um autêntico reformador
O
século XVI, que viu fermentar por toda a Europa central a heresia de
Lutero e congêneres, assistiu também ao florescimento de uma pleiade
de grandes Santos, que empreenderam a gloriosa Contra-Reforma
católica. Santo André Avelino foi um deles.
*****
Castronuovo, pequena cidade do então reino de Nápoles, foi o berço
de Lancelote, filho de João Avelino e Margarida Apella. Casal
piedoso, que prezava mais os bens espirituais que os materiais, que
não lhes
faltavam,
consagraram o menino logo ao nascer à Santíssima Virgem e se
esmeraram em proporcionar-lhe uma educação profundamente cristã.
Antes de começar a falar, o bebê já aprendera o Sinal da Cruz. Tudo
nele parecia predizer sua futura santidade.
Sua
infância foi pura e inocente. Bem cedo demonstrou uma terna devoção
à Santíssima Virgem, passando a rezar diariamente seu Rosário.
O
menino era dotado da facilidade da palavra; seus companheiros de
infância lhe diziam: “Olhe, Lancelote, tu que sabes falar, diga
alguma coisa para entreter-nos”. O menino não se fazia de
rogado. Subindo a uma pedra, começava a falar como um consumado
pregador. Às vezes explicava o catecismo, outras narrava a vida de
algum Santo, e muito freqüentemente exortava seu pequeno auditório a
rezar o Rosário, a obedecer aos pais e mestres, e a cumprir com
honestidade seus deveres. E como ele era ouvido com atenção!
Estávamos numa época bem diferente da nossa...
Brilhantes estudos,
esmerada virtude
Depois de seus primeiros estudos, foi enviado a Veneza para cursar
humanidades e filosofia. Tornara-se um adolescente robusto e de bela
aparência, o que lhe valeu muitos sacrifícios e grandes lutas para
preservar o tesouro da castidade, que ele amava com amor combativo.
Várias vezes teve de fugir para escapar das ciladas que lhe eram
armadas. Uma vez foi assediado por uma mulher de má vida que queria
induzi-lo ao pecado, e outra, estando de passagem por sua casa, pela
própria ama que o havia criado!
Por
isso quis proteger-se tomando o estado clerical, recebendo a tonsura
das mãos do Bispo diocesano. Voltou então para Nápoles, onde
doutorou-se com brilho na jurisprudência. Foi também ordenado
sacerdote.
O
Pe. Lancelote, cuja virtude já era admirada por muitos, foi então
escolhido para reformar um convento de monjas decadentes, que viviam
em total desordem. Pacientemente, começou a combater o relaxamento e
a incentivar a prática da virtude, coibindo os abusos,
principalmente a visita assídua de seculares ao convento. Aos poucos
foi ganhando aqueles corações entibiados e reacendendo neles o fogo
do amor de Deus. O convento passou a ser a admiração da cidade pelo
seu fervor e desejo de virtude.
Mas
nem todos ficaram edificados. Alguns jovens não gostaram de se verem
privados das visitas ao convento; para se vingar do jovem
reformador, contrataram um sicário que desferiu no Pe. Lancelote
vários golpes de espada sobretudo no rosto, deixando-o estendido
numa poça de sangue. Felizmente, nenhuma ferida foi mortal, e ele
recuperou-se milagrosamente sem ficar mesmo com qualquer cicatriz na
face.
O
Vice-rei de Nápoles quis punir os autores do atentado, mas o Pe.
Lancelote não permitiu. Deus disso se encarregou: o sicário que
perpetrara o atentado foi morto por um homem a quem havia desonrado
a casa com uma ação impudica.
De sacerdote e
advogado, a religioso teatino
O
Pe. Lancelote exercia também com brilho a advocacia na Cúria
eclesiástica. Defendendo, certo dia, um amigo seu, no fogo e
veemência com que falava, deixou escapar, na defesa, uma mentira
artificiosa. Esse episódio, aparentemente de pouca monta, foi a
ocasião que a Providência quis servir-se para atraí-lo a uma vida
mais perfeita. Chegando em casa e rememorando o fato, pegou as
Sagradas Escrituras e, abrindo-as ao acaso, deparou exatamente com
as palavras do Livro da Sabedoria “a boca que mente dá morte à
alma”. Seu arrependimento e sua dor foram tão grandes que
resolveu abandonar o mundo e entrar na Ordem dos Teatinos, fundada
havia 30 anos por São Caetano de Tiene, e que visava especialmente a
reforma do Clero. Tinha ele então 35 anos de idade.
Realmente, havia tal decadência religiosa da parte do Clero, que se
tornou popular um adágio que dizia: “se queres ir ao inferno,
faze-te clérigo”.
Promessa de
adquirir uma nova virtude a cada dia
Por
amor à Cruz, Lancelote escolheu em religião o nome do Apóstolo
André, nela martirizado. Seu desejo de perfeição era tão grande que,
inspirado pela Providência, além dos três votos normais de
obediência, pobreza e castidade, fez mais dois votos heróicos: o de
negar em tudo a própria vontade e o de adquirir novo grau de virtude
a cada dia.
Em
seu noviciado era preciso antes reprimir seu fervor que prová-lo,
pois, quanto mais o humilhassem, mais feliz se mostrava. As
penitências que fazia estavam muito acima das normalmente pedidas
aos noviços.
