténèbres pour que l’on ait le mérite d’une humble soumission.”
Todas estas frases
podem resumir-se em poucas: as determinações de V. Ex.cia, no geral, são justas,
embora o tempo não venha a justificar algumas palavras como «pretensos», e o
parecer da Comissão, enquanto ao facto, é exorbitante, negando-lhe a qualidade
de extraordinário e dando lugar até a juízos temerários, o que não fica bem a
filósofos e muito menos a teólogos. Termino esta, fazendo votos pela preciosa
vida de V. Ex.cia Rev.ma e pedindo que esta carta seja anexa ao supra mencionado
parecer da referida Comissão (ou ao relatório do médicos) que se pronunciou
sobre a grande mártir que é a Alexandrina de Balasar, a quem o Mons. Vilar
chamava sua “protectora”, a sua “colaboradora providencial”, a sua “cooperadora
mais fiel que Jesus lhe deu”. E esse valia uma Comissão.
Beijo as mãos
sagradas de V. Ex.cia Rev.ma.
Manuel Augusto Dias
de Azevedo
Ribeirão, 2 de Agosto
de 1944. »
Um discurso
Em 1956, houve em
Balasar uma singela homenagem à Alexandrina: descerrou-se no Centro Paroquial o
seu retrato. Na ocasião, o Dr. Dias de Azevedo proferiu um discurso. O Padre
Leopoldino publicou-o no « Ala-Arriba » de 7/4/56, donde se transcreve:
« Neste acto de
gratidão e homenagem àquela que com carinho chamávamos a Doentinha de Balasar,
sinto o dever de dizer algumas palavras de saudade, de parabéns e de
agradecimento.
Palavras de saudade,
porque a verdade é que, com o decorrer do tempo, parece ir-se avivando, cada vez
mais, a tristeza pela falta da nossa querida Alexandrina, pois já não ouvimos a
sua voz angélica a aconselhar-nos nas nossas dúvidas, a animar-nos no
cumprimento do dever, amando mais e mais a Deus e ao próximo, numa palavra, a
termos uma vida mais digna e cristã. E esta saudade de Alexandrina só nos pode
ser suavizada por sabermos que os sofrimentos de vítima de nossos pecados e de
pecados do mundo, nos últimos tempos, já não podiam ser maiores e hoje gozará,
por prémio das suas virtudes heróicas, a maior felicidade, aquilo que S. Paulo,
num êxtase sublime e inegável, viu e depois definiu como sendo « o que os olhos
humanos nunca viram, os ouvidos nunca ouviram, nem o coração do homem imagina o
que Deus tem preparado para aqueles que o amam ».
Palavras de parabéns.
Sim, mereceis esses parabéns pelos vossos sentimentos e actos, desde o
falecimento da Alexandrina e pelo descerramento do retrato daquela que tanto
alindou a vossa igreja. Logo após o falecimento dela, vós mostrastes a vossa dor
e a vossa esperança.
Dor pela falta dessa
figura extraordinária, a maior glória de Balasar, em todos os tempos, glória que
o futuro dirá ser de Portugal e do mundo inteiro.
Vós não sabeis, nós
não sabemos, o que Deus criou e acumulou de graças no lugar do Calvário desta
freguesia, mas, depois de volvido algum tempo (sem eu querer antecipar qualquer
decisão definitiva da Igreja), dir-se-á que foi uma alma mística extraordinária,
uma vítima propiciatória, daquelas a quem se referia Jesus falando a uma
religiosa nos seguintes termos :
“O Pai celeste
olha-as com especial agrado. São o encanto dos Anjos e dos homens. São muito
poucas. Destinam-se a servir de defesa diante da justiça do Pai Celeste e a
obter misericórdia para o mundo.”
Mostrastes, senhoras
e senhores, a vossa esperança, porque se o funeral da Alexandrina foi uma
autêntica glorificação da sua vida heróica e santa, quereríeis significar com
isso que tínheis a certeza da sua valiosa intercessão por vós lá no Céu.
Sim, aquele sorriso
angélico da Alexandrina nos está dizendo que contemos com ela e que não
desanimemos nas tribulações da nossa vida. Já dizia o nosso maior poeta que o
“caminho da virtude” era “alto e fragoso, / mas no fim, doce alegre e deleitoso”
(Os Lusíadas, canto IX, est. 90). Para o Céu só há um
caminho, o do dever, o do arrependimento, o das tribulações e cruzes, e a vida e
o sorriso de Alexandrina nos estimulam a segui-lo e a abraçá-lo.
