Cristo manifesta-Se
com as suas chagas após a ressurreição
Se é
pueril acreditar ao acaso e sem motivo, também é muito insensato
querer examinar e inquirir tudo
demasiadamente. E esta foi a
sem-razão de Tomé. Perante a afirmação dos Apóstolos: Vimos o
Senhor, recusa-se a acreditar: não porque descresse deles, mas
porque julgava impossível o que afirmavam, isto é, a ressurreição de
entre os mortos. Não disse: «Duvido do vosso testemunho», mas: Se
não meter a minha mão no seu lado, não acreditarei.
Jesus aparece segunda vez e não espera que Tomé O interrogue, ou Lhe
fale como aos discípulos. O Mestre antecipa-se aos seus desejos,
fazendo-lhe compreender que estava presente quando falou daquele
modo aos companheiros. Na censura que lhe faz serve-Se das mesmas
palavras e ensina como deverá proceder para o futuro. Depois de
dizer: Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; mete a tua mão no
meu lado, acrescenta: Não sejas incrédulo, mas crente. Tomé duvidou
por falta de fé. Ainda não tinham recebido o Espírito Santo. Mas
isso não voltaria a acontecer; a partir de então manter-se-iam
firmes na fé. Cristo, porém, não Se ficou nesta admoestação e
insistiu novamente. Tendo o discípulo caído em si e exclamado: Meu
Senhor e meu Deus, disse-lhe Jesus: Porque Me viste, acreditaste.
Felizes os que, sem terem visto, acreditaram.
É
próprio da fé crer no que não se vê. A fé é o firme fundamento das
coisas que se esperam e a prova das que não se vêem. Com efeito, o
divino Mestre chama felizes, não só os discípulos, mas também todos
aqueles que no decurso dos tempos acreditarão n’Ele. Dirás talvez:
Mas na verdade, os discípulos viram e creram. É certo; no entanto,
não precisaram de ver para acreditarem. Sem quaisquer exigências,
bastou-lhes ver o sudário para logo aceitarem o acto da ressurreição
e acreditarem plenamente, antes mesmo de verem o corpo glorioso de
Jesus. Portanto, se alguém disser: «Quem dera ter vivido no tempo de
Jesus e contemplado os seus milagres», recorde as palavras: Felizes
os que, sem terem visto, acreditaram.
E
aqui surge uma pergunta: Como pôde o corpo incorruptível conservar
as cicatrizes dos cravos e ser tocado por mão mortal? Não é caso
para espanto, pois se trata de pura condescendência da parte de
Cristo. O seu corpo era tão puro, subtil e livre de qualquer
matéria, que podia entrar numa casa com as portas fechadas. Quis,
porém, manifestar-Se deste modo, para que acreditassem na
ressurreição e soubessem que era Ele mesmo que fora crucificado, e
não outro, quem tinha ressuscitado. Por este motivo conserva, na
ressurreição, os estigmas da cruz, e come na presença dos Apóstolos,
circunstância esta que eles especialmente recordariam: Nós que
comemos e bebemos com Ele. Quer dizer: Antes da paixão, ao vermos
Jesus caminhando sobre as ondas, não considerávamos o seu corpo de
natureza diferente da nossa; também agora, ao vê-l’O com as
cicatrizes, após a ressurreição, devemos crer na sua
incorruptibilidade.
Das
Homilias de São João Crisóstomo, bispo ; sobre o Evangelho de São
João;
(Hom. 87, 1: PG 59, 473-474) (Sec. IV) |