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ALEXANDRINA MARIA DA COSTA
 

CARTAS AO PADRE MARIANO PINHO
1937

 

Balasar, 4-2-937

      Viva Jesus

      Talvez tenha estranhado o meu silêncio e com razão. Mas, a causa é simplesmente esta: como me custa muito a falar e muito mais ainda a ditar quaisquer palavras, como não havia nada de urgente, descansei um pouco. Não foi por me esquecer, porque muitas vezes me lembrei de lhe escrever.

      Nosso Senhor continua a ter-me no mesmo estado de alma, em profundo silêncio comigo. Meu Jesus, ó meu Jesus, como custa viver assim. Não é preciso explicar-me mais, pois o meu paizinho já sabe tudo.

      Só raramente e por poucos instantes, eu sinto algum fervor. Dum momento para o outro, vem como que um ladrão roubar-me tudo. É a cruz que Nosso Senhor me envia: bem-vinda ela seja. Não sei como amá-la mais. Não sei como testemunhar melhor o meu amor a Nosso Senhor. Por mais dura que seja a prova por que o meu bom Jesus me faça passar, eu nunca me esqueço de um muito obrigada e faça-se a Vossa Santíssima Vontade. O que Vós quiserdes, meu bom Jesus, também eu quero. Eu quero ser consumida nas chamas do vosso divino amor na Santíssima Eucaristia. E sou bem atendida porque estou bem consumida na ânsia de o querer amar e parecer-me que O não amo. Como o meu Jesus ama tanto a minha pobre alma, apesar das minhas ingratidões passadas! E ainda, agora mesmo, O desgosto tantas vezes e tanto O não queria desgostar! Meu Deus, meu Deus, como eu sou tão má. Mas eu faço o que meu bom paizinho me ensinou. Atiro com tudo para as Santas Chagas de Nosso Senhor.

      Muito obrigada pelo cartão e pelo santinho que me enviou pela Deolinda quando ela veio do retiro.

      Não se esqueça nunca, nunca de pedir a Jesus por mim que muito preciso. Às vezes tenho alguns momentos que vou a desanimar, mas, o meu Jesus não me abandona, vem dar-me a mão.

      Virá Ele, em breve, buscar-me para o Céu? Eu de lá alcançarei tudo para Vª Rª que tanto tem feito por mim, apesar de eu tanto o ter consumido.

      Lembranças da minha mãe, da Deolinda e da D. Sãozinha.

      Abençoe, por caridade, a pobre

      Alexandrina

      P.S. Peço-lhe o favor de me recomendar ao Senhor Dr. Oliveira Dias e de lhe dizer que tenho lido com interesse a leitura do espelho da filha da Maria. É nesse espelho santíssimo que eu queria constantemente ver-me. Ao outro, é bem verdade tudo que Ele diz. Se Ele me mostrava o meu interior, pobre de mim, teria vergonha de mim mesma.

      Alexandrina

Balasar 18-2-1937

      Viva Jesus.

      Revmº Senhor Padre Pinho,

      Vai estranhar, com certeza, a minha carta e tem razão porque não é costume; mas a necessidade a isso me obrigou. Só por necessidade o faço porque só sei escrever para pessoas da minha condição. Alexandrina está pior: desde o dia 15 em diante, que ela fala pouco e as falas que dá é só com muito sacrifício e só muito ao pé dela é que se ouvem. Diz ela que o pouco que fala é só com um grande esforço que lhe parece ir corresponder ao fundo da espinha. Custa-lhe a mexer todos os membros do corpo, mas principalmente o lado esquerdo. Tem a coxa esquerda muito inchada, calça-se com uma almofada e causa-lhe muita aflição ter de mexer com ela. Hoje disse-me que estava doente, tão doente, que só lhe faltava morrer. E ansiosa por isso está ela. Às vezes diz-me assim:

— “Nosso Senhor demora-se tanto a vir-me buscar-me! Mas parece-me que agora não deverá tardar. Dentro em breve, estarei com os anjinhos. E de lá, contai comigo que hei-de alcançar tudo de Nosso Senhor. Ele há-de fazer-me tudo o que lhe pedir porque eu também nunca Lhe digo que não. Bem sei que é Ele quem me dá coragem para tudo sofrer”.

