São
Domingos de Gusmão nasceu em Caleruega, em Castela, a Velha
(Espanha), em 24 de junho de 1170. Seus pais, de ilustre nascimento,
foram Félix de Gusmão e Joana de Aza, que deram origem a uma família
de santos. Além de Domingos,
os dois outros filhos do casal morreram
em odor de santidade. O primeiro foi António de Gusmão, sacerdote
que, distribuindo todos seus bens aos pobres, retirou-se a um
hospital para servir Nosso Senhor Jesus Cristo em seus membros
sofredores. Manes, o segundo, entrou depois para a Ordem dominicana,
tornando-se grande pregador e exemplar religioso. Foi beatificado,
juntamente com sua mãe, por Gregório XVI.
Não
admira que, numa tal família, o menino Domingos se sentisse atraído
para a virtude desde o berço. Conta a tradição que, antes de ele
nascer, sua mãe fez uma novena no santuário de São Domingos de
Silos, e que no sétimo dia, o santo abade apareceu-lhe rodeado de
glória, para anunciar-lhe que o filho que trazia no ventre seria a
luz do mundo e a consolação de toda a Igreja. Pouco depois ela viu
em sonhos que dava à luz um pequeno que tinha uma tocha na boca e
com ela começou a incendiar o mundo.
Maturidade precoce,
exemplo de virtude
Diz-se
que o pequeno Domingos, tão sério e maduro, era já dotado da
sabedoria dos anciãos. Ele foi sempre modesto, recolhido, humilde,
devoto, temperante e obediente.
Aos
sete anos foi aprender as primeiras letras com seu tio, arcipreste
em Gumiel d’Yzan, e aos catorze ingressou na universidade de
Castela, em Palência. Durante 10 anos brilhou nos bancos escolares e
deu exemplo de virtude.
“As
verdades que compreendia graças à facilidade de seu espírito — diz
seu primeiro biógrafo — regava-as com o orvalho dos afectos
piedosos, a fim de que germinassem os frutos da salvação. Sua
memória se enchia, como um silo, da abundância das riquezas divinas,
e suas acções exprimiam no exterior o tesouro sagrado que enchia seu
peito”.(1)
Os
pobres, órfãos e viúvas encontravam nele um amparo e auxílio. Os
sacerdotes que tinham dificuldades sobre a teologia, casos de
consciência ou dúvida sobre pontos da Escritura acorriam às suas
luzes. Nessa época ele dava lições públicas de Sagrada Escritura na
Universidade de Palência.
Dedicação heróica à
salvação das almas
O bispo
de Osma, tendo conseguido reformar sua diocese, induziu os cónegos
da catedral a viverem em comunidade, observando a regra de Santo
Agostinho. Obteve que Domingos fosse para aquela cidade e vestisse o
hábito de cónego regular. Pouco depois ele foi nomeado vice-prior
dos cónegos, que era o mais alto posto, visto que o de prior o bispo
acumulava com seu cargo episcopal. Domingos passou nove anos numa
vida de contemplação e de união com Deus como cónego regular,
dificilmente ultrapassando os limites da casa canonical.
Entretanto, ele estremecia ao saber que tantos se perdiam por falta
de pregadores e implorava a Nosso Senhor Jesus Cristo que lhe
proporcionasse um meio de consagrar-se por inteiro à salvação das
almas.
Eis que
ele é ouvido inopinadamente. “Tinha já trinta e três anos. Sua
formação física, intelectual e moral estava terminada. Sem dar-se
conta, Deus tinha ido temperando sua natureza heróica com um carácter
essencialmente combativo. Tem uma ampla educação eclesiástica e
universitária; a cátedra deu solidez a seus conhecimentos; a vida
regular do cabido o iniciou nas vias da perfeição religiosa, e seu
cargo à frente dos cónegos abriu-lhe as perspectivas da
administração temporal e do regime das almas”.(2) Estava ele
pronto para a grande odisseia espiritual de sua vida.
Heresia albigense
incentivou seu zelo apostólico
No ano
1203 o Rei de Castela, Afonso VIII, pediu ao novo bispo de Osma, D.
Diego de Acevedo, que fosse à corte da Dinamarca para negociar o
casamento de um dos filhos do rei com uma princesa daquela terra,
cuja formosura tinha sido celebrada na corte pelos trovadores. Com
ele iria Domingos de Gusmão.
Era um
longo caminho. Tinham que atravessar os Pireneus e entrar no sul da
França. Passaram por Toulouse, que era a capital dos hereges
cátaros, uma seita maniqueísta que estava fazendo muitos prosélitos,
inclusive atraindo os condes de Toulouse.
A vista
dessa região devastada pela heresia impressionou sensivelmente os
dois viajantes. Como diz um dos biógrafos de Domingos, ele sentia o
cheiro dos inimigos da Fé, como Santa Catarina de Sena sentia o dos
pecadores. Foi aí que Domingos deu-se conta da necessidade de uma
congregação de pregadores apostólicos para se opor às heresias.
Continuaram sua viagem, mas foi esta do ponto de vista humano
infrutífera, pois a princesa de quem iam pedir a mão falecera pouco
antes. Os dois apóstolos ouviram falar então de umas tribos
selvagens na Alemanha, que até então ninguém tinha conseguido
evangelizar. Tomaram a resolução de ir a Roma pedir ao Sumo
Pontífice permissão para ir evangelizar aqueles povos, o que incluía
a resignação de D. Acevedo ao episcopado.