Estejamos certos
desta intercessão a nosso favor, perante Deus, a quem tanto adorava, e perante a
Virgem Imaculada, a quem tão ardentemente amava.
Palavras de
agradecimento para vós e para o vosso pároco. O Sr. abade, durante a vida da
Alexandrina, foi incansável em dar-lhe diariamente o que ela desejava, o seu
querido Jesus (seu único alimento durante treze anos e meio) e, desde o seu
falecimento, tem sido incansável em manifestar, por belos artigos na Imprensa e
por conversas, as virtudes dessa alma heróica e angelical, que foi a nossa
querida e abençoada Doentinha. Deus lhe dê muitos anos de saúde e vida para
continuar a dar-nos luz, a fim de que se saiba onde está a verdade e onde está a
mentira, para continuar a fazer justiça, porque é um acto de justiça dizer ao
mundo quem foi a Alexandrina.
E vós todos, que dum
ou doutro modo respeitais e acarinhais a memória da Alexandrina, ficai certos de
que ela no Céu não vos esquecerá e, grata como sempre foi, nada vos ficará a
dever. Pedi nas vossas dores e alegrias a sua intercessão e, do bom resultado
dela, por dever e gratidão, continuai a dar conta ao senhor abade, a quem a
autoridade eclesiástica confiou o registo das graças recebidas. »
No final do seu livro
Alexandrina o Padre Humberto alude ao episódio do descerramento do retrato ; é
na página 366 da 6ª edição. Vale a pena ler o que então escreve :
« A seis meses da sua
morte, durante uma solene manifestação, a figura de Alexandrina sorri a todos no
grande quadro que foi inaugurado no salão paroquial de Balasar, como um sinal de
estima e gratidão por quanto ela havia feito em vida pela terra natal. »
Segundo o Sr. Padre
Francisca, o retrato de que aqui se faz menção será o que se pode ver, muito
envelhecido, sobre a cama, na casa que foi da Alexandrina.
Mais Cartas
De muitas das cartas
que escreveu deixou o Dr. Dias de Azevedo uns rascunhos num caderno de
apontamentos existente em Balasar. Registam-se aí :
17 enviadas ao Sr.
Arcebispo
4 “ ao
Vigário-Geral da Arquidiocese de Braga
5 “ ao
Sr. Cardeal Patriarca
5 “ ao
Provincial dos Jesuítas, Padre Júlio Marinho
1 “ ao
Padre Pinho
1 “ ao
Cónego Molho de Faria
Vamos reunir aqui
algumas.
A Sua Santidade o Papa Pio XII
« Santíssimo
Padre
Com o maior respeito
e veneração, venho aos pés de Vossa Santidade entregar um traslado do que enviei
ao Senhor
Arcebispo Primaz de Braga a respeito duma doentinha da freguesia de Balasar,
concelho da Póvoa de Varzim, Arquidiocese de Braga, e que se chama Alexandrina
Maria da Costa, solteira, de 41 anos de idade, paralítica há 22 anos, devido a
uma mielite lombar originada por, aos 14 anos, saltar duma janela, de 4 metros
de altura, para fugir a quem queria lançar-lhe as mãos para a violentar. Aos 20
anos, acamou e, desde então, renovando uma e muitas vezes o seu oferecimento
feito a Jesus desde criança, como vítima, os seus sofrimentos vêm aumentando,
fora das leis da patologia, suportando-os com a maior resignação e heroicidade,
tendo sempre a mais completa caridade com o próximo e o mais evidente amor a
Deus. Aos 33 anos completos, desde Outubro de 1938 a 27 e Março de 1942, às
sextas-feiras, das 12 às 15 horas, em êxtase contínuo e alheia a qualquer
sofrimento ou tortura provocada, sofreu os tormentos da Paixão de Jesus, segundo
os desígnios de Deus, terminando esses sofrimentos extraordinários às 3 da tarde
por um êxtase em que, em voz alta, pronunciava as palavras dos colóquios que
tinha, ou melhor dizendo, lhe era dado ter com o seu e nosso Rei e Senhor.