      Senhor Padre Pinho, por caridade, não nos esqueça junto de Jesus. É tão pesada a nossa cruz! Só com uma grande força do Céu é que se conseguirá levá-la. Custa-me tanto ver a minha querida irmãzinha sofrer tanto, tanto, e não lhe poder valer! O que me dá mais consolação, é presenciar como ela sofre com amor e como só deseja que se faça a vontade de Nosso Senhor em tudo e sempre. Como não sei nada de Vª Revª, por onde anda, pedia-lhe o favor de, logo que possa, me dizer para onde tenciona ir para, no caso ser preciso, comunicar alguma notícia, sabermos para onde.

      A D. Sãozinha envia-lhe muitos cumprimentos e pede para mandar dizer que tenciona passar as férias da Páscoa em Braga e, se não passar, se daqui até lá o poderá encontrar algum dia em Braga.

      Muitas lembranças da minha mãe e da Alexandrina, que pede que a abençoe.

      Adeus por hoje.

      Abençoe também a pobre Deolinda.

Balasar, 4-3-1937

      Senhor Padre Pinho,

      Como assim, tenho que fazer mais este sacrifício de escrever a Vª Reciª para lhe contar como tem passado a Alexandrina. Eu não sei explicar como ela está, mas pelo pouco que vou dizer, Vª Revª já fará ideia de tudo.

      Quanto aos sofrimentos do corpo, continuam a ser muitos, muitos. Continua a não poder falar senão com grande sacrifício. O pouco que come, já lho tenho metido na boca ou segurado a mão dela com a minha. Não se atreve a fazer o sinal da cruz com a mão dela sem a segurar. Continua a estar inchada e os pés, principalmente o esquerdo, ultimamente tem inchado muito, o que lhe causa muita aflição. Até lhe custa a ter a roupa em cima e não se move sozinha para nada. Hoje diz-me que aos bocados parece que não vê. Domingo, quando fui mudar-lhe a roupa, pensei que ela morria.

      Quanto aos sofrimentos da alma, disse-me que tem tido dias que Nosso Senhor a tem experimentado muito e por isso que pedia ao paizinho dela para a recomendar muito a Nosso Senhor e para pedir ao Senhor Dr. Oliveira para ter a caridade de fazer o mesmo. Que pedissem muito agora por ela na terra que, depois no Céu, ela faria o mesmo.

      Adeus por hoje, que não tenho tempo para mais.

      Muitas lembranças da minha mãe e da D. Sãozinha e peço para me não esquecer junto de Jesus e para me abençoar.

      Deolinda Maria da Costa.

Balasar, 18-3-1937

      Senhor Padre Pinho,

      Aqui me tem a cumprir um dever de obediência e agradecer a Vª Revª a boa cartinha que teve a caridade de escrever à Alexandrina; em nome dela muito obrigada.

      Ela tem piorado cada vez mais. Não sei se poderá ser possível agravar-se mais o seu sofrimento. Continua a ter os pés inchados e tem tanta aflição neles e tantas dores que várias vezes no dia me pede para pegar neles nas minhas mãos a ver se os alivia um pouco. E depois diz-me assim: “Olha como eu imito a Nosso Senhor!” Tem piorado muito da bexiga. Tem botado muito sangue, depois fica com dores horríveis. Deitamos-lhe panos quentes e até esses trazem sangue. Estou a escrever a Vª Revª junto do leito dela donde pouco tempo posso sair, nem de dia, nem de noite. E, por algumas vezes com custo, tenho reprimido as lágrimas vendo-a sofrer tanto, tanto, e não saber o que hei-de fazer. Às vezes pede-me para a puxar mais para cima; vou a fazê-lo e ela faz-me sinal para parar e fica quasi desmaiada. Se assim continuar, nem se lhe pode mudar a roupa.

