“Aquilo vem
dar cabo disto”
José Ferreira
Conta-se que em 8 de Julho de 1832, quando do alto da colina onde se
encontra o Convento de Santa Clara de Vila do Conde se via a
esquadra liberal junto à costa, a abadessa pronunciou esta frase:
“Aquilo vem dar cabo disto”. “Isto” eram antes de mais as Ordens
religiosas.
E o
pressentimento realizou-se: eles apressaram-se a extingui-las e o
país entrou em cisma, com muita desorientação e bispos não
reconhecidos por Roma.
Mas
cerca de 15 dias antes, em 21 de Junho, a duas dezenas de
quilómetros de Vila do Conde, em Balasar, já Deus acendera um facho
de esperança, de um modo humilde e misterioso: era apenas uma cruz
desenhada na terra, à margem
dum
caminho frequentado quase só pela gente do lugar. Mas varreu-se a
solo, deitou-se-lhe água por cima e a cruz não se apagou.
Do
facto, surgiu uma devoção que se divulgou de modo imprevisível:
“concorre ali muito povo de todas as terras em redor e ainda do
Porto e de Braga”, registou um contemporâneo. A afluência do povo
manteve-se e cresceu, mas ameaçou extinguir-se um século mais tarde.
É então, porém, que surge algo de novo e mais surpreendente.
No
colóquio de 5 de Dezembro de 1947, Jesus falou assim à Beata
Alexandrina:
"Quase
um século era passado que Eu mandei a esta privilegiada freguesia a
cruz para sinal da tua crucifixão. Não a mandei de rosas, porque a
não tinha, eram só espinhos; nem de oiro, porque esse com pedras
preciosas serias tu com as tuas virtudes, com o teu heroísmo a
adorná-la. A cruz foi de terra, porque a mesma terra a preparou.
Estava
preparada a cruz; faltava a vítima, mas já nos planos divinos estava
escolhida; foste tu.
O mal aumentou, a onda dos crimes atingiu o seu auge, tinha que ser
a vítima imolada; vieste, foi o mundo a sacrificar-te".
Afinal
a humilde cruz de terra era um anúncio e vinha aí uma vítima pelos
crimes que tinham atingido o seu auge.
Oito
anos à frente, em 21 de Janeiro de 1955, Jesus insistiu:
“Há
mais de um século que mostrei a cruz a esta terra amada, cruz que
veio esperar a vítima. Tudo são provas de amor!
Oh,
Balasar, se me não correspondes!
Cruz de
terra para a vítima que do nada foi tirada, vítima escolhida por
Deus e que sempre existiu nos olhares de Deus!
Vítima
do mundo, mas tão enriquecida das riquezas celestes que ao Céu dá
tudo e por amor às almas aceita tudo!
Confia,
crê, minha filha! Eu estou aqui. Repete o teu «creio». Confia!”
Nem
aqui nem nos outros escritos da Alexandrina a “vítima do mundo” não
anuncia nenhum período de especial bonança histórica, qualquer
messianismo fácil. Pelo contrário: Jesus afirma do seu sofrimento
que ele será eficacíssimo, mas num mundo em desorientação e luta:
este mundo como conhecemos.
Seja
como for, a Alexandrina é uma luz que vai à frente e uma fonte de
esperança. E se ela é anunciada como esperança, por exemplo, como
“escola da humanidade”, isso não pode ser em vão.
Deus
não abandona a sua Igreja. Como ao tempo de S. Paulo, Cristo e a
Cruz continuam a ser “escândalo para os judeus, loucura para os
pagãos, mas poder e sabedoria de Deus para os chamados, quer judeus,
quer gregos” (1ª Cor 22-24).
Esta
Europa que teima em ignorar as suas raízes cristãs orgulha-se do
aborto e paga-o, orgulha-se dos casamentos homossexuais e mergulha
num défice de natalidade que é caso único na história, proíbe a Cruz
nas escolas enquanto o islamismo alastra, etc. E cada dia revistas e
jornais, rádios e televisões, páginas da Internet propagandeiam todo
um pensamento adverso à Igreja, teimosamente agnóstico e não raro
ateu. Parece que se ouve de novo a vozearia dos judeus:
“Crucifica-O, crucifica-O!”
Como
tantas vezes ao longo da história, os arrogantes inimigos da Igreja
não darão cabo dela, mesmo que lhe façam muitas feridas. O mundo dá
voltas, mas a Cruz manter-se-á de pé. A tempestade acabará por
passar e a Igreja, essa, brilhará outra vez, humilde e fascinante, a
entusiasmar multidões.
José
Ferreira |