Já fora dos êxtases,
para verificar a fidelidade da cópia das palavras empregadas nesses colóquios, a
doentinha procedia, posto que com sacrifício, todas as vezes que disso houvesse
necessidade, à correcção dessas palavras, cujo significado por vezes ignorava.
Desde 27 de Março de 1942 até hoje, nunca mais se alimentou, vivendo somente da
Sagrada Eucaristia. Para se verificar com rigor essa abstinência total de
alimentos, foi internada numa Casa de Saúde e entregue ao estudo dum Psiquiatra,
que, com o auxílio de 6 pessoas, a vigiaram, de dia e de noite, durante 40 dias,
e revezando-se aos grupos de duas, verificando-se que nada comeu, nada bebeu e
nada excretou, havendo anúria absoluta, conservando o seu sangue normal nos seus
elementos constitutivos, como se verificou pelas análises que lhe foram feitas e
estando as suas faculdades mentais lucidíssimas e na mais absoluta normalidade,
apesar de ser, diariamente, sujeita a interrogatórios demorados e extenuantes e
de serem sempre reduzidíssimas as horas do seu sono nocturno.
Sou médico assistente
dessa doentinha desde Janeiro de 1941 até hoje e nunca lhe notei nada digno de
censura, mas sempre a maior ansiedade em cumprir com a maior perfeição a vontade
de Deus, dando-lhe a maior honra e glória e procurando por todos os meios a
salvação das almas. De tudo isto tenho dado informação ao meu querido Prelado.
Parece ter chegado o momento de renovar essas informações ao Senhor Arcebispo
Primaz e sobretudo à Maior Autoridade da Igreja, e por isso não quero deixar de
cumprir esse meu dever.
Beijando com o maior
respeito o pé do Santíssimo Padre Pio XII, sou de Vossa Santidade o servo mais
humilde e inútil.
Manuel Augusto Dias
de Azevedo
6 de Agosto de 1946,
dia da Festa da Transfiguração de Nosso Senhor Jesus Cristo. »
Ao D. Abade de Singeverga
« Ex.mo
e Rev.mo Senhor D. Abade, Singeverga
Por dever de
consciência e para informação, venho declarar a V. Ex.cia que, no
pressentimento, pela conversa havida entre nós, em Singeverga, do dia 2 do mês
corrente, de que os Srs. Drs. Luís Filipe e Gregório quereriam que a Alexandrina
Maria da Costa, de Balasar, fosse transportada para uma Casa de Saúde do Porto,
para o respectivo estudo clínico, e desejando a minha opinião da possibilidade
dessa deslocação, sem perigo de maior para a doente (que, segundo me disse, está
pronta a obedecer, ainda que morresse na viagem), para me isentar de
responsabilidades, fui convidar o Sr. Dr. Carlos Lima e o Sr. Dr. Gomes de
Araújo para, se fosse necessário, numa conferência, na casa da doente, com os
supra mencionados médicos, ser resolvido se seria ou não possível essa
deslocação da doente. Responderam-me esses dois médicos que aceitariam com o
maior gosto esse meu convite de assistir a essa conferência, declarando-me,
principalmente o Sr. Dr. Gomes de Araújo, que também estavam prontos a fazer
mais declarações, referentes à doente, e a completar o relatório que fora
julgado há anos incompleto pelos teólogos, pedindo também o Sr. Dr. Gomes de
Araújo o favor de, sendo possível, estarem presentes os teólogos, a fim de lhes
serem dados os esclarecimentos que julgassem necessários. V. Ex.cia julgará o
que muito bem entender, parecendo-me que deveriam ser rejeitados (?) todos esses
esclarecimentos oferecidos, dados por quem já conhece a doente e atinentes à
investigação da verdade, que queremos obter. Saudando V. Ex.cia Rev.ma, sou, com
a máxima consideração e estima, o atento, venerador e muito obrigado
Manuel Augusto Dias
de Azevedo
Ribeirão, 9 de Agosto
de 1953. »
Ao Cónego Molho de Faria
« Há
dias escrevi uma longa carta ao Senhor Arcebispo Primaz para lhe dizer que o
Caso de Balasar devia ser estudado de novo, porque o estudo feito pela
autoridade eclesiástica ficara incompleto.
As palavras talvez
não fossem exactamente estas, mas foi este o sentido da minha carta.
É natural que o
Senhor Arcebispo me tenha julgado ousado, mas a minha consciência ficou um pouco
mais tranquila com esta carta porque ela foi feita pela minha consciência e dela
tenho de dar contas a Deus. Fiquei um pouco mais tranquilo e não me preocupa
muito a impressão que ela tenha causado.