      Faz-me tanta pena quando lhe estou a meter na boca o quasi nada que come e ela nem poder bulir com os queixos para comer! Fica tão aflita com aquele bocadinho de movimento que faz. Mas, graças a Nosso Senhor, continua a sofrer muito bem e com grande ansiedade em chegar o dia de ela ir para o Céu. Ontem à noite disse-me: “Agora parece-me que sempre é certo Nosso Senhor vir-me buscar”. E hoje disse-me: “Eu não vou morrer, vou viver. Vou para a minha pátria; a minha pátria não é isto, é o Céu”. Sim e eu também me parece que se aproxima o fim. Ai meu Jesus, não sei como nos havemos de separar uma da outra.

      A Alexandrina pede-me para dizer a Vª Revª que continua no mesmo estado de alma; que ás vezes se vê atrapalhada. Recomenda-se muito a Vª Revª e pede que a abençoe.

      Muitas lembranças da minha mãe e da D. Sãozinha.

      Abençoe, por caridade, a pobre

      Deolinda

Balasar, 22-3-1937

      Senhor Padre Pinho,

      Espero que Vª Revª me desculpará por, já hoje, voltar a escrever-lhe. Escrevi uma carta para a Gandra, Baltar e receando que ela não lhe fosse entregue, resolvi escrever duas letrinhas para o Porto, para Vª Revª saber como passa a Alexandrina.

      Está tão doentinha! Quasi não sossega nem de noite nem de dia. Pede-me para a puxar para um lado e para outro e não encontrando posição para estar diz assim: “Ó meu querido Amor, Vós ainda sofrestes mais do que eu”. Às vezes também me diz: “O que se passa no meu corpo só Deus o sabe; e basta que Ele só o saiba”. Às vezes dá-lhe pela cabeça, principalmente de noite, diz que não sabe bem explicar mas que é como quem está variado: mas não fala, é só com o pensamento; não sei se será do estado da fraqueza.

      Mas, apesar de tudo isto, conserva como de costume o sorriso nos lábios e ainda diz a Nosso Senhor: “Mais, meu querido Jesus, mais; tudo quanto vos aprouver enviar-me, e só desejo que se cumpra a vontade de Nosso Senhor em tudo e sempre”.

      Diz-me ela para eu mandar dizer a Vª Revª que a alma não é menos crucificada que o corpo. Que pensa se Nosso Senhor, na sua infinita sabedoria ainda encontrará mais meios para a afligir. E que finge tudo tirar-lhe. Que até lhe parece que não é amada por Nosso Senhor nem por Nossa Senhora. Mas que tem toda a confiança que é.

      De novo pede a Vª Revª para a não esquecer junto de Jesus e promete fazer o mesmo: também pede para daí a abençoar.

      Muitas lembranças da minha mãe e peço a caridade de me abençoar também a mim,

Deolinda.

Balasar, 1-4-1937

      Senhor Padre Pinho,

      Ainda tenho que ser eu quem lhe dou as notícias de Alexandrina.

      Por isso, em nome dela, muito obrigado pela cartinha que lhe enviou no dia dos anos assim como ........

      Senhor Padre Pinho, ainda não chegou o dia de a Alexandrina partir para o Céu como ela deseja. Sábado de Aleluia, pelas oito horas da manhã, pensámos que era para ser. Deu-lhe uma aflição tamanha que, se demorava muito tempo, ela não resistia. Principiou-lhe por dores horríveis nos rins e na bexiga, não deixando que ela se pudesse mexer para parte nenhuma. Depois principiou em vómitos, mas não vomitava nada. No meio desta aflição ela pedia-me para lhe dar o crucifixo a beijar e repetia: “Ó meu querido amor, Vós ainda sofrestes mais do que eu”. Eu repetia com ela algumas jaculatórias para ela acompanhar com o pensamento. Também mandámos chamar o Senhor Abade, mas ele não estava.

