Duas cartas à Autoridade
O outro
momento está mais documentado e não é menos significativo. Nele é clara
a intervenção divina já não tanto a proteger Chefe do Governo, mas
mesmo, entre outras coisas, a prometer-lhe o Céu. Ouçamos os Signorile:
«Em 2 de Setembro de 1940,
segunda-feira, é celebrada uma Santa Missa no seu quartinho. Logo no
princípio a Alexandrina sente-se liberta da dúvida, das trevas que a
torturavam; no momento da S. Comunhão sente depois uma força que a faz
ajoelhar; assim de joelhos recebe Jesus e … «fiquei por muito tempo num
enlevo muito unida a Jesus, numa região que não era esta.» Em ânsias
dolorosas de amar Jesus, ouve-o lamentar-se de nãos ser amado por muitos
corações. Pergunta como pode reparar e ouve responder: pôr termo à
imoralidade nas praias! Espantada, sobressaltada, pergunta que pode ela
mais fazer por isso. Jesus pede-lhe o sacrifício de escrever a Salazar
que, com o cardeal Patriarca, pode intervir eficazmente. A Alexandrina
compreende que deve escrever a ambos. Eis as cartas cujas fotocópias o
Pe. Humberto Pasquale obteve do próprio cardeal e juntou ao volume
«Cartas a diversos».
Carta
ao Patriarca
Balasar, 5 de Setembro de 1940
Eminentíssimo senhor Cardeal Patriarca.
Beijando humildemente o anel de Vossa
Eminência, peço autorização para
lhe dirigir esta carta. Confesso-me indigna de o
fazer, mas obrigam-me a isso a obediência e o cumprimento da vontade de
Nosso Senhor.
Sei que Vossa Eminência me conhece já, pois o meu
Director espiritual, senhor Dr. Mariano Pinho, já lhe falou em meu nome
quando se tratou de pedir ao Santo Padre a consagração do mundo a Nossa
Senhora. Pois que é a vontade de Nosso Senhor, o meu Director espiritual
obrigou-me em confissão a revelar a Vossa Eminência o que Nosso Senhor
me pediu; confio que Vossa Eminência manterá segredo disto, como se o
tivesse ouvido em confissão.
Foi na manhã do dia 2 do corrente mês: quando no meu
humilde quartinho se celebrava o S. Sacrifício da Missa, senti de
repente desde o princípio uma grande transformação na minha alma, que
estava em trevas e grandes agonias. Fiquei em luz, paz e suavidade e
assim continuou até ao momento da santa Comunhão. Logo que Jesus desceu
ao meu coração, a minha alma ficou como mergulhada nele e gozou por um
pouco de tempo de grande enlevo e doçura. Parecia-me que não vivia já
mais na Terra. Nosso Senhor começou a falar-me assim:
«– Na Terra não existe quase amor nenhum nos corações.
Eis o motivo da dor de Jesus. Não há amor que repare os pecados da
humanidade. Estão continuamente a rasgar o meu divino Coração.
– Jesus, que hei-de eu fazer a isso?
– Porás termo a tanta dor não rejeitando ao teu Esposo o
mais pequenino sacrifício.
– Jesus, eu não recuso, não. Eu aceito tudo, mas não
quero ver-Vos sofrer. Não deixeis essa lança trespassar o vosso Coração
dum lado ao outro. Não, Jesus, não! Ai, aceito, mas não Vos quero ver
ferido.
– Então vai depressa, como uma mendiga, pedir a esmola
para Jesus. Vai a pôr termo depressa, muito depressa, à desmoralização
das praias.
– E o que faço eu, meu Jesus?
– Vejamos agora se me negas o que te peço.
Escreve a Salazar. É ele, só ele,
mais que todos os sacerdotes, que pode pôr termo a tanto pecado.
Responde ao teu Jesus.
– Prometi tudo, meu Jesus, prometi todo o sacrifício,
mas não tenho resposta a dar-Vos.
– Então queres deixar o meu divino Coração em contínua
dor e agonia?
– Não, Jesus. Eu faço o que for da Vossa divina vontade.
Faço o que o meu Paizinho me deixar fazer.
– Ele, que é o meu discípulo amado, não vai contra os
desejos de Jesus.
– Ó Jesus, que hei-de eu dizer-lhe?
– Baixará a ti, como sempre, o Divino Espírito Santo. -
Digo-lhe tudo isto, Jesus?
– Que o meu caro Cardeal Patriarca seja auxílio e força.
Ambos em união serão o meio de salvar Portugal. Serão o meio de o meu
Santíssimo Coração não ser mais ferido com esta crueldade.
– Jesus, não quero que se saiba.
– Descansa agora no meu divino Coração: nada se saberá.»
Unida a esta carta envio uma carta para o senhor Dr.
Oliveira Salazar, que
Vossa Eminência terá a gentileza de ler e de fazê-la chegar,
se assim julgar oportuno.
Peço por caridade ainda uma vez que mantenha
absoluto segredo. Peço perdão para a liberdade que tomei, perdão para
todas a minhas faltas, como peço a bênção de Vossa Eminência para
a pobre e indigna Alexandrina Maria da Costa.
Carta a Salazar, Chefe do Governo
Excelentíssimo Senhor, digníssimo Presidente do
Conselho.