Mas
Inocêncio III, que conhecia os méritos do bispo, e que julgava muito
mais importante para a Igreja, no momento, combater a seita dos
cátaros, não aceitou a resignação e apenas permitiu ao bispo que
dedicasse dois anos à conversão dos cátaros antes de voltar à sua
diocese.
Juntaram-se eles a alguns monges de Cister, que já estavam pregando
entre os hereges, e se entregaram à difícil tarefa de reconduzir a
Deus almas extraviadas pela perniciosa heresia.
Durante a pregação,
estupendos milagres
Muitos
milagres marcaram a evangelização de São Domingos de Gusmão entre os
cátaros. Um dos mais famosos ocorreu em Fangeux, na diocese de
Carcassona. Os líderes cátaros apareceram em grande número, trazendo
o livro que continha todas suas heresias. São Domingos levava um
caderno no qual havia refutado a maioria desses erros. Como não
chegavam a nenhum acordo, decidiram apelar para a prova do fogo. O
escrito que permanecesse incólume numa fogueira seria o verdadeiro.
Fizeram uma grande fogueira e nela jogaram o livro dos cátaros.
Pouco depois estava este reduzido a cinzas. Lançaram então ao fogo o
escrito de Domingos. Este voou ao ar sem se queimar e foi pousar
numa viga do teto, onde deixou uma marca de fogo. Por três vezes os
hereges repetiram o ato, com o mesmo resultado. Mas nem mesmo esse
milagre converteu aqueles corações empedernidos.
Santo Rosário:
antídoto eficaz contra a heresia
Em
1207, em Prouille, São Domingos preocupou-se com a sorte de várias
donzelas que seus pais não podiam sustentar, por causa da carestia
que assolava a região, e reuniu-as no primeiro mosteiro dominicano
da Ordem Segunda, a das monjas. Narram alguns dos biógrafos do Santo
que foi na capela desse convento que Nossa Senhora apareceu a São
Domingos e lhe disse que, “como a saudação angélica tinha sido o
princípio da redenção do mundo, era necessário também que essa
saudação fosse o princípio da conversão dos hereges; que assim,
pregando o Rosário que contém cento e cinquenta Ave Marias, ele
veria um sucesso maravilhoso em seus trabalhos e os mais
empedernidos sectários se converterem aos milhares”.(3)
A
santidade de Domingos, seu rigoroso ascetismo, seu zelo inflamado,
sua inalterável doçura, sua convincente eloquência, começaram a
produzir frutos esplêndidos. Muitas conversões se operaram, e em
torno dele foi se juntando um grupo de jovens para receber sua
direcção e imitar seu exemplo. Esse foi o núcleo inicial do que
seria depois a Ordem dos Predicadores ou Dominicanos.
Ordem dominicana:
pregadores-cavaleiros de Cristo
São
Domingos tinha 45 anos, em 1215, quando reuniu os seis primeiros
discípulos em uma casa de Toulouse e lhes deu o hábito branco com a
capa e capuz de lã negra dos cónegos regulares de Osma, que ele
continuava vestindo. Entre estes seis primeiros estava seu irmão, o
Beato Manes. Deviam formar eles um corpo de homens sábios, pobres e
austeros, sendo que a ciência e a piedade deveriam ser os traços
essenciais desses cavaleiros de Cristo. O trabalho manual ficava
suprimido, o estudo prolongado, a oração litúrgica diminuída e os
exercícios de penitência subordinados às exigências da pregação. São
Domingos queria que seus discípulos fundassem casas nas principais
cidades universitárias da Europa, a fim de atrair a juventude
académica para suas fileiras.
Inocêncio III concedeu sua primeira aprovação à Ordem nascente em
1215 e propôs no Concílio de Latrão, a todas as igrejas, aquele
programa de renovação cristã e vida apostólica. Seu sucessor,
Honório III, foi um protector e amigo de Domingos e seus discípulos.
Encontro de dois
santos exponenciais
Numa
das viagens de Domingos a Roma, encontrou-se por acaso com Francisco
de Assis, que para lá tinha ido a fim de obter a aprovação de sua
obra. Sem se conhecerem anteriormente, eles dirigiram-se um ao outro
e abraçaram-se, enquanto dizia Domingos: “Somos companheiros e
criados de um mesmo Senhor; os mesmos negócios tratamos; os mesmos
são nossos intentos; caminhemos como se fôssemos um só, e não haverá
força infernal que nos desbarate”.
São
Domingos de Gusmão faleceu aos 51 anos de idade, em 1221, e foi
canonizado por Gregório IX em 1234.
Plínio
Solimeo
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Notas:
1– Fr. Justo Perez de Urbel, O.S.B., Año Cristiano, Ediciones Fax, Madrid,
1945, vol. III,
p. 281.
2– Id. p. 284.
3– Les Petits Bollandistes, Vies des Saints, d’après le Père Giry,
Paris, Bloud et Barral, Libraires-Éditeurs, 1882, tomo IX, p. 283.
Outras
obras consultadas:
John B.
O'Conner, The Catholic Encyclopedia, Volume V, Copyright ©
1909 by Robert Appleton Company, Online Edition, Copyright © 2003 by
Kevin Knight.
Edelvives, El Santo de Cada Dia, Editorial Luis Vives, S.A.,
Saragoça, 1945, vol. IV. |