      Durante todo o dia nunca mais saí do pé dela, nem para comer. Depois as dores abrandaram um pouco, deixou de ter vómitos e sossegou um pouquinho. Agora continuam todos os outros sofrimentos como Vª Revª já sabe. Passa horas no dia que são tantas dores que os olhos rasam-se-lhe de lágrimas e eu não posso passar sem chorar ao vê-la sofrer tanto. Ainda esta noite passou tão mal! Mas já tem passado mais assim. Apesar de tudo, ela só deseja que se faça a vontade de Nosso Senhor em tudo e sempre.

      Ás vezes diz-me assim: “Eu tenho tantas dores e parece que não sofro nada! Sou tão rabugenta! Não sei sofrer caladinha!”

      É tal, às vezes, a aflição interior que ela sente, que me diz assim: “O que eu fui e o que sou: dantes ainda tinha algum conserto e ainda era amiga de Nosso Senhor; agora não tenho conserto nenhum, não rezo, não sou nada amiguinha de Nosso Senhor”.

      Ela agradece a Vª Revª tudo o que fez por ela no dia dos anos e sempre e pede que, por caridade, continue, que ela também promete nunca o esquecer junto de Jesus.

      Muitas lembranças da mãe e de D. Sãozinha.

      Abençoe, por caridade, esta que tanto precisa,

      Deolinda.

Balasar, 8-4-1937

      Senhor Padre Pinho,

      Cá estou eu de novo a dar-lhe notícias da Alexandrina.

      Ainda era para não escrever, mas parece-me que ela ficava mais contente se eu mandasse duas palavrinhas.

      Ela ainda vive porque Nosso Senhor assim quer, porque se não fosse por Ele, era impossível ela resistir com tanto sofrimento sempre de dia e de noite; pouco tempo é o que ela dorme.

      Sábado, durante cinco horas, estive constantemente a deitar-lhe panos de água quente sobre a bexiga e ela com dores horríveis e muito aflita e quase continuadamente deitava coisas para fora. Certamente era isso o que lhe fazia a aflição. Depois, ali pelo meio da tarde, sossegou mais um pouquinho e dizia-me que estava muito cansada, que já não podia mais e eu estava quase na mesma. Mas isto não foi só sábado, tem continuado todos os dias, de então para cá. Alguns dias não tem sido tanto tempo.

      Ela diz-me que é porque não sabe sofrer e por isso às vezes, aos bocadinhos, tenta remediar sem os panos mas não pode. Diz ela que, se não fosse a grande aflição que tem no corpo todo, que resistia mais; assim aos bocados lhe parece desfalecer. Também me disse que às vezes, só por um instante, chega a ter medo do sofrimento. Mas que não admira, porque Nosso Senhor, também, no Jardim das Oliveiras, temeu e disse: “Pai, se é possível, afastai de mim este cálice”.

      Hoje, também mais que uma vez, me disse que estava muito cansada; como não havia de estar Nosso Senhor, naquela noite de quinta para sexta-feira santa, até à hora de ser crucificado!

      Vou terminar porque já estou a abusar da paciência de Vª Revª, que a esta hora deve estar bem cansado.

      Muitas lembranças da minha mãe e de D. Sãozinha.

      Eu tanto preciso de me confessar, mas não posso sair daqui. Seja o que Deus quiser.

      Por caridade, não nos esqueça junto de Jesus para que Ele ajude a Alexandrina a levar a cruz até ao alto do Calvário e a mim para que me ajude a acompanhá-la, que tanto me custa.

      Abençoe-me, por caridade.

      Deolinda.

Balasar, 26-4-1937

      Senhor Padre Pinho,

      Estimo que Vª Revª tenha chegado bem a Braga e que continue bom, são os meus desejos. Cá estou eu a escrever a Vª Revª ainda mais cedo do que fazia conta.

      Pensava em escrever quinta-feira, como de costume, mas não queria deixar passar tanto tempo sem que Vª Revª saiba do que se passa.

      Quando esta chegar não sei se a Alexandrina ainda estará viva.

      Na noite de quinta para sexta-feira vomitou e passou muito mal. De dia continuou a ter vómitos, mas não tinha nada que vomitar.

