André Carlos Ferrari nasceu em Lalatta, diocese de Parma a 13 de
Agosto d 1850. Em 1861 foi aceite no Seminário de Parma, onde
completou os cinco anos de ginásio, o triénio de liceu e o
quadriénio dos estudos
de
teologia. A 20 de Dezembro de 1873 foi ordenado sacerdote, com o
compromisso de se tornar santo e de chamar almas a Cristo. No dia 21
do mesmo mês, no santuário mariano de Fontanellato celebrou a sua
primeira missa, implorando da Virgem luz e fortaleza para ser um
verdadeiro pastor de almas.
Durante algum tempo prestou serviço pastoral como vice-pároco em
Mariano e seguidamente em Fornovo Taro, onde se deu a todos para
todos levar a Deus. Durante o outono de 1875 foi chamado para o
Seminário como vice-reiro e professor de física e ma-temática. Em
1877 foi nomeado Reitor do mesmo Seminário, onde ensinou teologia. A
29 de Maio de 1890 foi eleito Bispo de Guastalla e um ano mais
tarde, em 29 de Maio de 1891, foi transferido para a Sé de Como,
onde se distinguiu pela sua pastoral.
Em 18 de Maio de 1894 foi feito Cardeal e a 21 do mesmo mês de Maio,
foi nomeado Arcebispo de Milão. Então que o seu nome André passou a
ser Carlos, em honra de São Carlos Borromeu. Em Março de 1895
iniciou a primeira visita pastoral da arquidiocese, que repetiu
cinco vezes, sem esquecer as paróquias alpinas. Durante as visitas
muitas vezes falava aos fieis, fazia o exame do catecismo às
crianças, administrava a confirmação, distribuía a Eucaristia,
visitava os enfermos, consagrava novas igrejas. Celebrou três vezes
o sínodo diocesano, em 1906 reuniu um concílio juvenil e em 1895
celebrou o Congresso Eucarístico nacional.
Também se interessou pelos problemas sociais, em homenagem à grande
Encíclica “Rerum novarum” do Papa Leão XIII. No Seminário instituiu
a cátedra de economia, confiando-a ao professor José Toniolo. Sob a
sua impulsão, o clero dedicou-se com entusiasmo às obras sociais.
Até msmo a imprensa sofreu um notável impulso. Durante a campanha
anti-modernista, o Cardeal, sempre obediente às directivas da Santa
Sé, foi injustamente acusado de desviacionismo.
Ele encerrou-se no silêncio e na oração esperando humildemente que
as trevas desaparecessem e a luz chegasse e com ela a verdade. No
período da primeira guerra mundial, o Cardeal com muito dinamismo,
dedicou-se à caridade junto dos órfãos e das viúvas, das famílias
necessitadas, dos soldados, dos prisioneiros e na busca dos
desaparecidos.
Por fim chegou também para ele o momento do sofrimento e teve de
acamar. O povo de Milão peregrinava até sua casa para ouvirem a sua
voz exortativa e receber a sua bênção.
A 2 de Fevereiro de 1921, com 71 anos, morreu serenamente.
O que a seu respeito escreveu um jornalista português:
«Nem
sempre os santos se entendem muito bem, devido à diferença de
perspectivas, de critérios e até de projectos. Em diferentes vidas
de bem-aventurados encontramos estas dissensões, por vezes, bem
amargas, que vão servindo até para purificar opiniões quando não
acrisolar o amor e outras virtudes.
Imagine-se que S. Pio X faz saber ao beato André, na altura cardeal
de Milão, aliás com muito prestígio, em certas facções da Igreja,
que não deseja vê-lo em Roma. Havia mandado fazer-lhe duas visitas
apostólicas a ele e aos seus seminários, em 1905 e 1908, e preparava
uma terceira. Embora nas duas primeiras não tivessem encontrado os
legados pontifícios nada de anormal, na terceira iriam atacar o
cardeal Ferrari, por causa das correntes anti-modernistas cujas
teses estavam ainda bastante embrulhadas.
Estava-se ainda no tempo do conflito entre os poderes políticos da
Itália, que haviam usurpado os Estados Pontifícios, e o Papado.
O cardeal havia-se encontrado com o rei Humberto I, em Monza, acção
muito mal vista por quantos consideravam o Romano Pontífice
prisioneiro no Vaticano, embora Ferrari tivesse obtido prévio
consentimento da Santa Sé, desejosa também de resolver o litígio.
Mas como as opiniões se dividiam...
O contraste entre o Papa Sarto e o cardeal de Milão, aliás um dos
seus grandes eleitores, no conclave, tinha raízes na diferente visão
da Igreja e da sociedade italiana. Ferrari afrontava as questões e
pretendia inserir nelas o catolicismo, enquanto Pio X desconfiava
dos novos acontecimentos históricos que não compreendia. Aquele quer
os leigos católicos na política, para ajudarem a harmonia e a paz
tão necessárias, este pretende que o decreto, non expedit, que
proíbe aos crentes a colaboração com um governo usurpador se
mantenha de pé.
À morte de Pio X, o cardeal Ferrari ainda comentou para um amigo que
louvava o papa defunto: “Sim, mas teve de dar contas a Deus pelo
abandono em que deixou os seus bispos, perante as acusações que lhes
moveram”.
Mas onde está a santidade deste grande arcebispo de Milão?
Foi de uma caridade pastoral a toda a prova. Numa diocese com quase
dois milhões de pessoas e 700 paróquias, o beato André quer e
promove acções para que o movimento católico seja visível e se
implante na sociedade. Para tanto, favorece iniciativas sociais, o
compromisso cristão na política, a difusão de uma cultura coerente
com estas actividades. Multiplica os círculos juvenis, os encontros
para formação de rapazes e raparigas. Une os dois periódicos
católicos da sua diocese num único, L’Unione, para difundir suas
ideias e ainda a primeira Democracia Milanesa. Exige que os seus
padres sejam formados em sociologia cristã. Promove a participação
dos católicos nas eleições administrativas com candidatos próprios.
Durante os quase trinta anos que pastoreou tão grande diocese, fez
quatro visitas pastorais a todas as regiões.
Como, no pontificado de Bento XV, se dissolveu a nuvem modernista, o
arcebispo retoma os trabalhos pastorais já sem inimigos e sem medos.
Volta a governar Milão de uma forma espantosa, com as suas simpatias
conciliatórias em relação à política, pretende formar os cristãos
nos novos rumos da solidariedade, promovendo, durante a primeira
grande guerra, uma ajuda eficaz aos soldados, criando a Casa do
Povo. Funda a Universidade Católica, planeada por Gemelli.
Dele escreveu Carlo Martini : “O cardeal Ferrari foi um grande
construtor: iniciativas sobre iniciativas, viagens e mais viagens,
programas e mais programas que hão-de interpretar-se sobretudo em
sentido pastoral”.
Morreu, em 1921, este santo que foi mal compreendido por quantos não
se adaptaram aos tempos novos.»
(Jornal da Guarda, 26 de Janeiro de 2006) |