Sinto-me também
obrigado a escrever a V. Ex.ma e, por isso, faço-o pedindo desculpa pelo tempo
que o faço perder.
O
Caso da Alexandrina, sob o ponto de vista médico, é inexplicável pela Ciência:
está longe de ser um caso de anorexia mental. Uma doente de anorexia mental
começa logo a perder peso e o da Alexandrina é estacionário.
As faculdades mentais
e o aspecto duma doente de anorexia mental impressionam qualquer pessoa no
sentido de a classificar imediatamente como diminuída mental ou uma anormal; as
faculdades de Alexandrina pelo contrário, são admiráveis pela lucidez, pelo
equilíbrio e calma sob todos os pontos de vista.
Uma doente de
anorexia mental perde logo as suas menstruações e a da Alexandrina, desde que
vive em abstinência total de alimentos (e isto já dura há quatro anos), é normal
nas suas menstruações, predominando a abundância da perda de sangue.
Por isso, este caso,
sob o ponto de vista médico, é verdadeiramente extraordinário, mostrando uma
excepção às leis da Bioquímica. Isto é um autêntico milagre.
Sob o ponto de vista
místico, este caso devia ser estudado in loco. O senhor Cónego Molho de Faria
não perderia o seu tempo se voltasse a fazer o estudo desde o princípio. Ficaria
maravilhado se fizesse o estudo completo e seria honra para V. Exma. Fazer esse
estudo; e se não o fizer, há-de sentir remorsos e muita tristeza, deixando esta
caso como foi estudado.
Exmo. Senhor: é hora
de acertar passo no que se refere à Alexandrina. É a actividade apostólica e a
inteligência de V. Excia. Que o reclama, assim como o bem da Igreja e o nome do
Senhor Cónego de Faria.
V. Excia. assumiu uma
responsabilidade tremenda nesta caso, que traz com ele a missão especialíssima
na Igreja e esta missão está a ser perseguida e posta em confusão, porque a
persegue e faz confusão. Se este caso é extraordinário, como muitos pensam, e se
são autênticas as revelações de Nosso Senhor, a comissão que o estudou tão
precipitadamente pode ficar certa de que, se não mudar o caminho, virá a sofrer
castigos e a sentir desgostos que nunca desaparecerão neste mundo.
A causa é de Deus e
nela contém uma missão especialíssima e por isso julgo que a Autoridade
Eclesiástica deve ser prudentíssima e não pode dispensar-se um estudo completo e
feito com cuidado.
O nome de V. Excia.,
e com estas palavras termino esta carta, ficará ligado a este caso ou com muita
glória ou com muita sombra.
Pelo seu passado, o
nome de V. Excia. é bem digno de ser louvado e não de ser castigado pela justiça
implacável da opinião pública futura. Seja V. Excia. juiz do seu nome futuro,
porque continua a ser palavra que pode salvar ou perder.
Faço calorosos votos
para que esta última palavra do Senhor Cónego Molho de Faria seja gloriosa para
o seu nome e de justiça devida à mártir do Calvário de Balasar, que virá a ser
reconhecida e proclamada como uma das mais belas almas que o Senhor criou para
glória de Deus e salvação dos pecadores.
Sou de V. Excia. o
respeitoso e obrigadíssimo
Manuel Augusto Dias
de Azevedo. »
Bibliografia
Alexandrina
Maria da Costa, a Doentinha de Balasar, Boletim
Mensal, passim
AZEVEDO, Manuel
Augusto da Costa, «Alexandrina de Balazar e o seu melhor cicerone leigo, o
Dr. Dias de Azevedo» in Diário do Minho de 18/02/04
COSTA,
Alexandrina Maria da, Figlia del dolore, madre di amore. Quasi una
autobiografia, Mimep-Docete, Pessano (MI), 1993
COSTA,
Alexandrina Maria, Autobiografia (dactilografada)
SILVA, Jorge M.
M. B. da, Vida e obra do Dr. Manuel Augusto Dias de Azevedo, trabalho
policopiado
Documentos
autógrafos do Arquivo da Alexandrina
Artigos do Dr.
Dias de Azevedo publicados em jornais
Testemunho do Dr.
Dias de Azevedo no Processo Diocesano
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