      Não sei se Vª Revª se lembra de ela já na quinta-feira se queixar que não podia mastigar nem engolir, que lhe parecia que tinha a língua grossa. Pois, na sexta-feira e no sábado ainda consegui qualquer coisa, quase nada; mas eram tais as dores que sentia no céu da boca e pelo canal abaixo que até fazia pena.

      Desde sábado, não tornou a tomar alimento nenhum. Nem mesmo a água pode beber e se teima em beber alguma, vomita-a logo.

      Faz-me tanta pena ela dizer: “Tenho tanta sede e não posso beber!” Dizia também: “Que Nosso Senhor me tire tudo mas que não me tire a Sagrada Comunhão”. Mas até isso lhe tirou porque, já hoje, não pôde comungar.

      São tantos e tão fortes os vómitos que às vezes parece que até se levanta no ar com a aflição.

      Domingo vomitava muita água verde e hoje, é uma água escura com muitas coisas juntas, não sei o que é.

      Mas graças a Nosso Senhor, ela continua a sofrer bem. É isso que me consola no meio de tantas aflições.

      Agora custa muito entendê-la, mas enquanto falava melhor ouvia ela dizer: “Amo-Vos, Jesus. Sou toda Vossa. Sede comigo até ao fim. Minha Mãe Santíssima e São José, sede comigo até ao último momento da minha vida”. Dizia isto e outras coisas semelhantes.

      Também me disse que Nosso Senhor é muito amigo dela, que lhe dá tudo quanto ela lhe pedia, que eram os sofrimentos.

      Agora pergunto-lhe se está ansiosa por ir para o Céu e se está contente com Nosso Senhor. Ela diz-me que sim, mas que não pode mais.

      Hoje esteve aqui o Senhor Abade, por duas vezes, e como ela desejava muito comungar, ele trouxe uma partícula por consagrar e deu-lha a ver se ela podia engolir. Mas não pôde a não ser com água e, logo que bebeu a água, vomitou. Por isso não comungou. Agora não vem para ela, não vem para mim, estamos ambas sem comungar. Que Deus seja connosco!

      A Alexandrina tinha-me dito para mandar um santinho dos que tem escritos para o Sr. Dr. Oliveira. Eles são muito fraquinhos: em vez de um vão dois, para escolher.

      Peço o favor de lhos entregar e de nos recomendar muito e que faça a caridade de pedir por nós, pois agora mais que nunca precisamos.

      A Vª Revª peço para fazer o mesmo e que daí nos envie uma bênção muito especial, que nestes tristes dias tanto precisamos.

      Sou sempre a pobre

      Deolinda

Balasar, 3-5-1937

      Viva Jesus.

      Senhor Padre Pinho,

      Agora que tenho uns momentos mais livres, pensei em dizer alguma coisa a Vª Revª, porque faço ideia quanto deseja saber o estado de Alexandrina pela qual muito se tem sacrificado.

      Das muitas pessoas que a viram, ninguém julgou ela ser viva a esta hora.

      O Senhor Abade vinha aqui duas vezes por dia, lia, rezava e por aqui passou algum tempo. Mas ainda não tinha chegado a hora. Nosso Senhor ainda não estava satisfeito. Ainda mais alguma coisa vai encontrando para sacrificar na sua vitimazinha.

      Ainda não tornou a tomar nada senão alguns golos de água fria ou algumas colheres de chá, e isso mesmo, lhe causa dores horríveis desde a boca até à barriga e estômago e que ainda lhe passa às costas. Não se pode ver quando é para engolir essa pouca água. Diz ela que Nosso Senhor ainda sofreu mais e que também teve sede na cruz e que lhe deram a beber fel e vinagre.

      Diz-me que dizia a Nosso Senhor que lhe queria matar a fome e a sede que Ele tem de amor ao Santíssimo Sacramento e essa sede que nunca lha pode apagar e que a dela em breve será saciada.

      Hoje, com um braço amarrado ao meu pescoço dizia-me assim: “Estou pronta, o meu corpo já está um cadáver, mas morta por isso estou eu. Se me apanho no Céu!”

      Ela tem a esperança que Nosso Senhor a venha buscar na próxima quinta-feira. Virá? Não sei. O que sei é que nunca pensei que se podia sofrer tanto. Mas seja feita a vontade de Nosso Senhor.