Apenas feita a profissão religiosa, pediu licença aos superiores
para ir até Roma visitar o túmulo dos Apóstolos e dos mártires e
ganhar as indulgências devidas.
Ao
voltar a Nápoles, foi-lhe dado o cargo de Mestre de Noviços, que ele
exerceu por 10 anos com suma prudência e caridade, o que fez com que
o escolhessem para Superior.
Santo André Avelino foi depois encarregado de fundar duas novas
casas da Ordem, uma em Piacenza e outra em Milão. Na primeira
cidade, ele pregou contra o excesso de luxo nas mulheres, e
converteu várias pecadoras públicas. Suas pregações sobre a reforma
de vida desagradou a alguns, que apelaram para o Duque de Parma
pedindo-lhe que banisse o importuno de seus Estados. Mas o Duque
quis certificar-se diretamente do caso, e depois de ter conversado
com o Santo, passou a ser o seu mais convicto defensor, conhecedor
da preciosidade que possuía em seus domínios. A Duquesa quis
tê-lo como confessor.
Amizade com São
Carlos Borromeu
Em
Milão, André era esperado por outro Santo, a quem havia chegado a
fama de suas virtudes. Tratava-se do Cardeal São Carlos Borromeu,
outro dos sustentáculos da Contra–Reforma. Entre os dois
estabeleceu-se uma amizade verdadeiramente sobrenatural, que só pode
existir entre santos, e tão íntima, que Santo André comunicava a São
Carlos, com toda simplicidade, as graças sobrenaturais que recebia
do Céu. Assim, um dia contou ele que Nosso Senhor lhe tinha
aparecido em toda sua glória e lhe havia dado uma tão alta noção da
beleza divina, que ele não era capaz de amar mais nenhuma coisa das
que se dão tanto valor na Terra.
Aliás, os Santos reformadores dessa época brilham por sua caridade e
amor ao próximo. De tal modo que o próprio heresiarca Lutero, em
carta a seu amigo Múscilo, reconhece: “Pelo menos sob o regime
papal, as pessoas eram caritativas [...] Mudamos de natureza. Temos,
uns para com os outros, a bondade das bestas ferozes. Quem se
interessa agora pelo próximo? Cada qual se ama a si mesmo, sem
preocupar-se com os demais; e podemos nos perguntar se resta em
nossas veias alguma gota de sangue humano” .
A
caridade de Santo André Avelino manifestou-se com muito mais
intensidade durante a peste de Milão, em 1576.
Refuta hereges e
opera milagres
Eleito superior, em Nápoles, “durante seu governo ele descobriu e
refutou publicamente hereges que combatiam a verdade sobre o corpo e
sangue do Filho de Deus na Eucaristia, e fez punir o chefe”. Um
homem, seduzido por esses impostores, recebeu a Hóstia santa e a
embrulhou em seu lenço para depois a profanar. Chegando em casa,
abrindo o lenço, encontrou sangue que havia escorrido da Hóstia.
Aterrorizado, correu em busca de Santo André a quem confessou seu
crime. Para evitar que o criminoso desesperasse, o Santo tomou sobre
si parte da penitência a ele devida. Mas, sem nomear o autor,
utilizou esse estupendo milagre para fortalecer na fé os que
vacilavam diante desse divino mistério .
Vários fatos miraculosos ocorreram com esse Servo de Deus. Certa
vez, quando ele, com um companheiro, levava o Viático a um enfermo
num lugar muito ermo, desabou forte temporal que apagou a tocha que
o companheiro levava para clarear o caminho. Mas não só a chuva não
os molhou, como o rosto do Santo irradiou tal luminosidade, que
iluminou o caminho.
Proteção contra a
morte súbita
Certo dia viajava ele com um outro religioso a cavalo quando o seu,
assustando-se, deu um salto, lançando o Santo fora da sela, e partiu
em disparada. Acontece que um dos pés de André ficou preso ao
estribo, e ele foi arrastado pelo terreno pedregoso. Mas, chamando
em seu auxílio São Domingos e São Tomás de Aquino, estes lhe
apareceram, desvencilharam-no do estribo, enxugaram seu sangue e
curaram suas chagas.
Outra
vez, quando André gemia sob a forte tentação de ser do número dos
réprobos, apareceu-lhe Santo Agostinho e São Tomás que, com palavras
cheias de bondade, inspiraram-lhe nova confiança em Deus
assegurando-lhe o comprazimento de Deus para com ele.
Santo
André Avelino escreveu várias obras ascéticas e místicas.
Enfim,
no dia 10 de novembro de 1608, quando o Santo era já quase
nonagenário, ao dirigir-se para celebrar a Missa, teve um ataque de
apoplexia entregando pouco depois sua valorosa alma ao Criador.
Santo muito popular na Itália, é invocado
contra a morte repentina e a apoplexia.
Outras obras
consultadas:
- Edelviges, El Santo de Cada Dia, Editorial Luis Vives,
S.A., Saragoça, 1949, vol. VI, pp. 101–109.
- Dom Prospero Guéranger, El Año Litúrgico, Editorial
Aldecoa, Burgos, 1956, vol. V, pp. 800–805.
- Pe. José Leite, SJ, Santos de Cada Dia, Editorial A.O.,
Braga, 1987, vol III, p. 289.
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