Muito cheia de vergonha e de confusão venho escrever a
Vossa Excelência para
cumprir
um dever de consciência. Se não fosse esta a vontade de Nosso Senhor,
preferiria não o fazer, pois sou uma simples rapariga de campo e
confesso-me indigna de escrever a Vossa Excelência. Sofro desde quando
tinha 14 anos e por isso faz 22 anos que não sei o que seja viver sem
dor. Desde há 15 anos e meio que estou de cama sem jamais poder
levantar-me. Nosso Senhor não olhou à minha indignidade, nem à minha
grande miséria. Escolheu-me como vítima. Tenho vivido e ainda vivo,
graças a Deus, muito desconhecida, fazendo conhecer a minha vida só ao
meu Director Espiritual; e não a qualquer outro; a isto obriga-me a
necessidade, pois eu não tenho forças para escrever, como desejava: dito
apenas e com grande sacrifício. Ora Nosso Senhor veio pedir-me mais este
sacrifício. Por amor a Ele aceitei-o com a confiança de que será de
muito proveito para as almas. É esta a razão por que me dirijo deste
modo a V. E.cia, Senhor Dr. Oliveira Salazar. Foi no dia 2 do corrente
mês que Nosso Senhor me disse, entre outras coisas, isto:
«– Vai depressa como uma mendiga pedir a esmola para
Jesus. Vai a pôr termo depressa, muito depressa à desmoralização das
praias. Escreve a Salazar. É ele, só ele, mais que todos os sacerdotes,
a pôr termo a tanto pecado. Pede-lhe com insistência que faça mais isto
pela Causa de Jesus e por Portugal. Prometo-lhe auxílio e conforto em
todos os perigos e necessidade. Prometo-lhe o Céu. Ele, com a
autoridade, também pode pôr termo ao pecado da carne proibindo e
castigando.»
A mim cabe-me só dizer os desejos de Nosso Senhor. Vossa
Excelência fará agora o que desejar, o que achar melhor. Nas minhas
pobres orações e sofrimentos não me esqueço de Vossa Excelência,
implorando a bênçãos e as graças do Céu assim como a luz do divino
Espírito Santo para que possa continuar a ser a luz e a salvação do
nosso caro Portugal; para isto não recuso a Nosso Senhor nenhum
sacrifício nem sofrimento. Peço a grande caridade de manter absoluto
segredo, como se fosse uma coisa revelada em confissão: pelo amor de
Jesus e de Maria, que o meu nome seja esquecido, como se dele nunca
tivesse ouvido falar. Sei que é esta a vontade de Nosso Senhor, e
portanto também a minha: viver desconhecida aos olhos do mundo. Com a
máxima consideração e respeito assino
a pobre Alexandrina Maria da Costa.
Não sei em
concreto se Salazar tomou em consideração o que lhe era pedido de
Balasar.
É
surpreendente notar que no jornal poveiro Ideia Nova de dois dias
à frente, a 7 de Setembro, se anunciam providências governamentais com
vista à moralização das praias. Ter-se-á a situação agravado de tal
ordem que, em fim de época balnear, se tornasse indispensável tomar
estas medidas – como vimos, pretendidas por Jesus?
Quando
muito a carta poderá ter incentivado a determinação em prosseguir uma
orientação já antes tomada.
Em 12
Outubro, agora já fora da época balnear, o mesmo jornal aborda de novo a
questão. Escreve dada altura:
«Todos os
excessos e abusos que contrariam a linha moral de um povo, embora
importados, devem ser reprimidos com inteligência e energia, para defesa
daquelas tradições de honestidade e carácter que são dos elementos que
melhor dignificam e definem um povo».
A
referência à importação desses hábitos pode significar que se trataria
de influência de estrangeiros que cá se tivessem acolhido porventura
devido à guerra que assolava os seus países.
Desta vez,
o espaço de tempo já era suficiente para Salazar receber e dar alguma
atenção à carta da Alexandrina.
As cartas
ao Cardeal Cerejeira e a Salazar estão transcritas em Figlia del Dor
Madre di Amore e de Cristo Gesù in Alexandrina. O Pe. Humberto, na
biografia Alexandrina, alude de passagem a este episódio.
Leia-se
agora este fragmento do colóquio de 21 de Janeiro de 1949, onde se fala
repetidamente da pátria portuguesa e Jesus chama ao Chefe do Estado «meu
forte e virtuoso Salazar»:
«– Dá-me a
tua cruz, dá-me a tua dor.
És a
primogénita da dor e do amor, és a primogénita da reparação.
Dá-me dor,
dá-me dor, dolorosa dor para mais uma vez seres o amparo do meu forte e
virtuoso Salazar.
Dá-me dor,
dá-me dor, para que o seu zelo pela tua Pátria triunfe mais uma vez com
a minha Igreja de quem ele tem sido tão grande amparo e auxiliar.
Dá-me dor,
dá-me dor, para que por ele a Igreja possa irradiar mais a sua luz, os
seus raios luminosos.
Vigilância,
muita vigilância, por um e por outro lado se armam laços mortais.
Dá-me
reparação, minha filha, pede muita reparação e todos os que me amam.
Em que
perigo está a tua Pátria: faça-se oração, faça-se penitência!»
A área
ideológica que a si mesma se desacreditara e que o 28 de Maio silenciou
assumiu-se como a principal vencedora do 25 de Abril. Em consequência
disso, fez e faz a sua leitura apaixonada e sem dúvida pouco objectiva
do período salazarista. Viu-se que gente bem pensante e honesta esteve
com Salazar – e não podemos agora aceitar que fossem todos loucos. Há
que aprofundar a busca da verdade, como os textos aqui citados
implicitamente o exigem.
José
Ferreira
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