      Desde o domingo, dia 25, até quinta-feira, dia 29, não comungou. Neste dia os vómitos não eram tantos, mandámos vir o Senhor Abade e comungou dois dias; depois no sábado, dia 1 de Maio, não pôde comungar. Depois continuou a comungar até hoje: às vezes temos tido bastante susto, mas não tem tido dúvida.

      Por hoje mais nada, que não tenho tempo para mais. Muito obrigada pelas boas orações de Vª Revª e, por caridade, continue que muito, muito precisamos.

      Muitas lembranças da minha mãe e da Conceiçãozinha.

      Peço, por caridade, para daí nos abençoar.

      Deolinda Maria da Costa.

Balasar, 13-5-1937

      Viva Jesus.

      Senhor Padre Pinho,

      Não me recordo se, na carta que escrevi para Guimarães, agradeci a Vª Revª a linda cartinha que tinha escrito à Alexandrina.

      Eu nunca tive muito juízo, mas agora, trago a minha cabeça de tal forma que cada vez tenho menos. Portanto, se ainda o não tiver feito, agradeço-lhe agora assim como a fotografia dela que há dias nos chegou à mão. Mil vezes muito obrigada por tudo.

      Agora vamos ao que a Vª Revª lhe interessa saber.

      A Alexandrina ainda vive. Parece que Nosso Senhor anda a brincar com ela.

      Nem nós nem as pessoas que a viram julgavam ela ser viva a esta hora. Mas ainda não está tudo consumado. O nosso bom Jesus ainda não está satisfeito, ainda encontra na sua vítima mais alguma coisa para sacrificar. Que Sua Santíssima Vontade se cumpra são os desejos dela, Apesar da grande ânsia que tem do Céu.

      Continua muito malzinha, mas sempre pedindo e confiando que Nosso Senhor há-de ser com ela até o fim.

      Estes dias os vómitos têm sido menos, mas pela aflição que sente, parece-lhe que tornam a vir mais. Enjoou da água; não sei se foi por a vomitar, se pelo que foi. E agora passa muita sede. Tem chuchado o sumo de laranjas para a refrescar um pouco, mas também está a enjoar delas.

      Continua a não poder comer porque não pode bulir com os queixos; só desde segunda-feira para cá. é que tem passado um bocadinho de puré de batata e esse mesmo com custo.

      Custa a perceber o que ela diz porque não pode abrir a boca para falar.

      O corpo dela está como morto, sem ajudar não se move com nada.

      E diz-me assim: “Vós não imaginais o que se passa no corpo e na minha alma. Só Deus o sabe e basta que só Ele o saiba”. Diz que é preciso ela morrer, que se não levante por aí alguma galga.

      Vª Revª quer saber porque é que ela diz isto? É porque, apesar de estar bastante esquecida e não prestar atenção a quasi nada que se diz, ouviu estar a contar que um homem de Arcos perguntou por ela e disse que se dizia que estava santa; foi o bastante para ela se afligir muito e dizer que era preciso morrer. Senhor Padre Pinho, pedia-lhe o favor de em nome de Alexandrina agradecer ao Senhor Dr. Oliveira Dias o lindo santinho e as boas palavrinhas que teve a caridade de lhe mandar.

      Também peço para nos recomendar muito e para lhe pedir que não nos esqueça junto de Jesus, para que Ele nos ajude a passar estes tristes dias. Nós também o não temos esquecido.

      Termino pedindo que desculpe tudo e enviando-lhe lembranças da minha mãe e da D. Conceiçãozinha.

      A Alexandrina recomenda-se muito e pede que a abençoe.

      Por caridade, abençoe esta que muito precisa.

      Deolinda Maria da Costa.

Balasar, 31-5-1937

      Senhor Padre Pinho,

      Não tencionava escrever-lhe ainda hoje, pois só para quinta-feira é que pensava fazê-lo.

      Coisas há que me levaram a dizer-lhe já algumas palavras.

      Acabámos de receber aqui a visita de um Sr. Padre que, por sinal, parecia muito santo. Trazia um cartão de Vª Revª que dizia para a Alexandrina lhe falar à vontade; e foi bom porque ela diz que, se não fosse o cartão, não lhe dizia nada do que ele queria saber. Ele disse-lhe ao que vinha e do mando de quem vinha. Diz-me ela que lhe respondeu com toda a franqueza e simplicidade. Que Nosso Senhor a não levou ainda porque lhe queria mandar mais esta prova que tanto lhe custou.

      Se o sacrifício que fazia para dizer as coisas ao paizinho dela era grande, para dizer a este que nem ao menos o tinha visto, foi ainda muito maior. Não lhe disse tudo porque era impossível em tão pouco tempo e o pouco que lhe disse foi com grande esforço, porque Vª Revª bem sabe quanto lhe custa falar. Diz ela também, que para estas coisas já é um pouquinho tarde, porque não tem a cabeça em condições. Para ela que lhe é indiferente tudo isto; só o que quer muito é que seja feita a vontade de Nosso Senhor. Afligiu-se muito, principiou a chorar e ele ainda aqui estava ao pé dela.

      Quanto à doença, continua a apossar-se cada vez mais.

      Os pés estão tão inchados e as pernas que não têm mais para onde alargar. Há dias principiou a inchar-lhe as costas; já vai o inchar a meio.

      Já se lhe não conhecem os ossos nem a espinha e custa-lhe imenso a estar na posição que tem. E então diz-me assim: “Nosso Senhor estava quietinho na cruz e eu estou sempre a rabiar. Eu sou tão rabugenta!”

      Disse-me também que o domingo da S.S. Trindade o passou mais no Céu do que na terra. Que estava tão atribulada e que eram tantas tantas as saudades que tinha pelo Céu.

      Vou terminar a ver se ainda apanho o correio, que está na hora.

      Muitas lembranças da minha mãe e da D. Sãozinha.

      Para mim e para a Alexandrina, uma bênção e a grande caridade de não nos esquecer junto de Jesus que tanto precisamos.

      Deolinda.

      P.S. Peço o favor, se estiver com a Dª Maria Emília, de nos recomendar muito e de lhe pedir a caridade de nos não esquecer junto de Nosso Senhor.

Balasar, 17-6-1937

      Senhor Padre Pinho,

      Já vai sendo tempo de eu cumprir um dever que parece já estar um pouco esquecido; mas não está.

      Como Vª Revª sabe, tenho sempre muita dificuldade em lhe escrever e não havendo nada de novo não o faço; mas não é por me ter esquecido.

      Então Vª Revª já regressou de Lisboa? Chegou bem de saúde? Oxalá que sim. Agora demora-se em Braga? Algum tempo? Eu tanto queria ir aí, que muito precisava de falar com Vª Revª, mas não posso de maneira nenhuma sair de casa, não posso abandonar o meu posto; enquanto Nosso Senhor quiser que eu esteja nele, eu também quero. Às vezes custa-me tanto! Ai, meu Jesus, que Ele não me falte com a sua graça que com ele tudo posso.

      A Alexandrina continua muito, muito doentinha. Da espinha e das costelas tem piorado muito. Para lhe dar as voltas, não consente que a erga nada: é só arrastando de um lado para outro. As costelas, principalmente do lado direito, não se topam, estão caídas tanto lá para dentro, e fazem-lhe tanta aflição! E agora, com este calor, ó meu Deus, que dias se passam e que sofrimento que não se pode explicar.

      Mas, apesar de tudo, está sempre contente com a vontade de Nosso Senhor.

      Hoje ao ouvi-la em grandes gemidos, perguntei-lhe o que doía mais: ela fez-me sinal que era da cabeça até aos pés.

      E se fossem só os sofrimentos do corpo. E os da alma!

      Apesar de eu não saber de tudo, parece-me que não são menos dolorosos do que os do corpo.

      Quantas e quantas vezes eu lhe vejo os olhos encherem-se de lágrimas, fruto desse grande sofrimento.

      Vª Revª já soube que ele escreveu? Eu escrevi-lhe duas letras a agradecer-lhe.

      A Alexandrina está triste e tem pena de lhe ter dado o desgosto de chorar diante dele.

      Lembranças da minha mãe e da Sãozinha.

      A Alexandrina pede que a abençoe e que não se esqueça de pedir muito a Nosso Senhor por ela. Eu também me recomendo às orações de Vª Revª e também peço que me abençoe.

      Deolinda.

Balasar, 12-8-1937

      Precisava de desabafar, mas não o faço porque não me sinto com coragem de o fazer. Ainda que fosse eu quem escrevesse não seria capaz de lhe dizer tais coisas por escrito.

      Já no domingo de manhã, eu tive um grande combate com o demónio. Depois de passada a tempestade, deixou-me numa tremenda noite escura. Mas muito maior ainda foi à noite. Durou algumas horas. Nunca pensei em tal na minha vida. Se não fosse o muito que o paizinho se consumiu comigo e lembrar-me dessas suas santas palavras, com certeza na segunda-feira já não comungava. Dizia-me o maldito que não comungasse se não mais depressa me vinha buscar para o inferno. “Não te dizia que te havia de fazer cair em horrendos crimes? Tu queres, tu consentes. Digo-te as coisas mais feias! Tenho a certeza que as não dizes àquele intrujão, àquele impostor” e outro nome ainda pior. Durante essas horas de combate, ouvi por duas vezes a voz de Nosso Senhor, com um pequeno intervalo uma da outra. Uma, coisa muito rápida e das duas vezes repetiu as mesmas palavras.

— Minha filha, ouve o teu Jesus, o teu esposo. Coragem, a batalha é tua. Eu estou contigo para te dar força, minha bela, meu lírio, minha açucena, ó pura, pura, pura.

      Nessa ocasião parecia-me ouvir o demónio a rosnar como um cão. Ameaçava-me que me não deixaria mais nem um momento, nem na terra nem no inferno, e que não tinha lá outro condenado como eu, que eu era a pior. Eu já não podia mais. Se não vem Nosso Senhor, pela terceira vez, como que a separá-lo de mim, parece-me que eles até me matavam. Ouvi o meu bom Jesus, que me dizia:

— Minha filha, já te não fazem mais mal.

      E disse-me por que permitia tais coisas, mas que me não tinham feito o mal que a mim me parecia.

— Minha filha, não me posso demorar, vou-me esconder. Para que saibas que sou o teu Jesus, aí vai o meu amor.

      Senti aquela força interior que me abraçava e aquele calor que me abrasava. Repetiu-me aquelas palavras, que há dias me tinha dito e disse-me:

— “Vela comigo”.

      Imediatamente tudo o que era de Nosso Senhor me desapareceu e o que era do demónio sentia-o com toda a gravidade, como se fosse feito por mim. Mas, durante a noite, não me voltaram mais a afligir.

      Abençoe-me, por caridade,

      Alexandrina.

Sem data

      Senhor Padre Pinho,

      A Alexandrina não pode mais. Já está muito cansada e manda-me que diga mais alguma coisa. Mas que hei-de dizer? Só posso dizer que nunca vi coisas destas na minha vida. Tem-se repetido, embora os combates não estejam tão fortes. Segunda-feira à noite, já só eu estava a pé, observei tais coisas que fiquei admirada. Ela suava tanto que parecia ter caído num rio de água e eram tantos os saltos que davam com ela que parecia que a tiravam da cama para fora. Ajudei-a no que pude, dando-lhe o crucifixo a beijar, porque ela não tinha força para o levar aos lábios. Também aspergi a cama com água benta e não me deitei até que o demónio a deixasse. Isto já se tem repetido mais vezes.

      No sábado, pouco depois de Vª Revª daqui ter saído, recebi esta carta da Maria José para lhe entregar; aí lha envio.

      Lembranças da minha mãe. Por caridade, não me esqueça junto de Nosso Senhor que muito preciso. Abençoe, por caridade, a pobre,

      Deolinda.

   

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